ARTIGO: Primeiro de maio sem comemoração

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

Por Roberto Freire*

Quem pretender saber por que o primeiro de maio recente não foi comemorado como em outros tempos e quiser ter uma noção de como funciona o mundo contemporâneo, sugiro ler Pape, Satàn, Aleppe, de Humberto Eco, crônicas de uma sociedade líquida. Individualismo exacerbado e consumismo desenfreado são as principais características dessa nova sociedade. Um individualismo que privilegia a aparência, que transforma as pessoas em antagonistas e faz desaparecer a noção de solidariedade, e um consumismo que não satisfaz apenas aos desejos de posse de bens materiais necessários ao bem estar e prazer, mas, ao impulso de participar de uma corrida desenfreada por descartáveis.

O capitalismo, que se utiliza das mais modernas técnicas de propaganda e mídia, para estimular o individualismo e consumismo e ainda amparada na “revolução 4.0” dos meios de produção (que segundo os teóricos “desta revolução”, vai desempregar 400 milhões de trabalhadores no planeta nos próximos anos), transforma não só as relações de trabalho, mas a própria sociedade. O estado weberiano, forte e influente, não serve mais aos objetivos do capitalismo, e para que haja sucesso na implantação desse novo mundo é necessário que as organizações transnacionais se sobreponham aos estados nacionais, tornando-os apenas homologadores de suas normas e necessidades. A estratégia de remodelação muda de acordo com a força e a capacidade de organização e oposição local.

No arsenal utilizado para alcançar seus objetivos estão sendo utilizados, entre outros, na França, privatizações das ferrovias e as “reformas” trabalhista e previdenciária, em Portugal, Espanha, Grécia e arredores europeu, as imposições da Troika (trinca formada pela comissão europeia, banco central europeu e FMI, que ditam as medidas econômicas a serem adotadas), no norte da África a Primavera árabe, no oriente médio e próximo as guerras “religiosas” e no restante do planeta, principalmente na América Latina, o fomento ou promoção de diversos tipos de golpes.

Não é fácil implantar tantas mudanças em sociedades e culturas tão diversas, e é por isso que aparecem os percalços e problemas que ainda não estão e deverão demorar a ser resolvidos, se é que o mundo “líquido” veio para ficar. A imigração na Europa e Estados Unidos é hoje um bom exemplo. A pauta estabelecida para o Brasil ainda está muito longe de ser plenamente implementada, mas a sociedade brasileira está muito fragilizada, parece ter perdido a noção de valores e referências, e aproveitando a crise das ideologias, os capitalistas e seus defensores locais ainda poderão gerar muita precarização.

Entrega do pré-sal, com a retirada da obrigatoriedade da participação da Petrobrás, como sócia e operadora única, de todos os blocos de exploração do petróleo no regime de partilha, destruição da política de conteúdo local e quebra da engenharia nacional. Perda do controle da produção e distribuição de energia, com a privatização da Eletrobrás, desmonte da educação básica e implantação da escola sem partido, congelamento do orçamento público por 20 anos e a “reforma trabalhista” com terceirização sem limites.

Depois de gerar 14 milhões de desempregados, o que nos oferecem é o mercado 24/7, em que os trabalhadores/consumidores estarão conectados 24 horas por dia, sete dias por semana, e muito empreendedorismo, pejotização,  microempreendedor individual (MEI), trabalho intermitente, negociação salarial individual e outras maldades. Para satisfação geral prometem a destruição dos sindicatos.

Não há o que comemorar. Devemos nos preparar.

 

*Roberto Freire é engenheiro eletricista, diretor financeiro da Fisenge e diretor do Senge-PE