ARTIGO: Os desafios da esquerda durante a ofensiva conservadora no Brasil e no mundo

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Por Penildon Silva Filho e Ubiratan Félix*

Introdução

É possível compreender a situação política e os embates sociais, econômicos e políticos no Brasil hoje a partir de uma visão do cenário internacional e das tendências históricas que estão se consolidando no momento atual. Vivemos o prolongamento de uma crise do Capitalismo desde 2008, que longe de ser um elemento de seu enfraquecimento, se tornou em um instrumento de sua reorganização, visando o enfraquecimento das forças progressistas nos diversos países, dos países emergentes que ameaçavam o hegemonismo estadunidense e a busca de um novo patamar de acumulação capitalista, com a destruição dos direitos sociais em diferentes sociedades e o aporte de recursos dos estados nacionais para grandes grupos econômicos.

O PT e as esquerdas (estando elas dentro ou fora do governo) estão vivendo num momento em que uma grande ofensiva conservadora se estende em toda a América latina, um momento em que as condições de crescimento e inclusão social que existiam até 2013 já não se fazem mais presentes e no qual as forças conservadoras não se limitam a disputar o poder durante os períodos eleitorais, mas fazem a disputa permanente com a desestabilização política, econômica e social, visando a destruição do PT e das esquerdas. Caso o principal partido governista e o governo não compreendam isso e não mudem as orientações para a política econômica e a disputa política-cultural, teremos uma derrota histórica de um projeto de emancipação humana no Brasil e na região da América Latina. Infelizmente nos parece que a direção do PT e de nosso governo ainda não perceberam a seriedade do confronto atual e a concatenação dos ataques feitos pela direita, e não conseguem ter as políticas corretas nem dar resposta à conjuntura de forma incisiva, como seria necessário.

Cenário Internacional

O “breve século XX”, como Eric Hobsbawm gostava de chamar o período de 1917 a 1989, se caracterizou pela emergência e polarização de duas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, um mundo bipolar, que só não experimentou a guerra total pois isso implicaria na extinção da espécie humana e da nossa civilização com o uso de armas atômicas. A queda do muro de Berlim em 1989 e a dissolução da URSS em 1991 iniciou um novo período de hegemonia capitalista, num mundo supostamente unipolar, com os EUA se colocando como única potência econômica e militar, atuando em todo o globo para defender seus interesses, desrespeitando as leis internacionais e a soberania dos povos. No plano econômico e político houve a afirmação do neoliberalismo e do Consenso de Washington nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de 1980, neoliberalismo que se espalha pelo mundo com a queda do muro de Berlim e o desaparecimento da União Soviética. Na década de 1990 o “Consenso de Washington” passou a se tornar hegemônico na agenda de governos da América Latina e de outros países. Consenso de Washington é um conjunto de medidas – que se compõe de dez regras básicas – formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras sediadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. As dez diretrizes do Consenso estão abaixo, com alguns comentários explicativos e críticos às mesmas, entre parênteses:

1. Disciplina fiscal (o que significa garantir primeiro o pagamento dos altos juros da dívida pública para os bancos e depois investir nas políticas sociais);

2. Redução dos gastos públicos (Educação, Saúde e Segurança não são prioridades, trata-se do Estado ausente dos direitos sociais);

3. Reforma tributária (para desonerar os ricos e taxar os pobres nos impostos indiretos);

4. Juros de mercado (ou seja, controlados pelos bancos, que foram os que mais lucraram até hoje.);

5. Câmbio de mercado;

6. Abertura comercial (os países centrais do capitalismo jamais abriram realmente seu mercado, esse era uma receita apenas para os países em desenvolvimento);

7. Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições;

8. Privatização das estatais;

9. Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas);

10. Direito à propriedade intelectual (ou seja, respeito à propriedade industrial dos países capitalistas centrais).

Entretanto, durante a década de 1990 e o início dos anos 2000 observamos a crescimento da China e da Índia como potências econômicas, a reorganização do Rússia na sua economia e a volta de seu poder político e militar, assim como o acúmulo de forças pelos grupos progressistas em diversos países da América Latina, o que levou à vitória de partidos críticos ao Consenso de Washington e que defendiam a adoção de agendas de inclusão social, integração regional e independência em relação à política dos EUA na região latino-americana.

É importante salientar que a dinâmica da economia e da política externa dos EUA não mudou desde o século XIX, quando aquele país empreendeu uma guerra contra a Espanha para conquistar a Flórida e as Filipinas, declarou guerra ao México para lhe tirar a maior parte do seu território (pois todo o meio oeste americano até o oeste incluindo a Califórnia eram do México). No início do século XX conspirou contra o governo da Colômbia e apoiou uma insurreição para criar o Panamá (que era território colombiano), e depois construiu o canal do Panamá. As duas guerras mundiais foram essenciais para alavancar o desenvolvimento capitalista dos EUA, que ficou dependente de sua indústria bélica e de seu complexo industrial-militar, os quais tornaram-se primordiais na definição das políticas de governo desde então. As mais recentes guerras, do Afeganistão (2001-2015) e do Iraque(2003-2014), nada mais foram do que a expressão dos interesses da indústria petrolífera norte-americana para se apossar de grandes reservas desse mineral e da indústria bélica que precisava de guerras para que o governo utilizasse armas de seus arsenais e assim fizesse novas encomendas.

O quadro que se formal foi justamente esse: a emergência de novas potências econômicas no mundo, com a China liderando esse processo, o que muda radicalmente a geografia econômica e a geopolítica, ao lado da persistência de uma superpotência militar(EUA), que já não é tão hegemônica do ponto de vista econômico e procura manter seu poderio pela via bélica. A conformação do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com a intensificação de seus laços econômicos e políticos, a busca pela mudança na arquitetura da ONU e o questionamento de agências internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, ao lado de uma política desse novo bloco dos BRICS de buscar soluções mais mediadas nos conflitos, desautorizando o uso da força, tudo isso se consolidou contrariando aos interesses dos Estados Unidos.

A crise econômica desencadeada nos Estados Unidos em 2008, e com reflexos em todo o mundo até os dias atuais, serviu para mais uma vez desnudar a natureza caótica e predatória do capitalismo financista, que procura acumular ganhos financeiros independentes de uma base econômica real, e que torna as sociedades e Estados reféns de seus interesses puramente especulativos. É muito interessante notar que a eclosão da crise, em que pese a destruição de milhões de postos de trabalho pelos Estados Unidos e Europa, não significou um retrocesso na dominação desse bloco histórico da burguesia hegemonizada pelo capital financeiro, pois as grandes empresas foram socorridas pelos estados nacionais, com o argumento de que elas eram “muito grandes para quebrar”. Essas empresas apresentaram lucros sucessivos depois de 2008, seus executivos aumentaram seus lucros e dividendos, enquanto as finanças de estados nacionais na América do Norte e na Europa eram mais comprometidas com esse socorro aos especuladores e com o pagamento de juros da dívida pública.

Na sequência dessa crise observamos que a política externa de destruição de governos nacionais para a implantação de ditaduras ou a simples destruição de estados nacionais continuou. Observamos a destruição do Estado da Líbia, que hoje é um território disputado por vários grupos terroristas, um golpe de estado no Egito que derrubou um governo eleito nas urnas e implantou uma ditadura, matando milhares e prendendo centenas de milhares de egípcios. A guerra da Síria foi gestada, financiada e organizada pelos EUA através de seus aliados na região, a Arábia Saudita e o Qatar. A criação do Estado Islâmico foi possibilitada pelos anos de caos produzidos pela ocupação dos EUA no Iraque e pelo financiamento direto desses grupos na guerra da Síria, que foi provocada para derrubar um dirigente nacional que não era alinhado aos Estados Unidos. A justificativa de querer derrubar uma “ditadura síria” apoiada na ajuda de um regime totalitário e sanguinário da Arábia Saudita é mais um exemplo da hipocrisia que formata os discursos de interesses no plano internacional

