Autonomia do Banco Central ameaça mecanismos de política econômica do governo eleito pela população

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O projeto de lei 19/2019 que estabelece a autonomia do Banco Central (BC) foi aprovado ontem (10/2), na Câmara dos Deputados, em regime de urgência. Em discussão há mais de 30 anos no Congresso, desde o mandato de Fernando Henrique Cardoso, o tema ressurge em um momento de pandemia global de COVID-19 e aprofundamento da pobreza e da desigualdade social e é alvo de críticas pela bancada de oposição ao governo federal. Isso porque a prioridade deveria ser a votação da continuidade do auxílio emergencial, dentre outras políticas sociais de amparo à população.

A principal mudança trazida pelo texto, que já foi aprovado pelo Senado, é o mandato fixo de quatro anos para o presidente e os diretores, que não deve coincidir com o mandato do presidente do país. Em nota técnica, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) alerta que ”é preciso observar que o Banco Central tem autonomia operacional, o que significa que a proposta aprovada representa, na verdade, o enfraquecimento dos mecanismos de política econômica à disposição do governo eleito pela população – seja ele qual for – para enfrentar os graves problemas do país relacionados à desigualdade, ao desemprego, à renda, ao poder de compra dos brasileiros e aos serviços públicos”.

Em todo o mundo, existe um aprofundamento da lógica de financeirização, privilegiando estes setores. O engenheiro e presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), Roberto Freire alerta para questões estruturais de funcionamento do Estado. “Sabemos que o Banco Central já estava rendido ao mercado financeiro. Agora, a pergunta central é: a quem o Estado serve? Certamente, aos donos de poder. É, portanto, uma mudança de estratégia de poder. E isso acontece em um momento que o Brasil não tem uma política nacional de imunização contra a COVID-19, não tem auxílio emergencial para os mais pobres e qualquer política de assistência social”, criticou Freire.

Dentre as mudanças também há o estabelecimento de que o mandato do presidente do BC terá início apenas no terceiro ano do mandato do presidente da República, o que fará com que, nos primeiros dois anos de um novo governo, a política monetária seja comandada por um Banco Central indicado pelo governo anterior. Também há a desvinculação do Ministério da Economia e o BC passa a ser uma autarquia de natureza especial. Além disso, o Presidente da República perde a prerrogativa de substituir os diretores e o presidente, exceto em situações especiais.

O sociólogo e professor, Clemente Ganz, avalia que o projeto legitimou a autonomia que já acontece na prática. “O que é nevrálgico é o descasamento do mandato do Banco Central com o mandato presidencial, que tira muito poder do presidente eleito influir na política econômica. Haverá uma condução da política monetária independentemente do governo. Na minha visão, um mandato fixo da diretoria deveria ser coincidente com o da presidência. Por outro lado, uma atribuição que melhora é a política de inflação para o centro da meta considerando a geração de emprego e crescimento”, avaliou.

Em seu pronunciamento na Câmara, a deputada Jandira Feghali afirmou: “O Brasil está com o povo morrendo de COVID-19 ou de fome e a Câmara vota a autonomia do Banco Central, como se esse assunto tivesse urgência para o povo brasileiro. Mas, na verdade, tem urgência para os bancos”.

A composição do Banco Central é de nove diretores, incluindo a presidência. “São eles que decidem a política de juros que a classe média paga assustadoramente do cartão de crédito ao cheque especial. Também interferem na política de inflação, cambial, reservas internacionais e na regulação do sistema financeiro nacional. Ficarão independentes do poder público e da regulação do Estado brasileiro sem qualquer ingerência ou fiscalização e sem garantia de prestação de contas ao Parlamento e ao Poder Executivo”, explicou a parlamentar.

O líder da Minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini, criticou a temporalidade da apreciação da proposta, uma vez que a Câmara não pode avaliar matérias desse teor enquanto durar a pandemia.  “É um absurdo tirar do Executivo uma prerrogativa econômica importante para entregar para o mercado financeiro. Diretor do Banco Central não pode querer definir política econômica, e muito menos a monetária”, disse.

Também em seu pronunciamento na Câmara, o deputado Glauber Braga alertou sobre o aprofundamento do programa de desmonte do Estado brasileiro. “O mercado financeiro já controla o Banco Central no governo de Jair Bolsonaro. Querem impedir que, no futuro, haja modificação desse cenário e não podemos aceitar. A soberania popular tem o direito de defender uma modificação estrutural na orientação econômica brasileira”, pontuou.

Além disso, os parlamentares da oposição criticaram o autoritarismo no cumprimento de ritos do recém-eleito presidente da Câmara, Arthur Lira.

Criado em 1964, o Banco Central orienta, por exemplo, a taxa básica de juros do país, controla a dívida pública, o Tesouro Nacional e todo dinheiro produzido no país. O mercado financeiro disputa há décadas o controle desse órgão, uma vez que as altas taxas de juros o beneficiam.

Como ficam as indicações

  • Dois diretores iniciarão mandato em 1º de março do 1º ano de mandato do presidente da República
  • Dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 2º ano de mandato do presidente da República
  • O presidente do BC iniciará mandato em 1º de janeiro do 3º ano de mandato do presidente da República
  • Dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 3º ano de mandato do presidente da República
  • Dois diretores iniciarão mandato em 1º de janeiro do 4º ano de mandato do presidente da República

 

Texto: Camila Marins/Fisenge

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil