Radicada em Berlim desde 2009, diretora que trabalhou com Augusto Boal veio ao Brasil para a comemoração dos 30 anos do Centro do Teatro do Oprimido (Foto: CTORio)
Por Marcello Corrêa, para O Globo
“Nasci no Rio de Janeiro. Fui professora do município e conheci o Teatro do Oprimido quando comecei a usar as metodologias em sala de aula, como estratégia. Moro em Berlim desde 2009 e lançarei um livro sobre minha experiência de 25 anos com o método.”
Conte algo que não sei.
Vou contar algo que eu também não sabia. A gente fez, há pouco, o 4º Encontro Latino-americano de Teatro do Oprimido, na Nicarágua. No evento de 2010, tínhamos alguns poucos participantes. Agora, foi uma grata surpresa: grupos do México, Equador, Colômbia, Bolívia. O mapa, antes vazio, estava cheio. Acho que tem uma urgência na América Latina.
Que tipo de problemas sociais merecem esse debate urgente?
A dependência do desenvolvimentismo que a gente tem é uma ideia dos anos 70. Aumentar produção, aumentar consumo. Esse caminho do desenvolvimentismo deixa um rastro de injustiça grande. Muitos desses grupos da América Latina são de quilombolas, indígenas, que são afetados fortemente por esse conceito. Racismo e injustiça social são temas presentes em muitos países aqui, mais que em outros lugares.
No ano passado, um dos temas tratados pelos grupos do Teatro do Oprimido foi a redução da maioridade penal, em alta nas nas redes sociais no Brasil. A discussão na internet alimenta o trabalho do grupo?
Com certeza. A gente consegue fazer as pessoas “linkarem” essas ideias, com performances como essa. Tem muita retroalimentação.
Mas as redes sociais ajudam nesse processo? Há quem diga que são “bolhas”, que mostram só opiniões parecidas com as nossas…
A desvantagem é a superficialidade. Você sabe de tudo, mas não sabe de nada profundamente. Mas também não funcionava antes só conversar com seus colegas, nem só ler o jornal, nem só assistir à TV. Mas, mesmo tendo essa superficialidade, existe o acesso, um volume maior de informação. Um dado se conecta a outro. Aumenta o interesse.
Quem são os oprimidos hoje? Os mesmos que há 30 anos?
Um oprimido continua sendo igualzinho: é a mulher. Sendo mulher negra, mais ainda. Por mais que se tenha alcançado alguns direitos, a desigualdade de salário, de oportunidade e a violência ainda estão presentes. O público com que a gente trabalha continua sendo a juventude, a população de favela, que seguem sendo oprimidos. A diferença agora é a gente está mais preparado para trabalhar com essas opressões interseccionais (ser mulher e negra e moradora de favela, por exemplo). Será que é a internet? Talvez sim. As pessoas têm mais noção e mais acesso para debater.
Como foi a criação do Teatro das Oprimidas, focado só para mulheres?
Em 2009, resolvemos fazer uma experiência de um laboratório só para mulheres, porque algumas discussões eram difíceis em grupos mistos. Tudo que tem a ver com sexualidade, medos, culpas, em grupo misto, fica nebuloso, porque a mulher logo sente que tem que se justificar. A experiência foi fascinante. Fizemos o primeiro em janeiro de 2010. As mulheres que participaram começaram a trabalhar com outros grupos, e foi se multiplicando. Fiz laboratórios na Europa, na Índia. Na América Latina foi impressionante.
Por que?
Acho que a única explicação é a necessidade. O que faz uma coisa avançar não é que seja original. O importante é que chegue na pessoa certa e as pessoas se apropriam disso.
Fonte: O Globo