A Comissão Nacional da Verdade ouviu os relatos de 16 militares perseguidos pela ditadura em audiência pública realizada no último sábado (4) no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) com esta finalidade. Os militares ouvidos, em sua maioria, sofreram perseguições por terem sido fiéis ao governo de João Goulart e não terem aceito ordens dos golpistas. Muitos reclamaram que ainda não têm definição da situação de suas anistias e que ainda sofrem discriminações.
A audiência foi aberta com uma homenagem ao brigadeiro Rui Moreira Lima, herói da Segunda Guerra Mundial, que foi preso logo após o golpe, em 1964, por ser legalista e fiel ao presidente João Goulart. Ele tem 93 anos e se recupera de um AVC e, por isso, não pôde comparecer. No telão foi exibido vídeo narrado pelo brigadeiro em que ele recita a carta recebida de seu pai, o juiz Bento Moreira Lima, assim que ingressou na academia militar em Realengo. “O soldado não conspira contra as instituições as quais jurou fidelidade”, escreveu o pai ao filho, recomendação cumprida como um juramento pelo militar.
Após a homenagem, Rosa Cardoso, da CNV saudou os presentes: “Reescrever a história (da perseguição aos militares legalistas) não é somente buscar registros históricos, documentos, acervos, mas, principalmente, ouvir as vítimas, sobreviventes e familiares”, afirmou. Sobre a questão da anistia, ainda não completamente resolvida no tocante aos militares-vítimas da ditadura, Rosa disse: “essa luta, essa história, essa indignação ainda não é completamente conhecida por nossa sociedade e precisa ser. A sociedade tem que estar indignada ao lado de vocês”.
Em seguida, a CNV ouviu os depoimentos de seis militares da reserva, das três forças, Exército, Marinha e Aeronáutica, todos perseguidos pelo regime militar. Quatro deles atuaram no campo da resistência democrática, liderando movimentos de anistia aos militares perseguidos. Outros dois, além de atuarem no campo político também participaram de movimentos armados de resistência ao regime estabelecido em 1964.
O primeiro a falar foi o coronel Roberto Baere, aviador que denunciou a Operação Mosquito, trama para abater o avião em que estava João Goulart, em 1961. Em 1964, 9 dias após o golpe, foi preso. Após 50 dias preso incomunicável, foi cassado e impedido de pilotar aviões comerciais por meio de uma portaria secreta da Aeronáutica. Em 2002, 51 oficiais aviadores cassados ingressaram com pedido de reparação na Comissão de Anistia. Restam apenas 11 vivos.
O comandante Fernando de Santa Rosa, Capitão de Mar e Guerra reformado, foi preso em 6 de abril de 1964. Segundo ele, os militares que resistiram ao golpe civil-militar sofrem perseguições até hoje. O capitão do Exército reformado Eduardo Chuay foi preso e processado em 1964 e passou 120 dias incomunicável. Depois de processado e cassado, Chuay conta que teve dificuldades na vida civil. “A gente não conseguia emprego. Arrumava um e era demitido”, afirmou. Até hoje ele conta que não foi reintegrado e afirma: “eu não sei o que eu sou”.
O fuzileiro naval da reserva Paulo Novais Coutinho foi presidente da Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia (Umna). Em 1962, ele esteve no grupo de soldados da Marinha que formaram uma associação por não terem direito ao voto. Em 64, na Polícia da Marinha, ele estava no grupo de marinheiros que recebeu ordem para cercar o Sindicato dos Metalúrgicos, onde ocorria uma manifestação de marinheiros em apoio às reformas de base. O grupo em que estava depôs as armas e se colocou em vigília no sindicato com os colegas. Todos os militares que participaram desses eventos foram cassados, presos e levados para presídios comuns em abril de 1964.
Luiz Carlos de Souza Moreira, segundo-tenente reformado, foi preso e cassado. Dos 5 irmãos, todos militares, quatro foram cassados. “Constatamos e verificamos a presença do ranço autoritário até hoje nas instituições militares”, afirmou. “Os militares golpistas são beneficiados pela Lei de Anistia e nós até hoje estamos nesse grande contencioso”, afirmou. Em seguida falou o sargento reformado do Exército Daltro Jacques D´Ornelas, que integrou a guerrilha de Caparaó. “Os militares que deram o golpe disse que houve uma guerra civil. Se houve, então deveria ter sido aplicada a Convenção de Genebra, pois eles mataram e torturaram o inimigo desarmado”.
SEGUNDO BLOCO – Na parte da tarde, a audiência contou com o testemunho de Iracema Teixeira, exibido em vídeo. Esposa do Brigadeiro Francisco Teixeira, ela teve a casa incendiada e os filhos também presos. Ela liderou o movimento de mulheres pela anistia. Em seguida, 10 militares deram seus depoimentos.
Um dos testemunhos mais comoventes foi o de Luiz Claudio Monteiro da Silva, que contou ter sido preso, interrogado e torturado no Exército entre 1986 e 87, após o fim da ditadura, porque foi “flagrado” lendo um livro de Darcy Ribeiro. “Eu sou um sobrevivente, mas libertado eu não fui”, afirmou Silva, que até hoje sofre de dores no joelho e em uma das mãos por causa da tortura que sofreu.
A Ouvidoria da CNV esteve presente e realizou nove atendimentos, sendo cinco pedidos de tomada de depoimento em separado e três pedidos de investigação referentes ao caso dos bombeiros militares de Nilópolis. Um cidadão entregou documentos à CNV. A ouvidoria recebeu também três formulários de testemunho preenchidos. O evento contou com o apoio e a participação da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Imprensa, do filho do brigadeiro Rui Moreira Lima, Pedro Luiz Moreira Lima, que forneceu os dois vídeos exibidos no evento, do deputado estadual Paulo Ramos e do Instituto João Goulart.
Fonte: Comissão Nacional da Verdade