Por Ubiratan Felix*
“O petróleo é nosso” é uma frase que se tornou famosa ao ser proferida pelo Presidente da República, Getúlio Vargas, por ocasião da descoberta de reservas na Bahia. Mais adiante, a citação tornou-se lema da Campanha do Petróleo, patrocinada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo (CEDPEN), que culminou na criação da Petrobras e no estabelecimento do monopólio estatal.
Este período histórico foi marcado por uma polarização entre os nacionalistas (representados por militares e partidos de esquerda que defendiam o monopólio estatal na exploração do petróleo) e os defensores do capital estrangeiro, destacando-se os economistas como Roberto Campos (avó do atual Presidente do Banco Central) e Eugênio Gudin, que pregavam o livre mercado na exploração, refino e distribuição.
Em 1941, foi descoberto o primeiro poço de exploração comercial, em Candeias, no Recôncavo Baiano. De 1939 a 1953,foram perfurados 52 poços no país com viabilidade econômica. Contudo, no início da década de 1950, o Brasil ainda importava 93% dos derivados que consumia.
A Constituição de 1946 permitiu a participação do capital estrangeiro nas atividades de exploração mineral,inclusive do petróleo. Em 1947 o Clube Militar, sediado no Rio de Janeiro. realizou uma série de conferências que deflagraram um movimento contrário à abertura do mercado ao capital estrangeiro e em favor do monopólio estatal. O General Juarez Távora defendia a abertura ao capital estrangeiro, enquanto o General Horta Barbosa sustentava o monopólio estatal.
Em 1948 foi lançada no Clube do Automóvel do Rio de Janeiro a campanha”O petróleo é nosso” – patrocinada pelo CEDPEN que reunia militares,intelectuais, estudantes, setores empresariais, militantes comunistas, setores empresariais e profissionais liberais. Foram aclamados com presidentes honoríficos do CEDPEN o ex-presidente Artur Bernardes e os generais Horta Barbosa e José Pessoa. O General Felicíssimo Cardoso foi escolhido como Presidente do CEDPEN, Cardoso era nacionalista feroz e chamado carinhosamente de “General do Petróleo”. Organizada em todo Brasil, a campanha mobilizou amplos setores da sociedade que eram liderados por entidades estudantis, empresariais, sindicais, partidos de esquerda e militares nacionalistas.
Na campanha de 1950, Getúlio Vargas, em campanha eleitoral, prometera em um discurso na Bahia uma lei de exploração estatal do petróleo. Este anúncio gerou euforia na esquerda e indignação dos liberais que afirmavam que o monopólio estatal era um “fetiche dos países subdesenvolvidos”
Após sua posse, Getúlio Vargas apresentou o projeto de criação da Petrobrás em 6 de dezembro de 1951. Em 3 de outubro de 1953 foi aprovada a lei n°2004 que criou a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) e instituiu o monopólio estatal de exploração, refino e transporte. Assis Chateaubriand, dono do maior conglomerado da mídia brasileira na época, o “Diários Associados afirmava, em 1954, “Vargas precisa desistir da Petrobras”.
No Governo Fernando Henrique Cardoso (sobrinho de Felicíssimo Cardoso) foi aprovado a Emenda Constitucional nº9/1995 que extinguiu o monopólio estatal e criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP). Outrossim foram instituídos leilões dos lotes e/ou blocos de petróleo que possibilitou participação do setor privado nacional e/ou estrangeiro na exploração, extração, refino, exportação e importação de petróleo e derivados.
No período de 2002 a 2016, a Petrobras retomou os investimentos focados no desenvolvimento da indústria naval, construção de refinarias, no desenvolvimento da pesquisa, tecnologia nacional e construção de refinarias. Com a descoberta do pré-sal foi necessária a aprovação do novo marco regulatório do petróleo, prevendo participação mínima obrigatória da estatal de 30% nos blocos exploratórios. Neste caso, a Petrobras seria a única operadora do pré-sal, por meio da adoção do sistema de partilha. Assim, as empresas proprietárias dos blocos seriam remuneradas em dinheiro, e não em óleo bruto.
Além disso, a empresa começou a seguir a tendência internacional de verticalização do setor, atuando no setor petroquímico, gás, energia térmica, gasodutos, distribuição de gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha), de gás natural de petróleo, etanol, biocombustíveis, ou seja, em toda cadeia de gás, petróleo e energia.
Em 2016, uma das primeiras medidas de Michel Temer foi modificar o marco regulatório do pré-sal, que possibilitou a retirada da Petrobras como operadora única, o fim da participação obrigatória da empresa de no mínimo 30% nos blocos exploratórios e a possibilidade das empresas exploradoras exportarem petróleo bruto.
Em 2018, com a posse de Bolsonaro, foi adotada a politica de desinvestimentos na estatal, contrariando a tendência das grandes petroleiras internacionais. Isso significa a transformação da Petrobras em uma empresa de exploração e perfuração de petróleo, expondo a estatal aos riscos das variações cambiais e do mercado do petróleo. Esta politica transformou o Brasil em um grande exportador de petróleo bruto, sendo que a maior renda neste setor está na distribuição e na venda dos produtos que são beneficiados e transformados pela indústria de petróleo. Ou seja, o país poderia seguir a tendência positiva de um ciclo produtivo da cadeia de petróleo com investimentos em produção, refino e distribuição, mas a atual política do governo exporta e entrega óleo bruto. Isso significa desnacionalização da economia, diminuição de emprego e renda e impacto direto no Produto Interno Bruto (PIB), além de afetar a soberania nacional. Os leilões dos campos do pré-sal – descobertos e mapeados pela Petrobras – foram acelerados com objetivo de excluir a empresa da exploração do pré-sal devido à necessidade de investimentos vultosos e entregar o nosso petróleo às empresas transnacionais do setor.
Uma revisão histórica das disputas pelo controle do petróleo e de seu caráter estratégico na geopolítica internacional é fundamental para compreendermos o atual cenário político. A Petrobras hoje é alvo de desmonte com a falta de investimentos em pesquisa e tecnologia e a venda para de seus produtos e recursos naturais para o mercado internacional. Em vários países do mundo, incluindo os EUA, o petróleo tem controle estatal e o Brasil se dedica a uma política de subserviência. Para garantir emprego, renda e desenvolvimento, é fundamental uma Petrobras robusta, com investimentos públicos e controle social. O petróleo é nosso e a Petrobras é brasileira.
Ubiratan Félix é engenheiro civil, professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA), presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA) e vice-presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge)
Fonte: Senge-RJ