Carlos Careqa: “Curitiba é vanguarda e não uma República”

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

“Mas a vida anda louca. As pessoas andam tristes. Meus amigos são amigos de ninguém. Sabe o que eu mais quero agora, meu amor? Morar no interior do meu interior, pra entender porque se agridem, se empurram pro abismo, se debatem, se combatem sem saber”, ensaiou o cantor e compositor Carlos Careqa, durante a passagem de som, no segundo dia (6/8) do Circo da Democracia, em Curitiba (PR). O trecho faz parte da canção do compositor e cantor Vander Lee, que faleceu no dia anterior (5/8). Aplaudido pela plateia, Carlos Careqa alertou: “Calma, gente. Essa é uma passagem de som. Daqui a pouco, eu volto”. Assim foi a performance. Agora de paletó, Careqa sobe ao palco e repete a música “Onde Deus possa me levar”, de Vander Lee.

Seguiu o repertório emocionando e animando a plateia. Entre um verso e outro, surgia o “Fora, Temer” adaptado às rimas, acompanhado de pronto e em coro pela plateia. “Gente não precisa ser sempre original, ser igual é legal. “‘Fora, Temer'”, puxou o cantor, numa de suas canções mais populares, composta em parceria com Adriano Sátiro.

Curitiba de Careqa

Entre acordes, sustenido e bemol, Careqa afirma: “Curitiba é vanguarda e não uma República. Lembro do professor Marés [Carlos Frederico Marés de Souza Filho, um dos entusiastas do Circo], e reafirmo que Curitiba é das mulheres, é LGBT, é dos professores violentados em praça pública. Morei 25 anos nessa cidade e temos uma cena cultural muito forte”. O meio curitibano é prova viva de que a cidade não é “apenas a direita reacionária que está aparecendo”, como disse ao público.

Careqa entoa sua vivência em Curitiba na canção “Não dê pipoca aos turistas”, que transita entre ruas e afetos: “Eu gosto de cu.. ritiba. Eu quero ir fundo, no meio do mundo. Aqui é o lugar. A noite é fria, mas coração é quente. Eu quero ir fundo, eu quero ver gente. Tomar um choppinho na praça Tiradentes e deixar pendurado na mão do gerente”.

Cultura para o diálogo

Questionado sobre o clima de intolerância e as narrativas de ódio na sociedade, especificamente sobre o caso de agressão à atriz Letícia Sabatella, Careqa acredita que se as pessoas refletirem vão compreender que exageraram nesse ataque à Letícia. “A cultura tem esse papel. As pessoas olham para cultura e acham que é apenas show e espetáculo, mas cultura é tudo, desde o cafezinho na esquina até o pudim que você come na sobremesa”.

O cantor defende a cultura como a capacidade de interpretar a realidade: “É você ler um livro, é entender o que está acontecendo no mundo atual. É ler um jornal e perceber que a manchete foi manipulada e não é a realidade. Dizer que cultura é instrumento de vagabundo, de gente que não tem o que fazer, é mentira. Tudo o que a gente pede nesse momento é o diálogo”, destacou.

Apesar de colocar os 20 anos de democracia entre aspas, pelas inúmeras fragilidades em ver a plenitude da palavra na prática, garante que não há outro caminho. “É importante as pessoas saberem que os erros que acontecem tanto numa democracia poderiam ser muito piores numa ditadura”.

Circo itinerante?

Dos tempos em que viveu em Curitiba, Careqa tem memória do Circo da Constituinte, montado durante sete meses também na Praça Santos Andrade, em 1987. Sobre o futuro, faz uma provocação: “O Circo da Democracia precisa ser itinerante e viajar todo o Brasil”.

Ainda, no meio de seu show, Careqa canta a música “Acho/Agora”: “Um som que move. Outro comove. Agora acho que fiz uma música e meia pra você”. E nós, mulheres jornalistas, achamos que fizemos meio texto para mover e comover.

Texto: Camila Marins (Fisenge) e Ednubia Ghisi (Brasil de Fato)
Foto: Léo Freitas
Curitiba (PR) , 07 de Agosto de 2016