Governo reduz ainda mais a verba do IBGE para ano que vem
O governo voltou a reduzir a previsão de verba para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano que vem, o que pode levar ao cancelamento do Censo 2020, segundo alertou a presidenta da instituição, Susana Guerra, em ofício enviado ao ministro da Economia Paulo Guedes.
Para realizar um censo com abrangência similar aos anteriores, o IBGE precisava de R$ 3,4 bilhões. No começo do ano, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o governo iniciou uma série de ataques às instituições de pesquisa e de produção de conhecimento. Uma das vítimas foi o IBGE, que teve o orçamento do Censo 2020 reduzido para R$ 2,3 bilhões.
Com esse primeiro corte, o instituto foi obrigado a retirar uma série de questões da pesquisa, entre elas dados sobre renda familiar, posse de bens. migrações internas e valor de aluguéis. Agora, a previsão de recursos baixou para R$ 2 bi, o que levou Susana a afirmar, no ofício, que todo processo “fica claramente inviabilizado”
A presidente anterior do IBGE, Wasmalia Bivar, concorda: “Esse corte do questionário é insuficiente para a dimensão do corte [orçamentário] que está sendo feito, e o que nós tememos é a não realização do Censo ou a realização de uma contagem populacional, que está longe de ser um censo”, afirma.
Todos pelo Censo
Os cortes de questões e de verbas geraram reações adversas do quadro técnico do instituto. Com a campanha Todos pelo Censo, os servidores buscam sensibilizar a população e o poder público a respeito da importância das informações fornecidas pelo IBGE e sobre os impactos negativos gerados pelas medidas do governo.
Luanda Botelho, coordenadora da Associação dos Servidores do IBGE, explica que a perda das informações sobre migração e movimentação interna, por exemplo, terá impacto sobre o repasse de verbas aos municípios pelos próximos dez anos, pois elas seriam usadas para prever a variação populacional entre os sensos (2020 e 2030) e assim calcular a fatia recebida por essas cidades através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
“Você está falando da distribuição de recursos pelo país na próxima década. Para municípios menores, em que o impacto da diferença populacional pode ser maior, significa um impacto na política, na economia, na vida de cada cidadão”, afirma ela.
Em um documento distribuído a parlamentares, o Todos pelo Censo lista vários problemas que serão causados com o corte de perguntas. A ausência de questões sobre o aluguel, por exemplo, “inviabiliza a aferição do déficit habitacional”.
Da mesma forma, lembra o texto, quando não se pergunta sobre a posse de automóveis, motocicletas e geladeiras fica impossível “caracterizar as condições de vida, em especial para aferição de pobreza”, além de dificultar o acesso a informações sobre “alimentação, transporte e tarefas domésticas”.
Ataques
Wasmalia Bivar, que presidiu o instituto entre 2011 e 2016, diz que durante a gestão da presidenta Dilma Rousseff (PT) não havia ingerência política sobre o órgão: “De jeito algum. Não teve um gestor do IBGE que não tenha passado por situações em que o dinheiro não era o que nós gostaríamos. Tinha, sim, críticas ao IBGE, mas nunca ninguém se sentiu ameaçado”, relembra ela.
Ela cita ataques a outros órgãos federais de pesquisa – como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – e argumenta que o principal usuário dos dados fornecidos pelo IBGE é o próprio governo.
“No mundo, hoje, só se faz política baseado em evidências. É preciso que se diga o que se quer mudar, quem vai atingir, quanto vai custa. Mas o papel do conhecimento e da informação está colocado em xeque com um governo que demonstra não estar interessado nas questões sociais e que recorrentemente despreza o que existe de conhecimento e informação”.
Da mesma forma, Luanda Botelho acredita que os cortes no questionário e na verba não são fruto apenas da restrição orçamentária:
“Recentemente, o governo questionou os dados de pesquisa de drogas da Fiocruz. Vem questionando os dados sobre desemprego [produzidos pelo] IBGE. As universidades têm sido alvo da restrição orçamentária. Nos parece que tem havido um ataque sistemático à produção de conhecimento no país”, completa ela.
Fonte: Brasil de Fato / Edição: João Paulo Soares