Ciência e tecnologia estão em risco com o corte de investimentos públicos. A produção científica e tecnológica é fundamental para o avanço da sociedade, para formular políticas de mobilidade urbana, de agronomia, agroecologia, saúde, educação e em todos os campos para o desenvolvimento econômico e social. Nesta entrevista à Fisenge, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader fala sobre os prejuízos sociais e os riscos que o país enfrenta num patamar internacional.
Por Camila Marins
O orçamento para ciência e tecnologia é um dos mais baixos. Com a aprovação da PEC 55, quais serão as consequências?
As consequências serão desastrosas, e com um agravante: a PEC 55 coincide com o momento em que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) está em um patamar baixíssimo. O orçamento do MCTIC previsto no Projeto de Lei Orçamentária para 2017 é de R$ 5,2 bilhões, o que significa praticamente a metade do orçamento de 2014 em valores corrigidos: R$10 bilhões. Mais uma comparação: o orçamento executado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia em 2004, em valores corrigidos pelo IPCA, foi de R$ 5,8 bilhões. Ou seja, vamos voltar a um orçamento de 13 anos atrás. Seria a mesma coisa que dizer para um chefe de família que ganha hoje R$5 mil que, a partir do ano que vem, ele terá que se virar com um salário de R$2.500,00. Reconhecemos, obviamente, que o governo precisa fazer o ajuste fiscal, mas não concordamos com limitações tão severas para educação, ciência, tecnologia e inovação. O governo federal está cometendo o equívoco que considerar educação e C,T&I como despesas, e não como investimentos. Dessa maneira, estaremos longe dos países desenvolvidos que investem cada vez mais nessas áreas. Veja que a China, diante da crise econômica que enfrenta, decidiu em março deste ano que ciência é a plataforma para alavancar a economia do país. A China hoje investe 2,1% do PIB em C,T&I e pretende chegar a 2,5%.
Qual a importância do investimento em ciência brasileira?
Até um tempo atrás, a geração de produtos primários em abundância até que podia sustentar a economia de um país. Hoje, porém, a principal fonte de sustentação de uma economia está no desenvolvimento e na aplicação do conhecimento científico e tecnológico. O mundo vive hoje a economia do conhecimento. Ao lado de um sistema educacional eficiente e universal, o traço que caracteriza os países desenvolvidos, com economia moderna, é a existência de um sistema dinâmico e robusto de geração de ciência, tecnologia e inovação. E não estamos falando aqui somente de países tradicionalmente desenvolvidos, como, por exemplo, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, mas também de países que despontaram recentemente na economia mundial, como Cingapura, Coreia do Norte e Finlândia. Mesmo a geração de produtos primários exige, hoje, a participação intensa da ciência e da tecnologia. Temos o exemplo disso aqui mesmo no Brasil. Há trinta anos, importávamos alimentos; hoje, somos um dos maiores produtores e exportadores mundiais. Qual foi causa dessa mudança excepcional? O trabalho de pesquisa realizado pela Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e de nossas faculdades de agronomia, zootecnia e veterinária. A importância do investimento em ciência é que ciência hoje significa desenvolvimento econômico e social; significa produção de riqueza, ou seja, lucro para as empresas, salário para os trabalhadores e impostos para o governo; significa promover a qualidade de vida das pessoas. Ao limitar bruscamente os investimentos em ciência, a PEC 55 estará jogando o Brasil para o retrocesso econômico e social.
Corremos o risco de perda da soberania em produção de conhecimento?
Certamente, vamos caminhar para trás uns pares de anos. Números do SCImago Journal & Country Rank – reconhecidos universalmente – mostram que em 1996 os pesquisadores brasileiros publicaram nas principais revistas científicas do mundo 8.784 artigos, número que dava ao Brasil a 21ª posição no ranking mundial da produção científica. Em 2015, publicamos 61.122 artigos e subimos para a 13ª posição global. Nossa produção científica se multiplicou por sete nesses 20 anos, enquanto a produção científica mundial cresceu 2,8 vezes. Dentre os BRICS, o crescimento da produção cientifica da China corresponde à ousadia do país: 14,5 vezes mais ciência entre 1996 e 2015. Na comparação com os demais, o Brasil ficou acima: a produção da Índia cresceu 5,9 vezes; a da África do Sul, 4,0; e da Rússia, 1,8. Quase empatamos com a Coreia do Sul, que multiplicou por 7,2 sua produção de ciência no mesmo período. Para comparar com outras economias emergentes: o México cresceu 4 vezes; a Austrália, 3,5; e o Canadá, 2,1. Esses números mostram que o Brasil aumentou bastante sua participação na ciência mundial. É esse patrimônio de valor imensurável que a PEC 55 vai colocar ladeira abaixo.
Quais as consequências para as pesquisas sobre zika vírus?
Não temos informações precisas sobre as pesquisas com o zika vírus, mas queremos crer que o governo federal manterá os investimentos anunciados. No entanto, não podemos ficar felizes pelo fato de as pesquisas com o zika vírus estarem asseguradas. E as demais doenças, que também estão sendo objeto de pesquisas, mas terão seus orçamentos extintos? É isso que o governo quer: vamos nos salvar do zika, mas continuar morrendo de malária? E os novos dados que mostram a gravidade da chikungunya? E o câncer e outras doenças degenerativas, também vamos abandonar? Continuaremos comprando pacotes do exterior para os tratamentos mais modernos dessas doenças que envolvem biofármacos, como anticorpos monoclonais?
De que forma os profissionais da ciência serão afetados?
Estamos sendo afetados, primeiramente, na nossa dignidade. Ao limitar os investimentos em ciência, as palavras com que estão escritas a PEC 55 significam algo como “senhores e senhoras cientistas, fiquem aí quietinhos durante vinte anos porque o governo acha que nesse período vocês não serão importantes para o país”. Seremos impedidos de trabalhar com um mínimo de condições. Com certeza, seremos olhados com comiseração e pena pelos cientistas de todo o mundo, inclusive de países mais pobres que o Brasil, porém providos de um senso de futuro que nossos governantes no plano federal estão mostrando não ter.
Crédito foto: Jardel Rodrigues/SBPC