Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, Denise Motta Dau, secretária nacional de Relações de Trabalho da CUT fala sobre o tema que é um dos eixos centrais da 6ª Marcha da Classe Trabalhadora. Confira abaixo:
Qual a situação dos projetos sobre terceirização que tramitam no Congresso?
Hoje tramitam na Câmara o PL 4302/1998 de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e o PL 4330/04 de Sandro Mabel (PL-GO). Ambos os projetos alteram negativamente as relações de trabalho no Brasil, pois não apontam para a democratização e muito menos para a melhoria dessas relações. O Projeto de FHC prevê a ampliação da terceirização para o setor público, libera a terceirização na atividade fim da empresa, não garante direitos iguais entre os trabalhadores terceirizados e os trabalhadores contratados diretamente pela empresa e ainda amplia o prazo do trabalho temporário no Brasil para até um ano. O projeto de Mabel segue a mesma linha do PL de FHC, só que em vez de trabalho temporário, propõe a regulamentação das relações contratuais que envolvem a terceirização, isentando empregadores de qualquer responsabilidade com os direitos dos trabalhadores.
Em 2003, a pedido das centrais, o presidente Lula encaminhou uma mensagem ao Congresso solicitando a retirada do PL 4302 de FHC, mas, infelizmente, a mensagem não foi votada. Ao contrário, o projeto avançou e já foi aprovado em duas comissões e periga ser encaminhado ao plenário da Câmara para votação.
Como tem sido a atuação da CUT no debate sobre terceirização, no que diz respeito à tramitação dos projetos e em relação a propostas da Central?
Nossa prioridade, tanto da CUT quanto das demais centrais, é a retirada PL 4302 de FHC, para que com tranqüilidade possamos trabalhar com duas alternativas, simultaneamente. Uma, para que seja possível negociar com os parlamentares uma regulamentação para a terceirização no Brasil, sem a ameaça de que a ‘bomba’ de FHC possa ser aprovada. A outra é concluir os trabalhos do Grupo de Trabalho sobre terceirização, instalado pelo Ministério do Trabalho, que está com a tarefa de tentar construir algo alternativo. Em outras palavras, se não for um projeto com a visão integral dos trabalhadores, também não pode ser um projeto com a visão integral do empresariado.
Para a CUT, um projeto que trate da regulamentação da terceirização deve ter como eixo principal a igualdade de direitos. Além disso, a responsabilização solidária, que do ponto de vista legal faz muita diferença para os trabalhadores, e a proibição da terceirização na atividade fim – são alguns dos pontos importantes de um projeto se contraponha ao PL de Sandro Mabel. Portanto, para nós da CUT, o PL 1621/07, que construímos junto com o deputado Vicentinho (PT-SP), é o projeto ideal, pois faz frente a todos os projetos que tentam regulamentar a terceirização por meio da liberação e não da coibição, como prevê nosso projeto.
Em que situação se encontra o projeto na Câmara?
No dia 30 de setembro fizemos uma audiência pública sobre o PL 1621, na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados (CDEIC) e estamos aguardando parecer do deputado Guimarães (PT-CE), relator do projeto. Esperamos por um parecer favorável e que este parecer seja aprovado na Comissão para que o PL tramite e avance.
Podemos dizer que a terceirização está presente em todos os setores?
Hoje a terceirização está em todos os setores da economia inclusive nos serviços públicos como uma forma bastante perversa, que se apresenta não apenas como forma de contratação de trabalhadores terceirizados, mas como um processo de terceirização da gestão pública, já que o trabalho é repassado para entidades de direito privado.
Esse tema tem sido pautado nas negociações de acordos coletivos?
Justamente pelo tamanho que a terceirização adquiriu no Brasil, vários setores da CUT têm colocado nas mesas de negociação a busca de um acordo coletivo que de fato venha a regrar a terceirização. Além disso, um dos eixos da campanha da CUT de combate à terceirização é a representação dos trabalhadores terceirizados e a negociação coletiva. Uma série de setores da CUT tem tentado negociações, sejam nacionais por meio de nossos ramos e federações, sejam os próprios sindicatos em seu cotidiano. Podemos citar como exemplos os vigilantes, o ramo financeiro, os metalúrgicos e recentemente a FUP, que colocou cláusulas na mesa de negociação, durante a construção e negociação do acordo coletivo, visando a igualdade dos trabalhadores terceirizados para com os trabalhadores contratados diretamente pela Petrobrás.
Quais são os trabalhadores mais afetados pela terceirização?
Na verdade a terceirização afeta a todos. Trata-se de uma questão que diz respeito ao conjunto da classe trabalhadora, pois não afeta somente o trabalhador terceirizado ou a qualidade dos serviços, ela afeta também o trabalhador contratado diretamente pela empresa porque, ao longo do tempo, a tendência da empresa é ampliar a contratação de terceirizados, reduzir a contratação de trabalhadores diretamente contratados e rebaixar os direitos dos mesmos.
A terceirização hoje é um fenômeno irreversível?
Não, ela pode ser reversível se tivermos uma regulamentação que de fato coíba a terceirização e coloque critérios para o que pode ou não ser terceirizado e como pode ser. Hoje no Brasil a terceirização está instalada de uma forma muito ampla e esta grande incidência é fruto de um escamoteamento, de uma ‘maquiagem’ nas relações de trabalho, onde as empresas contratam de forma terceirizada trabalhos que não são especializados, que não são temporários, o que não justifica, portanto, a terceirização na maioria dos casos. Reverter este processo é possível se a contratação por parte das empresas se limitar ao que é o trabalho de fato especializado, temporário, dentro de suas demandas de produção ou setor que ofereça serviços.
Esta regulamentação deve prever qual é a característica do trabalho – específica, diferenciada – que pode ser terceirizada e em que áreas pode ser utilizada. Para a CUT, conforme expressado em diversos de nossos materiais e no próprio PL 1621 que elaboramos com o deputado Vicentinho, a terceirização não pode estar, por exemplo, na área fim, ou seja, na área principal que justifique a razão social de uma empresa.
O combate à terceirização está na pauta da 6ª Marcha da Classe Trabalhadora, cujos eixos dialogam diretamente com o desenvolvimento que queremos para o país. Podemos concluir que a terceirização vai à contramão do desenvolvimento?
Sem dúvidas, pois um país que está crescendo bastante como o nosso, que está no centro do mundo no debate sobre desenvolvimento, para que tenha um projeto de desenvolvimento sustentável, ético, soberano, terá que olhar para o mundo do trabalho e hoje a terceirização é um dos principais fatores de precarização das relações de trabalho.
Esse conjunto de fatores que precarizam as relações de trabalho no Brasil levou a CUT e as centrais a destacarem o combate à terceirização como um dos eixos da 6ª Marcha, ao lado de bandeiras que dialogam com debate que temos feito sobre desenvolvimento, sobre qual projeto de desenvolvimento queremos para o nosso país, o que inclui – o papel do estado, a distribuição de renda e a valorização do trabalho, e a democratização das relações de trabalho.
Podemos dizer que o tema da terceirização também está presente, direta ou indiretamente, nos debates de todos os temas de pauta que levamos à 6ª Marcha. Para resumir, a gente não quer só mais empregos, a gente quer mais e melhores empregos.