No dia de hoje a direção da Eletrobras protocolou no STF o pedido de mais um prazo (45 dias) para buscar na Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal da Advocacia-Geral da União (CCAF/AGU) um acordo que possa legitimar todas as ilegalidades que circundaram a privatização da Eletrobras.
Nos bastidores, apesar de toda confidencialidade dita pelas partes, começam a vazar para a imprensa e no próprio comunicado ao mercado da Eletrobras detalhes daquele que pode ser um dos episódios mais vergonhosos da história do Brasil.
Para entender isso, é importante lembrar que a privatização da Eletrobras aconteceu no auge da pandemia da COVID-19, quando a ordem do governo Bolsonaro era passar a boiada enquanto o foco da sociedade brasileira estava nas 5 mil mortes por dia, aproximadamente. Era também no Congresso o início do orçamento secreto, conhecido inicialmente como tratoraço.
Diferentemente das privatizações dos anos 90 quando um dono ou grupos de grandes acionistas compravam uma empresa em leilão, a privatização da Eletrobras trouxe um compêndio de cambalachos na sua essência. Primeiramente, foi feita por aumento de capital. Diluiu as ações do governo brasileiro sem que fossem compradas novas ações ou controle. Para piorar, estabeleceram regras que mesmo que o governo permanecesse com quase 45% da Eletrobras, poderia votar em assembleias de acionistas somente com 10% dos votos. Algo podre e inédito no capitalismo mundial.
Vários outros episódios circularam a podridão que foi a privatização da Eletrobras. Acordos de acionistas lesivos ao erário público, notória improbidade administrativa, jabutis das térmicas, do Proinfa. Um Ministro do TCU chegou a afirmar “se a Eletrobras fosse minha, eu jamais a venderia com essas contas”. Parece piada, mas não é.
Por tudo isso e muito mais que o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva chamou de forma firme e correta a privatização da Eletrobras de “escárnio”, “bandidagem”, “crime de lesa pátria” e alertou aos privatistas que acertariam as contas com o governo caso Lula fosse eleito.
Em maio de 2023, Lula e a Advocacia Geral da União entraram com a ADI 7385 no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de consertar a excrescência que é um acionista possuir 43% das ações de uma empresa e ter somente 10% de voto em uma Assembleia de acionistas.
Além do governo não ter poder de voto na assembleia, também não possui cadeiras no Conselho de Administração, no conselho fiscal, nos comitês estatutários e na diretoria executiva. É como se os acionistas minoritários 3G RADAR, LPAR Geração Futuro, SPX, Vinci Partners, Banco Clássico, Maliko, entre outros e com a conivência do governo Bolsonaro, tivessem sequestrado os poderes políticos do governo brasileiro, maior acionista da Eletrobras.
O direito de propriedade no Brasil foi aviltado por piratas. Criaram no Brasil com a privatização da Eletrobras uma classe de ações estéreis ou as ditas ações “nem/nem”. O governo Brasileiro possui 33% de ações da Eletrobras que nem são ordinárias porque não dão direito a voto, nem são ações preferenciais porque não dão preferência no recebimento de dividendos. É um autêntico sequestro de capital do governo brasileiro. Um eletrogolpe!
A certeza de que estamos lidando com uma ação criminosa como Lula denunciou se confirmou no parecer da Procuradoria Geral da República e se consolidou no movimento de Lula retirando as ações remanescentes da Eletrobras do Programa Nacional de Desestatização.
Por isso apoiamos firmemente ir até o fim na ADI 7385. Um acordo no STF não só legalizaria a “bandidagem” denunciada por Lula na privatização da Eletrobras. Pior! Geraria jurisprudência para golpes futuros de “capitalismo sem risco”. Onde piratas do capital, fundos abutre caçadores de dividendos usariam este modelo de privatização para mais uma vez sequestrar as ações do Estado sem colocar um centavo! E tudo para antecipar recebíveis, ter cadeiras no conselho que além de minoritárias podem ter as decisões revisadas em assembleia e para onerar o governo brasileiro sozinho com a construção de Angra 3. Isso só é bom para quem tomou a Eletrobras de assalto.
Como agravante, Lula se comprometeu em seu programa de governo, “retomar a Eletrobras para o povo brasileiro”. O acordo posto em mesa caminha no sentido oposto. Legitima a privatização ilegítima. Consolida os crimes cometidos no governo Bolsonaro.
Prejudica o patrimônio das ações do Brasil que estão esterilizadas. Legaliza as ações “nem/nem”. Esse acordo confirma que o crime compensa.
Mas por que o atual governo quer anistiar as barbaridades da privatização da Eletrobras? A quem eles querem proteger do festival de absurdos que foi a privatização mais nefasta da história do Brasil? O que o governo Lula ganha de fato anistiando o ilícito? E por que só na Eletrobras?
O que de fato nós esperamos do governo Lula não só como eletricitários, mas fundamentalmente como cidadãos brasileiros que elegemos um governo progressista, é justiça e reparação.
O Brasil não quer anistiar os crimes cometidos pelo governo Bolsonaro. É por isso que a Controladoria Geral da União investiga com firmeza a venda da refinaria RLAM (Petrobras) na Bahia. É nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal vai fundo no inquérito da rachadinha de Flávio Bolsonaro. É nessa lógica que a Polícia Federal apura milimetricamente o escândalo das jóias vendidas por Bolsonaro. É por isso que o 08 de Janeiro teve suas consequências.
O que nós esperamos do Governo Lula sobre a privatização da Eletrobras é uma profunda investigação de agentes públicos e privados que aproveitaram o desvio de foco do auge da pandemia da COVID-19 para cometerem os maiores absurdos na privatização mais entreguista da história do Brasil. São muitas evidências de dano ao erário e de improbidade administrativa. Entregamos absolutamente tudo à Advocacia Geral da União. Agora basta vontade política para estar do lado certo da história.
É comum que muitos advogados digam que é melhor um médio acordo que um grande conflito. Mas ora, se temos tantos escândalos que circundam a privatização da Eletrobras, queremos ir até o fim. Que os Ministros do Supremo julguem. Temos argumentos fortes e precisamos focar no ponto fraco da privatização: a “bandidagem”, o “crime”, o limite da ilegalidade e da improbidade. Se perdermos essa oportunidade, cometeremos um erro histórico e provavelmente irreversível.
Nós não nos calaremos diante deste absurdo! Quem viver, verá!
Fonte: Boletim CNE 31/07
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil