Brasil corre risco de retornar ao mapa da fome

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por Camila Marins

Antônio Cruz/Agência Brasil

A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) divulga o Mapa da Fome no mundo, indicando em quais países há parte significativa da população ingerindo uma quantidade diária de calorias inferior ao recomendado. Para sair do mapa, o país deve ter menos de 5% da população ingerindo menos calorias do que o recomendado. Estão acima desse percentual, por exemplo, a Namíbia, com 42,3% da população nessa situação, a Bolívia, com 15,9%, a Índia, com 15,2%, e a Colômbia, com 8,8%. Um relatório elaborado por cerca de 20 entidades da sociedade civil e apresentado em julho de 2017, sobre o desempenho do Brasil no cumprimento dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, anuncia que há risco de o país voltar ao próximo Mapa da Fome. Nesta entrevista, o agrônomo e consultor da FAO no Brasil, Valter Bianchini, traz uma trajetória da agricultura familiar no Brasil e também sobre a importância de incentivos à pesquisa.

Você pode comentar a trajetória da agricultura familiar dos últimos anos?

Nas duas últimas décadas, o Brasil apresentou um conjunto de Programas para o fortalecimento da Agricultura Familiar. Entre eles, podemos destacar o Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar) que, de 1995 a 2018, realizou mais de 30 milhões de contratos e aplicou mais de 220 bilhões de reais, constituindo-se num dos maiores programas de crédito no mundo, em apoio à agricul- tura familiar. Dois outros programas foram importantes para o Brasil Fome Zero: o Programa de Compras da Agricultura Familiar (PAA), com doação simultânea à população pobre em situação de subnutrição, e o Programa de Alimentação Escolar (PNAE) que passou a comprar produtos da agricultura familiar para a merenda escolar. Foram criados programas como o Seguro Rural, que ampara a dívida de crédito do agricultor e parte de sua renda em caso de perda por intempérie climática.

A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) foi transferida do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) com um orçamento próprio para atender a agricultura familiar. A pesquisa da Embrapa e Instituições Estaduais também foi fortalecida. Para os agricultores familiares situados abaixo da linha de pobreza foram fomentados créditos subsidiados como o Microcrédito Rural do Agroamigo no Semiárido, programas de transferência de renda como o Bolsa Família e os benefícios de previdência.

Todos estes programas fortaleceram parte importante da agricultura familiar que responde por 75% da mão de obra ocupada no campo e que ampliou a oferta de alimentos e reduziu o preço da cesta básica pela metade.

Há alguns anos, a agricultura familiar era responsável por 70% da produção de alimentos no Brasil. Como está a evolução deste dado hoje?

A agricultura familiar continua respondendo pela maior parte dos alimentos que chegam na mesa do consumidor. No PIB do agronegócio, que é a somatória das riquezas produzidas em toda a cadeia agroalimentar, mais de um terço vem da agricultura familiar, que está mais concentrada na produção de leite, carnes de aves, ovinocaprinocultura e suinocultura e nos hortifrutigranjeiros, e ainda na mandioca e no feijão.

Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome e hoje corre o risco de retornar a este quadro. Por quê?

Podemos destacar o aumento do desemprego, a desestruturação de muitas políticas públicas, entre elas o PAA e o Bolsa Família.

Como a ATER se tornou uma política pública e qual a sua importância?

Em 2003, uma importante medida foi tomada, a transferência da Política Nacional de ATER para o Ministério de Desenvolvimento Agrário na Secretaria de Agricultura Familiar. A partir daí se reestruturou esta política desativada desde a extinção da Embrater nos anos 90. Com um orçamento crescente que chegou a R$800 milhões em 2013/2014, em parceria com os estados (Ematers) e as ONGs, cresceu o número de extensionistas e do público assistido pela ATER. Foi criada a ANATER, uma agência para articular todo o sistema nacional de ATER. Apesar da crise orçamentária nos dois últimos anos que reduziu muito o orçamento, a política de ATER é uma realidade. Estima-se que mais de 15.000 extensionistas fazem parte da rede de ATER pública no Brasil.

Em que medida o incentivo à pesquisa brasileira pode apoiar as políticas no campo?

A rede de pesquisa liderada pela Embrapa em 47 unidades de pesquisa em todo o país, mais 17 OEPAS (unidades estaduais de pesquisa) nos estados, formam uma rede de pesquisa que disponibiliza um imenso repositório de tecnologia, que, quando apropriado pelos agricultores, se transforma em inovação, aumento da produtividade e a renda destas unidade de produção. O incentivo à pesquisa e à ATER garante a inclusão socioprodutiva dos mais pobres e a manutenção dos demais agricultores familiares.

Quais deveriam ser as prioridades em uma agenda positiva para a engenharia, a agronomia, a ciência e a tecnologia nacional?

Reestabelecer as políticas estruturantes de apoio à agricultura familiar, garantir o orçamento da pesquisa agropecuária com prioridade à agricultura familiar e segurança alimentar, afiançar para a ANATER um orçamento de R$ 1 bilhão, assumido todo o custeio das Ematers no Brasil (R$500 milhões) e outros R$ 500 milhões para apoiar a ATER pública não governamental e apoiar a educação do campo, um Programa Nacional de Sementes, um Programa de Reforma Agrária e de Regularização Fundiária e um Programa Nacional de Sementes Crioulas e ou Varietais.