Por Clovis Nascimento*
Até 2003 o setor de saneamento no Governo Federal era tratado de forma dispersa, pois havia cerca de 11 Ministérios que, de alguma maneira, atuava na área. A partir de 2003, atendendo a um pleito dos movimentos sociais, foi criado o Ministério das Cidades e, consequentemente, a Secretaria Nacional de Saneamento que passou a congregar todas as ações de saneamento no âmbito do Governo Federal, ou seja, o saneamento passou a ter um único endereço.
Outro aspecto fundamental a ser observado é que os recursos federais estavam absolutamente vedados ao setor público de saneamento brasileiro, pois até 2003 o governo federal tinha como proposta central a privatização. Com a criação da Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, essa tentativa de entrega do setor à iniciativa privada foi retirada da agenda e os recursos federais voltaram a ser disponibilizados, aquecendo a cadeia produtiva e levando benefícios de água e esgotamento sanitário para o povo brasileiro.
Há que se registrar que, no saneamento, a presença do poder público é fundamental, uma vez que o serviço de abastecimento de água tem função social, é um monopólio natural e, portanto, não pode ser tratado como mercadoria. Além de tudo, água é um bem essencial à saúde e à vida.
Conceitualmente, o saneamento congrega as ações de abastecimento de água, a coleta, o transporte, o tratamento e o destino final adequado dos esgotos sanitários, o manejo das águas pluviais na drenagem urbana e o manejo dos resíduos sólidos.
A média de perdas nos sistemas de abastecimento de água no Brasil é da ordem de 38% a 50% nas cidades brasileiras, onde não há controle de qualidade da água distribuída a população. Na área de esgotamento sanitário, os números são ainda mais preocupantes, pois cerca de 50% do esgoto coletado não é tratado e, hoje, coletamos apenas 48% do esgoto produzido pelo povo brasileiro. De acordo com dados do Siga/Brasil (sistema de informações sobre orçamento público federal), a despesa executada com saneamento, no orçamento da União, teve uma drástica queda, principalmente entre 2009 e 2017.
Informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), elaborado pelo Ministério das Cidades, do Governo Federal, no período de 1995 a 2016, revelam que a evolução da universalização dos serviços de esgotamento sanitário ainda é muito baixa. Este cenário conflita diretamente com a resolução da Organizações das Nações Unidas (ONU), o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, que é de “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”.
O Brasil caminha em passos lentos, violando, inclusive, um direito humano da Constituição, que assevera o direito à água. Sob a justificativa de quitação de dívidas de alguns estados, o governo federal tenta implementar uma agenda de privatização das companhias de saneamento, ao contrário de Paris, Berlim e outras 265 cidades no mundo que reestatizaram o setor, apontou estudo da pesquisadora Satoko Kishimoto. Neste documento, ela e os demais autores defendem que há boas referências no mundo de uma gestão pública eficiente, considerando que 90% do fornecimento de água no mundo é público.
No Brasil, um exemplo de tentativa de privatização é a Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE), uma empresa lucrativa que rende dividendos ao estado. No terceiro trimestre de 2017, o lucro da Cedae subiu 9 vezes, para R$ 162 milhões. A companhia atende cerca de 12 milhões de pessoas em 64 municípios.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar investido em água e saneamento, há uma economia de 4,3 dólares em saúde global. Portanto, investimento em saneamento é investimento na vida humana. O Brasil atravessa uma crise política, que tem aprofundado a desigualdade social, estabelecendo amplos parâmetros de miséria e pobreza. Portanto, a discussão central perpassa sobre as prioridades do Estado, entre privilegiar o pagamento da dívida pública ou o papel social para a melhoria das condições de vida da população.
A engenharia desempenha função estratégica na formulação de políticas públicas rumo à universalização do saneamento. Nesse sentido, a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) formularam o projeto SOS Brasil Soberano, que é um movimento cujo objetivo é debater questões nacionais estratégicas em defesa da engenharia, da soberania e do desenvolvimento social. Outro Brasil é possível e, para isso, é preciso mobilização de todos os setores da sociedade.
* Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, pós-graduado em políticas públicas e governo, e presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), reeleito em 2017. Também é vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ). Clovis exerceu o cargo de Subsecretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro e foi Diretor Nacional de Água e Esgotos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, no período de 2003 a 2005. Profissional com mais de 40 anos de atuação no Setor de saneamento ambiental, na CEDAE. Clovis foi presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, eleito por dois mandatos.