Talvez a maior ironia desse período em que vivemos seja a declaração em fevereiro de 2016 do presidente dos Estados Unidos de que ele estava reatando as relações diplomáticas com Cuba mas que isso não faria os EUA abrirem mão da defesa dos direitos humanos. No território de Cuba existe até hoje um terreno ocupado ilegalmente pelos EUA com uma base militar que é uma provocação aos cubanos, a base de Guantânamo, e para lá se dirigem milhares de presos, especialmente do mundo árabe, que não existem legalmente, não foram processados, não constam em nenhum registro legal e sistematicamente são torturados pelo governo dos EUA para que se extraiam “informações importantes para combater o terrorismo”. Além de Guantânamo, houve o caso da prisão de Abu Graib, nos arredores de Bagdá, que ficou famoso pois os soldados americanos postaram milhares de fotos das torturas dos presos na internet, na completa confiança de que nada lhes aconteceria.

O intervencionismo e as “operações encobertas” das agências de Inteligência e espionagem dos EUA foram expostos nos escândalos do “Weekleaks” e nas denúncias de Eduard Snowden, que mostraram um espectro amplo da espionagem de dezenas de líderes mundiais (inclusive da presidência do Brasil), além de operações de sabotagem, golpes de estados e roubo de segredos econômicos e tecnológicos. Esses casos são apenas os mais recentes de uma série que nós da América Latina conhecemos muito bem de intervencionismo dos EUA nos assuntos internos dos países, como os golpes de estado no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, na Bolívia e em outros, que foram levados a cabo com o estímulo, o financiamento e a organização da potência hegemônica capitalista.

Entretanto é importante salientar que a crise iniciada em 2008 tem um papel estratégico para diminuir direitos trabalhistas e sociais na Europa, EUA e América Latina, com o argumento de que as leis trabalhistas e os gastos públicos impedem a retomada do crescimento. A crise não ameaça o Capitalismo, ela é a forma como o Capitalismo reorganiza seu processo de acumulação no sentido de ampliar a mais-valia e a exploração de países, sempre em favor do capital. No Brasil vivemos hoje uma ofensiva conservadora que quer tirar direitos trabalhistas, previdenciários e sociais, desativando muitos programas sociais, com o argumento que estes foram o motivo da “irresponsabilidade fiscal” e pela “gastança” desmedida de governo “populistas” (de esquerda na opinião conservadora…) que provocou a crise.

As mudanças no Brasil e na América Latina nos períodos 2003 a 2013 e de 2013 até hoje

Apesar desse discurso hegemônico que procura culpabilizar os programas sociais, a criação de empregos e a elevação dos salários no Brasil pela crise, e que preconiza a completa precarização das relações de trabalho, a entrega do petróleo do Pré-Sal para as potências estrangeiras e a desativação dos programas sociais, precisamos fazer o registro que historicamente o maior gasto do orçamento do Estado Brasileiro é com pagamento de juros e amortizações da dívida pública, e essa tendência não mudou com os governos do PT. Temos hoje um percentual de pelo menos 42% do orçamento comprometido com o “serviço da dívida” por ano, índice bem superior ao que se investe em Saúde e Educação conjuntamente. Então a maior “gastança” do governo não é com programas sociais, mas com o financiamento do lucro dos grandes bancos e financistas.

O que permitiu o crescimento econômico com redistribuição de renda e geração de empregos, e também possibilitou ao Estado brasileiro aumentar o escopo de políticas sociais hoje em andamento, e com uma confrontação muito baixa com os interesses das classes dominantes e segmentos que se apropriam de aparelhos de Estado ou de privilégios, foi uma conjuntura internacional que hoje não existe mais. O chamado “ciclo das commodities” permitiu um crescimento da Economia como um todo, e isso combinado a políticas redistributivas e elevação dos valores dos salários permitiu que o PIB crescesse consideravelmente. Após 2013, esse ciclo se esgotou, com uma queda abrupta nos preços das commodities por um lado, e a ciclo de crescimento promovido pelo consumo de outro.

