Uma nova luta se inicia para preservar empresa de banda larga
Por Cícero Martins*
O estado do Paraná tem uma longa trajetória de lutas sociais e organização popular em defesa de seus interesses. Os cidadãos são protagonistas em diversos momentos da história do Brasil como o comício das “Diretas Já” em 12 de janeiro de 1984, o primeiro do país. Os paranaenses também são responsáveis pelo primeiro Projeto de Iniciativa Popular votado em uma casa legislativa. Em 15 de agosto de 2001, os deputados estaduais votariam o PLIP que buscava impedir a privatização da Copel. Naquele dia, há 18 anos, a população assistia a Assembleia Legislativa do Paraná ser ocupada por estudantes e movimentos sociais em defesa da sua estatal de energia. Eles tinham razão. Quase duas décadas depois, a Copel é uma das maiores empresas do país. É essa a história que queremos lembrar em um momento que uma subsidiária da estatal, a Copel Telecom, corre o mesmo risco de ser privatizada com os mesmos argumentos do passado: competitividade e custos.
A votação que não aconteceu
Estava prevista para o dia 15 de agosto a análise dos deputados a respeito do projeto de iniciativa popular ou se permitiriam o governador Jaime Lerner “desestatizar” a empresa de energia. Os argumentos a favor da privatização estavam sendo gestados há dois anos.
Na revista “Copel Informações”, número 236, do bimestre de abril/maio de 1999, o governo defendia a tese da privatização: “precisamos pensar a Copel como se privatizada ela já estivesse e voltar para o interior de nós mesmos e nos adaptarmos a essa nova mentalidade”, afirma o editorial com cara de autoajuda. A estratégia é clara: convencer os copelianos que a privatização é o melhor rumo para suas carreiras e é um fato irreversível.
A tese, no entanto, não convenceu os paranaenses e funcionários da estatal. Foi lançado o Fórum Popular Contra a Venda da Copel que reuniu 426 entidades na resistência. Essa organização foi responsável por coletar as assinaturas que se dariam origem ao PLIP.
Em 2001, época em que se caminhava para a privatização da empresa, o movimento destacava que a Copel “obteve lucro de R$ 1,3 bilhão nos últimos quatro anos (1997 a 2000)”. Somente como comparação, atualmente, sendo mantida como estatal, a Copel atingiu lucro de R$ 1,1 bilhão apenas no primeiro trimestre de 2019, sendo que desse valor, R$ 506 milhões são líquidos, representando um crescimento de 42,2% em relação ao mesmo período de 2018.
A ocupação da Alep em 15 de agosto é resultado de muita mobilização. A resistência não foi construída da noite para o dia. Algumas ações foram realizadas de 1999, quando o governo do estado criou o “Comitê de Desestatização”, até 2002 quando, Jaime Lerner desistiu definitivamente da privatização. Em uma dessas ações, o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) distribuiu 10 mil velas aos cidadãos para alertar, simbolicamente, para o risco de apagões. “Faz parte da estratégia do governo piorar os serviços de fornecimento de energia”, alertava o sindicato. Outra campanha de rádio destacava que as vendas da Telepar e Banestado não trouxeram benefícios aos paranaenses.
A histórica dessa ocupação ainda pode ser contada dois meses antes. No dia 11 de junho de 2001, 20 mil pessoas participam de uma manifestação em frente ao Palácio Iguaçu contra a privatização. Representados por mais de 200 entidades, foi entregue o famoso e primeiro projeto de iniciativa popular do país com 138 mil assinaturas. A entrega do projeto foi realizada em um carrinho de supermercado tamanha era a quantidade de papéis.
PLIP derrotado
A ocupação da Alep no dia 15, todavia, não impediu que os deputados autorizassem a privatização, contrariando a vontade popular. No dia 20 de agosto de 2001, a votação sobre o projeto de iniciativa popular terminou 26 a 26 e teve que ser desempatada pelo presidente da Alep, o deputado Hermas Brandão (PTB), que derrubou a proposta e manteve a privatização.
Após a votação, os movimentos ainda tentaram barrar a venda da Copel entrando com ações judiciais para derrubar a sessão. O argumento é de que foram desrespeitados diversos ritos da Alep. Entre essas ações foi concedida uma liminar no dia 30 de outubro de 2001 que suspendeu o cronograma do edital do leilão. Mas a liminar foi cassada pelo então desembargador Teori Zavascki que, no futuro, viria a ser ministro do STF e morreria em um acidente de avião.
Leilões fracassados
A Copel não foi privatizada por falta de compradores. Duas tentativas em 2001 não tiveram sucesso. Em 25 de janeiro de 2002, o governador Jaime Lerner anunciou a desistência da venda alegando mudança na política do setor energético e a instabilidade econômica mundial após o 11 de setembro, quando ocorreu o atentado às torres gêmeas, em Nova York. Antes da desistência, pelo menos 82 ações populares na Justiça Estadual e outras dezenas de processos que tramitavam na Justiça Federal exigiam lisura do governo estadual.
À época, o presidente Fernando Henrique Cardoso já havia privatizado 23 das 30 concessionárias de energia com o argumento de atrair investidores. Processo que promoveu o aumento de tarifas e os chamados apagões, como o ocorrido em 11 de março de 1999, atingindo 11 estados e o Paraguai.
Reestatizar e modernizar
Quase duas décadas depois, a história serve para trazer lições e mostrar que aprendemos muito pouco com ela. O principal erro que se quer cometer nesse momento é a privatização da Copel Telecom. Em seu último comunicado aos acionistas e ao mercado financeiro, a Copel anunciou a contratação do Banco Rothschild, para atuar como assessor financeiro, e do escritório de advocacia Cescon Barrieu, para atuar como assessor jurídico, ambos para auxiliar a Companhia nas próximas etapas dos estudos em questão. As contratações ocorreram por dispensa de licitação, onerando a estatal em R$ 3,7 milhões.
Se inicia mais uma luta para que o patrimônio dos paranaenses não seja dilapidado por interesses que não são sociais. Vemos o governo do estado dizer que o mercado de banda larga deve “engolir” a Telecom. Fake news que tem 18 anos já, só que com nova roupagem. O que os paranaenses esperam de seu governo é a capacidade de gerir suas empresas públicas de capital aberto com competência para que ela ganhe clientes e mercado.
Fora do Brasil, o que vemos são gigantes estatais comprando empresas de outros países que seus governos optaram por não investir e defender o patrimônio local. Por que não podemos sonhar em nos tornar uma “Beijing Eletronic”, nos recuperando dos percalços e enfrentando desafios? Por que temos que ver a estatal espanhola Aena ganhar concessões de aeroportos no Brasil e não temos essa mesma capacidade?
A privatização não está na moda em países desenvolvidos, mas apenas no “novo terceiro mundo”. Lá fora, 900 reestatizações foram feitas em países como EUA (67) e Alemanha (348) na última década. De acordo com a TNI (Transnacional Institute), dessas estatizações, a maioria ocorre em água, luz, transporte público e lixo. Na Inglaterra, por exemplo, foi rompida parceria para construção de metrô. Já em Paris, na França, o município decidiu não renovar a concessão para a exploração de água e esgoto. Algo oposto ao que se ensaia no Congresso Nacional.
O Brasil também tem seu exemplo recente de reversão de privatizações. Em Goiás governada pelo conservador Ronaldo Caiado (DEM), o estado pede o cancelamento da concessão dada a italiana Enel que explora o fornecimento de energia. O fato é, já temos quase duas décadas de experiência para não precisarmos nos arrepender daqui alguns anos.
*Cicero Martins Junior é engenheiro civil, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, especialista em Liderança com ênfase em Gestão e funcionário da Copel, professor engenharia civil da Fapi e membro do Fórum Paranaense em Defesa das Estatais.