RIO – A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou o tenente do Exército Antônio Fernando Hughes de Carvalho como responsável pela tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva, como O GLOBO antecipou na edição de quinta-feira. A conclusão, divulgada no Rio, é sustentada pelo depoimento de um militar, identificado pela comissão por “agente Y”, que afirmou ter visto Hughes “utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, lhe pareceu ser de meia idade”. A data do episódio, 21 de janeiro de 1971, coincide como o segundo dia de prisão de Paiva na carceragem do Departamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca.
A CVN não divulgou o nome do “agente Y” por compromisso de sigilo com o depoente. Na edição de quinta-feira, O GLOBO revelou que o nome de Hughes foi citado pelo coronel da reserva Armando Avólio Filho, na época tenente lotado no Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC/PE). Avólio, cujo nome consta da lista de torturadores do Projeto Brasil Nunca Mais, disse à comissão e ao Ministério Público Federal que, quase ao término do expediente de 21 de janeiro, um dia após a chegada de Paiva ao DOI, testemunhou a cena de tortura porque uma das portas da sala de interrogatórios do destacamento estava entreaberta. Procurado, Avólio não quis falar ao GLOBO.
Além de Hughes, já falecido, a comissão também acusou ontem o general reformado José Antônio Nogueira Belham pela morte do ex-deputado, cujo corpo até hoje não foi encontrado. Major na época, Belham era o comandante do DOI. Avólio contou que, por temer que o preso não resistisse ao interrogatório, teria levado o problema a Belham. Sua iniciativa foi confirmada à comissão pelo coronel Ronald José Baptista de Leão, então major e chefe do PIC, que o acompanhou no encontro com o comandante.
— Belham teve total responsabilidade pela morte de Rubens Paiva, pela condição de chefe e pela presença do local. A Comissão da Verdade já conseguiu demonstrar como se deu a detenção de Paiva, como foi barbaramente torturado e que ele morreu no DOI. Só resta saber onde está o corpo. E o único que pode nos dizer é Belham — disse ontem o professor Pedro Dallari, integrante da CNV.
Os depoimentos de Avólio e Leão foram ouvidos ano passado pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles, na época integrante da CNV. Leão, que morreu no início deste ano, revelou que Paiva chegou ao DOI pela porta dos fundos do quartel, levado por uma equipe do Centro de Informações do Exército (CIE). Ao tentar se aproximar da cela, teria sido impedido pelo major Rubens Paim Sampaio e pelo capitão Freddie Perdigão Pereira, sob a alegação de que “era um preso importante”. Sampaio e Freddie, já falecido, eram do CIE e tiveram os nomes envolvidos no desaparecimento de presos na Casa da Morte de Petrópolis.
Documento incrimina general
Convocado para esclarecer a participação no episódio, o general Belham negou o envolvimento na morte de Paiva e apresentou uma página de suas alterações (espécie de currículo militar) para comprovar que estaria de férias durante a prisão e desaparecimento do ex-deputado. Porém, esse mesmo documento o incriminou, pois revela que as férias dele foram suspensas nos dias 17, 20, 23, 26 e 29 de janeiro para “deslocamento em caráter sigiloso”, inclusive com o pagamento de diárias.
— Ele não apenas foi visto no local, como um documento arrecadado na casa do coronel Júlio
Molinas Dias (ex-comandante do DOI assassinado no ano passado durante assalto em Porto Alegre) registra a entrega a Belham de dois cadernos de Rubens Paiva no dia de sua chegada ao DOI — disse Dallari.
Chamado pela comissão, Belham, que tem 80 anos, recusou-se a prestar novo depoimento. Alegou, por intermédio do advogado, que deverá ser denunciado pela morte de Paiva na Justiça Federal. Para contornar o problema, a CNV tentará convencer a Câmara dos Deputados, onde Paiva exerceu mandato, a convocar o general reformado pela via de comissão parlamentar.
Até então, a presença de Paiva nas masmorras do DOI fora reconhecida pelo ex-tenente médico Amilcar Lobo (já falecido). Ele disse que deu assistência a um “desaparecido político”, a quem viu “moribundo, uma equimose só e roxo da raiz dos cabelos às pontas dos pés”, numa cela do DOI. Em depoimento recente à Comissão Estadual da Verdade e ao Ministério Público Federal, que também investigam o caso, o então major Raimundo Ronaldo Campos admitiu ter montado, por ordens superiores, uma farsa para forjar a fuga de Paiva. Com a ajuda dos irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, ele atirou na lataria de um Fusca e o incendiou no Alto da Boa Vista, no Rio.
Fonte: O Globo