Será necessário agora, com a queda do preço das commodities, aproveitar a desvalorização do Real frente ao Dólar para criar uma política industrial para atendimento do mercado interno e exportação. O câmbio sobrevalorizado que dura desde do primeiro Governo FHC e foi mantido por Lula e Dilma ( se desvalorizou neste momento independente da vontade do governo), desmobilizou amplos setores industriais, muitos que produziam tornaram-se  montadores de produtos importados, outros mudaram de setor , assim como os mercados para os quais exportávamos foram tomados por empresas de outros países; Logo, o câmbio desvalorizado não irá garantir a retomada da indústria e dos mercados perdidos, pois este setor foi desmobilizado durante 24 anos, ele permitirá no primeiro momento a manutenção do que restou da indústria brasileira, que ainda tem tamanho considerável. Para recuperar a indústria será necessário um longo período de câmbio desvalorizado e uma efetiva política econômica que transfira através de impostos recursos das atividades primárias para indústria.

Ao mesmo tempo deve-se ter um investimento muito maior em infraestrutura, para estimular o PIB no lugar antes ocupado pelo consumo. Estimular o consumo é importante, mas deve estar ligado ao fortalecimento da infraestrutura. Mas essas duas medidas devem ser acompanhadas de reformas estruturais que colocam nosso projeto em confronto com vários segmentos de classe da burguesia. Sempre foi necessária e nos dias de hoje é imprescindível uma reforma tributária, para desonerar a produção, diminuir os impostos das rendas mais baixas e aumentar os impostos sobre as rendas mais altas, voltar a cobrar imposto sobre lucros e dividendos dos empresários em suas empresas. Essas medidas liberariam uma renda da base da pirâmide social, ao diminuir os impostos indiretos dos bens de consumo e impostos de renda dos mais pobres, promoveriam justiça tributária e garantiriam os recursos para o estado brasileiro manter seus programas sociais e investir em obras de infraestrutura. Contudo essa reforma significa uma confrontação com interesses econômicos, e ela simboliza o momento atual que o PT e o governo enfrentam de que não será possível continuar mudando o Brasil sem atingir privilégios, promover uma justiça redistributiva pelo tributo e sem atacar os interesses do capital financeiro.

Embora a campanha da reeleição de Dilma tenha afirmado claramente que não usaria o aumento dos juros para combater a inflação, que investiria na produção e estimularia as atividades econômicas, infelizmente não foi isso o que foi implementado no início de seu segundo mandato. No primeiro mandato, Dilma implementou uma política de redução firme e gradual dos juros da dívida pública, da SELIC, pois esse era o caminho acertado para estimular os investimentos produtivos. Chegamos a ter uma taxa de Selic de apenas 7,5 %, com inflação anual de 6% em 2013. O grande capital financeiro, que é hegemônico e nos dias de hoje não pode-se mais distinguir esse capital que lucra com a especulação financeira do capital industrial e do agronegócio, reagiu a essa nova política econômica, provocando um clima de terrorismo econômico através de uma aliança com os meios de comunicação e do estímulo à remarcação de preços no comércio, fustigando o governo contra essa diretriz de rebaixamento dos juros. A política de rebaixamento da Selic, que se estendeu de 2011 até maio de 2013 tinha outra consequência além do estímulo à produção: a diminuição dos compromissos do Estado com o pagamento dos juros. Toda vez que se aumenta a Selic em 0,5%, compromete-se 50 bilhões de reais com a pagamento anual dos juros e amortizações da dívida. A maior parte da lucratividade do capital é com sua fração do capital financeiro, que se torna determinante para as outras esferas da atividade econômica.

A última reunião do Conselho Nacional de Política Monetária (COPOM), em 20 de janeiro, mereceu uma cobertura intensa e inusitada pela maioria da mídia nacional, danosa ao interesse nacional e às políticas públicas. O COPOM decidiu manter a taxa de juros em 14,25%, contrariando os analistas econômicos que têm espaço nos grandes meios de comunicação, que defendiam a elevação da taxa de juros e o aprofundamento do ajuste fiscal, com a argumentação equivocada de que apenas essa receita recessiva poderia diminuir a inflação. Caso essa expectativa dos comentaristas de Economia e dos grandes banqueiros fosse concretizada, teríamos o aprofundamento da recessão e do desemprego.

