Criado com o objetivo de gerar emprego e renda entre os agricultores familiares, o programa de biodiesel mudou a rotina de parte dos trabalhadores rurais em algumas regiões. No Norte, com o plantio do dendê, e no Nordeste, com o cultivo da mamona, os agricultores já vislumbram dias melhores.
O aumento da produção de biodiesel no Brasil oferece ao país a possibilidade de diminuir suas importações de diesel convencional, além de apresentar para todo o mundo uma alternativa energética ambientalmente sustentável à utilização dos combustíveis fósseis, que são extremamente poluentes e um dos principais causadores do aquecimento global. Mas, além de explorar esse potencial econômico e ecológico do novo combustível, o programa de biodiesel lançado pelo governo federal tem um objetivo social. Ele almeja inserir a agricultura familiar numa cadeia produtiva que permita melhorar a geração de emprego e renda no campo e a qualidade de vida dos agricultores familiares, que são responsáveis por 13% do PIB brasileiro.
Lançado oficialmente em dezembro de 2004, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) é hoje um dos principais programas do governo federal para promover essa inclusão social no Brasil. Em 2005, foi aprovada pelo Congresso Nacional a lei que estabelece um cronograma de execução para o programa e também os percentuais mínimos obrigatórios de mistura de biodiesel ao diesel convencional. De acordo com essa lei, desde janeiro de 2008 a mistura de 2% de biodiesel ao óleo convencional, nomeada B2, é obrigatória em todo o país, o que representou a criação de um mercado estimado em cerca de 840 milhões de litros de biodiesel por ano. A previsão inicial do governo era que em 2013 o percentual de mistura chegasse a 5% (B5), mas o avanço da nova cadeia produtiva já fez com que essa meta fosse antecipada para 2010.
Para garantir a inserção da agricultura familiar tradicional e também dos assentamentos da reforma agrária na cadeia produtiva do biodiesel, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) adotou algumas políticas de incentivo. A principal delas foi a criação do Selo Combustível Social, mecanismo que estimula as empresas produtoras de biodiesel a comprarem parte da matéria-prima necessária à produção do novo combustível diretamente dos agricultores familiares.
As empresas que obtém o Selo Combustível Social conquistam o direito à redução de impostos como o PIS/Pasep e o Cofins. Em troca, se comprometem a comprar junto à agricultura familiar um percentual de suas matérias-primas, que varia de acordo com a região do país. No Nordeste e na região do Semi-Árido, o percentual mínimo de compra é de 50%. Nas regiões Sul e no Sudeste é de 30%, enquanto no Norte e no Centro-Oeste é de 10%. As compras são realizadas através de leilões promovidos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), e a principal empresa compradora é a Petrobras.
Para negociar suas vendas com as empresas produtoras de biodiesel, os trabalhadores rurais devem se fazer representar por suas associações, federações ou sindicatos. Essa foi uma exigência criada pelo MDA com o intuito de incentivar o cooperativismo na agricultura familiar brasileira. O objetivo do PNPB é fazer uma transferência progressiva de tecnologia, a fim de possibilitar que as cooperativas de trabalhadores reúnam condições em pouco tempo de agregar valor à sua produção. Assim, o agricultor familiar deixará de ser um mero plantador de matéria-prima para, por exemplo, se tornar apto entregar às empresas produtoras de biodiesel o óleo bruto já extraído.
Outra medida de estímulo à participação dos agricultores familiares na cadeia do biodiesel é a possibilidade de acesso a um crédito complementar do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf) para garantir o custeio do cultivo das plantas oleaginosas necessárias para a produção do biodiesel. Mesmo que o agricultor já tenha obtido junto aos bancos algum crédito de custeio ou de investimento para seus cultivos alimentares, ele pode solicitar um segundo financiamento para a produção de culturas energéticas antes de concluir o pagamento do anterior. Essa política é também uma ferramenta para estimular a diversidade da agricultura familiar, já que o agricultor poderá continuar a plantar seu milho, seu feijão e suas hortaliças ao mesmo tempo em que cultivar as oleaginosas necessárias à produção de energia.
Para definir qual tipo de cultura melhor se adapta a cada região do Brasil, o governo, através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, realizou o zoneamento agrícola para a produção das oleaginosas em todo o país. Esse mapeamento permitiu a criação, até o fim de 2007, de 32 pólos de produção de biodiesel nas diversas regiões. Entre as principais espécies consideradas aptas a integrar a cadeia de produção, estão o dendê, a mamona, o girassol, a canola, o algodão e o amendoim, além da soja, que é hoje a principal oleaginosa cultivada no Brasil para atender à demanda do programa de biodiesel.
Dendê no Norte
Na Região Norte, a matéria-prima mais utilizada para a produção do biodiesel é a palma de dendê, que é considerada pelos técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a oleaginosa mais produtiva entre as disponíveis no país, e permite a extração de cinco toneladas de óleo bruto por ano. Além de seu componente social, com a possibilidade de considerável aumento de renda para o agricultor familiar nortista, a produção do dendê é incentivada pelo governo também como instrumento para inibir o desmatamento da Amazônia, já que, segundo o Código de Defesa Florestal, a palma pode ser plantada em áreas já degradadas.
