Uma decisão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) estabeleceu que o I Juizado da Violência Doméstica e Familiar não tem competência para julgar uma denúncia de agressão feita pela atriz Luana Piovani contra o ex-namorado Dado Dolabella. Segundo relato do desembargador Sidney Rosa da Silva, Luana “não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade” e não convivia “em relação de afetividade estável” com Dado. Esta deliberação contraria uma conquista histórica: a Lei Maria da Penha, que protege mulheres de violência doméstica e prevê punição ao agressor. De acordo com a advogada, coordenadora executiva da Cepia e integrante do Comitê de Peritas da OEA, Leila Linhares Barsted esta decisão caracteriza uma clara violência institucional às mulheres. “Existe um padrão de dominação masculina e de moralidade conservadora sobre a mulher na sociedade. Há um entendimento machista na decisão, porque, na prática, significa a não aceitação de uma mulher com sexualidade livre”, afirmou.
Leila lembrou o caso de Eliza Samúdio. Em 2009, a juíza Ana Paula Delduque Migueis Laviola de Freitas negou o pedido de proteção, argumentando que Eliza não tinha relacionamento íntimo com o goleiro, e que a moça estava a “tentar punir o agressor” (Bruno Fernandes), “sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha”.
Dados do Mapa da Violência Contra a Mulher apontam que, nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010, foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país. Em 2013, a Lei Maria da Penha completa sete anos de vigência. “A violência contra a mulher é um problema social e no Brasil é crime. A Lei Maria da Penha cumpre um papel pedagógico responsabilizando o agressor pela violência”, explicou a diretora do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo. Uma pesquisa do Data Senado registra que a Lei Maria da Penha é conhecida por 99% das brasileiras. Também a maioria – 66% – se sente mais protegida desde a sanção da Lei. Entre as mais jovens, esse índice chega aos 71%.
“Participamos ativamente da construção da Lei Maria da Penha e, hoje, a monitoramos. A lei foi pensada para todas as mulheres, independentemente de classe social, raça, conforme explicita o artigo 2º. As mulheres sofrem violência em todos os cantos, é uma questão de machismo, e não de recorte de classe”, enfatizou a integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Rogéria Peixinho. A socióloga e coordenadora da ONG Cépia, Jacqueline Pitanguy acredita que a interpretação foi moralista e subjetiva, uma vez que decidem quem é vulnerável. “Que conceito é esse de vulnerabilidade? Quer dizer que mulheres engenheiras, médicas, profissionais liberais com independência financeira não são vulneráveis? É lamentável uma postura dessas, ainda mais quando temos avançado e muito na luta das mulheres”, declarou.
O Ministério Público do Estado já recorreu da decisão no dia 9 de julho.