Trata-se de um engano querer aumentar os juros para combater a inflação, pois no Brasil não há inflação de “demanda”, não está ligada ao consumo das famílias. No último ano tivemos uma recessão de 4% e a queda das vendas no varejo superou 12% no final de 2015, entretanto a inflação permaneceu, contrariando a expectativa de que a recessão e a queda do consumo a diminuiriam. A inflação foi provocada principalmente pelo aumento do dólar, mudança nos preços internacionais das commodities e reajuste de preços controlados, como gasolina e energia, tudo o que o aumento dos juros da SELIC não tem possibilidade de reverter, pois só consegue diminuir o consumo e provocar diminuição da atividade econômica. O aumento dos preços ocorreu como resultado da redefinição do valor relativo das moedas nacionais (não foi apenas o Real que se desvalorizou, mas todas as moedas em relação ao dólar) e como resultado do reajuste de preços controlados. A opção em 2015 foi de combater a inflação com um remédio (aumento de juros da SELIC) que não tem qualquer efeito sobre ela e isso significou recessão econômica, aumento do desemprego e queda acentuada da arrecadação de impostos, com reflexo evidente nas políticas públicas. Ao mesmo tempo os lucros dos bancos bateram recordes, e a atividade financista e improdutiva ficou muito bem remunerada. Com o aumento dos juros quem ganha é aquele que não produz nem cria empregos, apenas especula e empresta dinheiro a juros.

Justamente quando o governo federal decide mudar a política econômica, o que é correto e precisa ser levado adiante, a maior parte da imprensa nacional parece que ignora a situação de dificuldades da população e de diminuição da atividade econômica e decide defender os interesses do capital financeiro, ao defender a subida dos juros. Caberá agora ao governo e ao PT serem firmes na defesa da mudança da política econômica. A reorientação dessa política deve priorizar a produção, o investimento, o consumo, caso contrário, a derrota do nosso projeto é iminente e irreversível.

Esse debate sobre atividade econômica tem importância fundamental para as políticas públicas no Brasil. Avançamos muito com criação de novas universidades federais, foram 18 desde 2003, e mais vagas no ensino superior. A Educação Básica conseguiu uma fonte de financiamento estável, o FUNDEB; a Educação Profissional contou com a criação de mais de 240 campi de institutos federais de Educação. Contudo, a manutenção e ampliação dessas políticas depende da retomada da atividade econômica e do fim da crise, o que é possível e depende de uma reorientação da política governamental, que nesse momento começa a ocorrer mas enfrenta uma oposição muito forte dos setores ligados aos interesses financistas. Acabar com o ciclo de predominância do capital especulativo financeiro é condição para termos mais direitos sociais e cidadania e para retomarmos o crescimento econômico.

Enfrentamos dificuldades em 2015 para a manutenção das políticas públicas, e precisamos agora ver concretizado o que foi defendido pela presidenta Dilma na campanha em que ela foi reeleita: investir nas políticas sociais, diminuir os juros, investir na produção como saída para a crise internacional. A estratégia adotada pelo governo de “ouvir o mercado” foi desastrosa, só contribuiu para o aumento dos lucros bancários numa conjuntura de recessão severa que caminha para uma crise social sem precedentes nos últimos 20 anos.

O descolamento entre demandas sociais e atuação do governo

Essa estratégia de ouvir o mercado e “fazer o que o mercado orienta” determinou a indicação de um ministro da Fazenda em 2015, o Joaquim Levy, claramente ligado aos interesses do grande capital financista, que seguiu o receituário neoliberal à risca, demonstrou que esse receituário em nada beneficia aos setores populares, e apenas garante os interesses desse segmento, sempre privilegiado no Capitalismo contemporâneo.