O maior produtor de óleo de palma no Brasil é o Grupo Agropalma, que pertence a Aloísio Farias, antigo dono do Banco Real. Localizada no Pará, entre os municípios de Tailândia e Moju (a cerca de 200 quilômetros de Belém), a área de plantio da empresa tem impressionantes 33 mil hectares. Ao aderir ao Selo Combustível Social, a Agropalma fez um contrato de compra com os agricultores familiares da região. Foram criadas no entorno da empresa três unidades de cultivo familiar, cada uma composta por 50 famílias, para o cultivo da palma. Somadas, as três unidades tem cerca de 1,7 mil hectares, e os agricultores têm da Agropalma o compromisso de compra de toda a produção por um período de 25 anos a partir do início do plantio.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju, Manoel Libório dos Santos afirma que a chegada do PNPB foi um excelente negócio para o agricultor familiar da região: “Tínhamos uma preocupação inicial, pois o agricultor nativo estava acostumado a trabalhar com um tipo de cultura, sobretudo a mandioca, e precisava se habituar ao cultivo do dendê. Mas, o projeto está dando certo. Toda cultura tem seus riscos, mas podemos dizer que o dendê, que fica 25 anos produzindo, é muito mais compensador e uma maneira de o agricultor melhorar a própria vida. O agricultor tem acesso ao crédito, garantia de compra, a terra é dele, o dendê é dele”, diz.
Com sua alta produtividade, e pelo fato de ser uma planta perene, a palma de dendê é a matéria-prima do biodiesel que melhor atende às expectativas de aumento de renda do agricultor familiar, possibilitando um ganho médio anual líquido de 15 mil reais. Como a palma só começa a produzir seus grãos após dois ou três anos de plantio, os trabalhadores que fizeram acordo com a Agropalma, além do crédito do Pronaf, passaram a receber um auxílio da empresa durante esse tempo de espera.
Esse contrato já representa um aumento de renda para muitos agricultores. Raimundo Assunção de Souza, que planta palma de dendê há sete anos e há três ingressou no primeiro grupo de famílias que fez acordo com a Agropalma, se diz satisfeito com o projeto: “Eu achei um grande negócio. A gente, graças a Deus, se tranqüilizou muito mais no trabalho”, disse. Raimundo, que trabalha com seus filhos, possui 1.825 palmas de dendê plantadas, e espera, em breve, “conseguir comprar umas cabecinhas de vaca e produzir leite” com a renda adicional obtida com o dendê: “Já teve mês de colheita aqui em que ganhei até seis mil reais. Na mandioca, que é minha agricultura mesmo, eu não faço seis mil reais de jeito nenhum. Continuamos na nossa luta, mas o dendê veio para tranqüilizar”.
Mamona no Nordeste
No Nordeste, a melhor opção de cultivo de oleaginosa para a produção de biodiesel é a mamona. Apesar de não ser propícia à alimentação humana, a mamona pode ser plantada com culturas consorciadas como, por exemplo, o feijão, o que permite ao agricultor familiar nordestino continuar produzindo para sua subsistência ao mesmo tempo em que produz matéria-prima para a geração de energia.
A conhecida resistência da mamona a torna uma boa opção para o agricultor familiar nordestino. Ela é a oleaginosa com menor capacidade produtiva, mas, em compensação, permite uma primeira colheita em 150 dias, o que promete um rápido retorno financeiro. A renda líquida anual da mamona, de cerca de mil reais, é baixa se comparada a outras oleaginosas, mas, segundo o MDA, representa um acréscimo médio de 35% na renda do agricultor familiar da região.
À espera da mamona, que se encontra em estágio inicial de cultivo em larga escala para atender ao PNPB, a Petrobras está construindo nas proximidades da cidade de Quixadá, no belíssimo sertão do Ceará, uma unidade para produção de biodiesel. A construção da usina, por si só, trouxe um impacto econômico positivo para a região, já que gerou mil postos de trabalho. A obra tem conclusão prevista para o fim de 2008. Quando estiver operando em sua capacidade máxima, a nova unidade da Petrobras deverá processar 150 mil toneladas de biodiesel ao ano, fato que cria grande expectativa nos agricultores familiares que apostaram no cultivo da mamona.
“Um hectare de mamona produz em média mil e duzentos, mil e cem quilos. Este ano, com toda a certeza, nós vamos alcançar esse objetivo”, afirma o agricultor Francisco Silva Rodrigues, que saúda a chegada da nova unidade da Petrobras em Quixadá: “Essa fábrica que está sendo construída aqui na região é um impulso muito grande para a agricultura familiar, inclusive para as famílias de assentados, para que tenha uma produção maior”, disse. Rodrigues diz torcer para que os agricultores familiares alcancem a meta, estimada no PNPB, de plantar cem mil hectares de mamona da região: “É uma tarefa grande, e muita gente ainda está desconfiada. Mas, as coisas estão evoluindo. Nós estamos começando, né?”, conclui.
Fonte: Agência Carta Maior