Além da taxa de juros que foi majorada irresponsavelmente em 2015, as medidas provisórias 664 e 665, lançadas ainda em dezembro de 2014 sem consulta às bancadas do PT no Congresso, acabaram por simbolizar uma ruptura com o discurso de campanha que afirmava que não mudaria direitos trabalhistas “nem que a vaca tossisse”. Mesmo que algumas mudanças em questões tributárias e previdenciárias sejam necessárias, elas devem ser pactuadas em uma mesa de negociação com os movimentos sociais, deve haver uma conversa entre o governo e o partido e deve-se observar a pertinência de colocar determinadas propostas que não levam a qualquer ganho para os trabalhadores ou para as finanças públicas a curto ou médio prazos, mas produzem um efeito político muito negativo.

A disputa política deve se dar com a afirmação de políticas que beneficiem amplas parcelas da população, mesmo que signifiquem um confronto com alguns privilégios do capital financeiro ou outras frações do capital. Conforme foi dito, a fase em que era possível incluir e elevar os ganhos dos trabalhadores sem diminuir os ganhos do capital ou manter intocada a riqueza de poucos já passou.

Outro aspecto que deve orientar nossa atuação pela mudança da política econômica diz respeito aos superávits e déficits no orçamento e a política de juros da SELIC como instrumento de superação da recessão. Em absolutamente todos os países do mundo, especialmente nos capitalistas, quando um país está em recessão ele faz duas coisas prioritariamente: passa a ter déficits, pois o Estado tem que gastar mais para reativar a Economia, e diminui a taxa de juros dos títulos públicos, pois esse é o melhor caminho para estimular a atividade econômica. Os neoliberais no Brasil querem justamente o contrário, e infelizmente o segundo governo Dilma adotou essa política, significando uma “capitulação” frente às forças atrasadas na sociedade que vivem às custas da especulação financeira. Observe o quadro abaixo que faz uma comparação entre os países no quesito déficit público em 2015:

Enquanto o déficit do Japão foi de 7,7% do PIB, dos EUA foi de 2,5% do PIB e da China foi de 2,1% do PIB, pois esses países estavam direcionando investimentos para obras de infraestrutura ou outras políticas anticíclicas para a superação da recessão, os neoliberais do Brasil faziam questão de esconder isso por aqui. No Brasil tivemos apenas um déficit de 0,9% e isso foi motivo de alarde pela mídia e pelos partidos de direita, que hoje preconizam um projeto de lei do PSDB que obriga o Estado Brasileiro a só pagar juros e não investir na retomada do crescimento, uma afronta à soberania nacional e à possibilidade do governo ter políticas públicas, um golpe tão grande ou maior do que a pretensão de tornar o Banco Central “independente” das políticas definidas pelo povo nas eleições, mas dependente dos interesses dos banqueiros.

Nesse caso, defendemos o mesmo que os EUA fizeram para sair da recessão econômica: baixar os juros dos títulos públicos e ter investimentos do Estado para alavancar a Economia. Isso não é Socialismo, não é Comunismo, é apenas uma política anticíclica no Capitalismo, apenas para retomar a atividade econômica. No Brasil, as elites são tão atrasadas que elas não querem nem ao menos aplicar as estratégias para sair da crise que são aplicadas no centro do Capitalismo. E o pior é que o governo do PT mantém essa política derrotada e recessiva, que já provocou a maior queda do PIB em mais de 25 anos, cerca de 4%.

A disputa de hegemonia do bloco conservador e seus novos atores: mídia, partes do judiciário, Polícia Federal e Ministério Público

Várias avaliações já foram feitas sobre a forma articulada e eficiente com que partes da Polícia Federal, do Judiciário e do Ministério Público e a quase totalidade da mídia vem atuado como ator político na disputa política nacional. Vazamentos seletivos de investigações, investigações seletivas que nunca ocorrem com suspeitos do PSDB ou grupos políticos que não são de esquerda, abuso de autoridade nas prisões preventivas e na obtenção de acordos de delação premiada e a produção de fatos/factóides em um calendário ajustado à disputa política, que procuram criar um clima de linchamento público do PT e da esquerda ocorrem no âmbito do risco do Estado brasileiro se tornar uma Estado de exceção, como vários juristas já afirmaram.

Chama a atenção nessa concatenação de interesses e ações desses órgãos e instituições, ações tomadas de acordo com claros interesses políticos e de classe social, num claro aparelhamento político de instituições que deveriam ser republicanas e não o são. E há o caráter corporativo nesses organismos que impede uma análise crítica sobre essas ações movidas sem base legal e constitucional. Precisamos ter uma resposta a esse quadro de disputa. As respostas do PT têm sido muito tímidas, sempre se limitando a notas padronizadas que não fazem a disputa política, em vez de indicar e denunciar o caráter claramente parcial de várias investigações, prisões e da ausência de outras investigações. As respostas do governo federal são praticamente inexistentes. Essa ação deveria ser executada pelos partidos de esquerda, no parlamento, pelos governos do PT e da esquerda. Entretanto estamos vivendo o ápice da política de conciliação que nessa conjuntura nos levará à destruição, com a cassação do principal partido e a prisão de nossos líderes com condenações manipuladas e sem provas, o que já vem ocorrendo há alguns anos. O discurso do “republicanismo” pelo PT e pelo governo é ingênuo e pueril, interessa à classe dominante, que sistematicamente vem usando espaços institucionais na PF para definir a perseguição a determinados políticos e empresários não com o objetivo verdadeiro de combater a corrupção, mas com a clara intenção de destruir uma parte do espectro político.

A inconstitucionalidade da atuação da vara da justiça federal de Curitiba sobre todo o território nacional e as articulações com o FBI e os órgãos governamentais de outros países, completamente à margem de qualquer controle institucional, com o objetivo claro de perseguir determinados atores políticos ligados ao governo e nunca investigar qualquer menção ou indício ou prova dos atores do PSDB e aliados, já é notória. Apesar disso, a articulação midiática e a intensa produção de factoides, que depois não se mostram verdadeiros, serve para criar um clima de achincalhamento público, e outras instâncias da justiça não se interessam ou exercem suas prerrogativas de garantia da constitucionalidade, provavelmente por se intimidarem com a cobertura jornalística empreendida sobre as ações dos falsos justiceiros. Os casos das denúncias de Mirian Dutra do uso de esquemas corruptos de envio de dinheiro e compra de bens no exterior por parte do ex-presidente do PSDB não são investigados pelo PF, nem pela justiça ou Ministério Público(MP). Da mesma maneira, as três citações sobre Aécio Neves no âmbito da operação Lava Jato não recebem qualquer atenção do(s) Juíz(es), policiais e procuradores. Todos os partidos receberam doações legais de grandes empresas, mas apenas as doações ao PT são consideradas corrupção, o que é um absurdo. Há muitos exemplos de conhecimento público dessa situação, mas o PT ou o governo não fizeram o que deveria ser feito: denunciar, fazer a disputa política-jurídica-midiática, apontar as parcialidades, ilegalidades e atacar os interesses escusos dessas opções.

A ingenuidade que acredita na justiça isenta e imparcial e esse discurso de respeito ao republicanismo praticamente já derrotou os segmentos de esquerda nessa disputa. A insistência em pregar a conciliação, seja com o mercado, adotando medidas recessivas e pró-capital financeiro, seja com os aparelhos do Estado claramente cooptados para um projeto golpista, gerou uma paralisia do governo e no PT e prepara-se hoje a volta dos segmentos neoliberais ao governo central, seguindo uma tendência em toda a América Latina que tem vivido momentos de vitórias dos partidos de direita ou um cerco a governos progressistas.

Engana-se também quem apenas vê todo esse processo como endógeno, sem intervenções ou articulações com o capital transnacional, os governos estrangeiros e as forças políticas conservadoras em escala global. Vivemos hoje uma “terceira guerra mundial”, como disse o papa Francisco em 2015, que não tem armas atômicas, mas há guerras localizadas na Síria, na Líbia, Somália, Ucrânia, Afeganistão, Iraque, Líbia; há uma guerra econômica, com o plano de aumento da produção de petróleo para derrubar os preços da commoditie e assim criar uma crise econômica na Rússia, no Irã, Venezuela e permitir que os setores conservadores ataquem a Petrobrás no Brasil. Estamos vivendo a “batalha do Brasil”, no momento o elo dos BRICS que o condomínio de potência lideradas pelos EUA quer trocar de comando político e assim mudar a correlação de forças no mundo. É uma batalha entre o campo crítico ao neoliberalismo e que preconizam um mundo multipolar e o mundo Unipolar dominado pelos EUA.

O que fazer?

1) Exigir que o governo adote políticas anticíclicas de investimento público e diminuição dos juros da SELIC.

2) Exigir o lançamento imediatamente o programa Minha Casa Minha Vida 4, com um amplo programa de investimento em construção civil para reativar a indústria da construção civil, num nível superior ao que a Minha Casa Minha Vida vinha realizando.

3) Criar uma política industrial que financie as empresas industriais a se preparar para produzir mais para exportação e para consumo interno, uma vez que com a desvalorização do Real frente ao dólar, agora é um momento propício, que não está sendo aproveitada com planejamento pelo Brasil. As empresas precisam de um apoio para investir sem ter juros escorchantes que inviabilizam o investimento em bens de capital.

4) Exigir que o governo defenda e coloque em pauta a proposta de reforma tributária da bancada do PT no Congresso, que desonera as faixas salariais mais baixas e sobretaxa quem ganha mais de 100 mil reais por mês. Tornar isso uma peça de disputa política na sociedade, pelo governo e pelo PT.

5) Assumir uma postura proativa frente ao golpe midiático-judicial-policial de segmentos dessas corporações, denunciar a parcialidade das investigações e a não investigação de crimes ou indícios do PSDB e aliados (desvio de recursos do Metrô paulista, desvio de dinheiro da merenda em São Paulo pelo líder do governo na Assembleia Legislativa, desvio de recursos de Furnas para o PSDB de São Paulo e de Minas Gerais, uso de empresa concessionária pública para pagamentos ilegais por FHC no exterior para Mírian Dutra, favorecimento à Globo pelo BNDES no governo FCH, privataria tucana e privatização da Vale do Rio Doce, etc, etc, etc…). Justiça parcial não é justiça! Não existe Estado de Direito nem Republicanismo sem seriedade e com perseguições sem provas! A nossa denúncia deve ser pública, com convocação de entrevistas coletivas de forma sistemática, denúncias no STF, CNJ e Conselho Nacional do Ministério Público e criação de uma campanha de comunicação de denúncia dos casos de corrupção encobertos na internet (usando instrumentos como panfletagem, outdoors, debates públicos).

6) Exigir do governo que mude sua política no Ministério da Justiça, orientando a PF a investigar todas as suspeitas de corrupção, e garantir que os preceitos legais sejam respeitados na corporação, e elencar quais as prioridades de atuação. Hoje não se vê uma política do Ministério da Justiça e da PF para coibir o desmatamento ilegal, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o tráfico de órgãos humanos, os desaparecimentos de milhares de brasileiros todos os anos sem identificação de seus destinos, o combate aos crimes virtuais. Sem essa orientação, e com liberdade absoluta dos delegados, há uma preferência em atuar naqueles processos que possam dar maior espaço na mídia, e o desenrolar das investigações ocorre prevendo aquilo que a mídia vai entender como mais interessante.

7) Abrir uma mesa de negociação com os movimentos sociais sobre as pautas desses: reforma agrária, reforma urbana, mobilidade urbana, desenvolvimento sustentável, combate à violência policial, defesa dos direitos indígenas.

8) Exigir uma política de mudança da atual correlação de forças nos meios de comunicação, deixando de financiar os conglomerados golpistas, estimulando a imprensa pluralista e denunciando e cassando concessões de meios golpistas, ao mesmo tempo que cobrar as dívidas tributárias com a União da Rede Globo e outras empresas e suspender os anúncios em meios de comunicação que não cumprem as leis. Apresentar uma “lei dos meios” no Congresso Nacional.

*Penildon Silva Filho é professor da UFBA. Ubiratan Félix é professor do IFB e presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia. Este material foi elaborado para o Curso de Formação Política que será realizado pelo Senge-BA nos dias 11 a 13 de março, em Salvador.