Por Allan Hayama*
A soberania nacional é uma das principais bandeiras de resistência e luta no Brasil. É uma pauta que unifica um campo político e se expande em vários setores da sociedade, tais como o elétrico, petroleiro, educação, territorial, alimentar, comunicação, meio ambiente, águas, esgotamento, das engenharias, ciências e tecnologias.
Devemos garantir direitos iguais aos trabalhadores/as das áreas de engenharia, com valorização e contratação dos profissionais brasileiros, valorização da memória técnica na formulação de políticas públicas, abertura de postos de trabalho em concursos nas instituições de Estado (federais, estaduais e municipais), retomada da industrialização em território nacional, garantindo prioridade no aproveitamento científico destes profissionais.
O que vemos na política atual é um desmonte das empresas estatais e nacionais. A questionável Operação Lava Jato tem um papel central no desmonte da engenharia e na desnacionalização da economia brasileira, como o veículo “The Intercept” vem provando em consistentes reportagens. Com o pano de fundo de combate à corrupção, em vez de prender, acertadamente, os corruptos e corruptores, a Operação penaliza as empresas nacionais, afetando a soberania. Em lugar algum do mundo isso aconteceu e temos exemplos internacionais, como o da Volkswagen, na Alemanha, que por meio de ajustamentos de condutas e protocolos de ética e transparência seguem firmando parcerias e atuando normalmente no mercado.
Com o fechamento das empresas de engenharia nacional, as privatizações das empresas estatais, o fim da política de conteúdo nacional e a privatização das universidades públicas com o projeto “Future-se”, abre-se um debate central sobre a dependência e a autonomia da produção científico-tecnológica do próximo período.
A crise prolongada reforça o argumento da política de desindustrialização e a exploração das trabalhadoras e trabalhadores das indústrias brasileiras.
De 2016 até hoje, a Ford Motor Company – empresa automotiva com sede matriz em Camaçari – vem deteriorando, massivamente, a engenharia na Bahia. Isso porque temos acompanhado fechamento e reabertura do terceiro turno e Planos de Demissão Voluntária (PDV), inclusive com foco no “Smart Redesign” no Centro de Desenvolvimento do Produto (CDP), afetando prioritariamente os engenheiros.
Em 2016, as demissões no CDP começaram de maneira pontual, aumentando massivamente em 2018. Em 2019, foi implementado o “Smart Redesign”, que significa a reestruturação da Ford, demitindo os cargos de confiança (supervisores, gerentes e até mesmo diretores) e o fatídico fechamento da planta de São Bernardo do Campo. Com todas essas ações, a empresa saiu de um centro de desenvolvimento com quase 2.000 funcionários em 2013 para menos de 1.000 funcionários em 2019, ou seja, praticamente 50% de redução do quadro corporativo.
Cabe lembrarmos aqui o número significativo de isenção fiscal, as facilidades na logística em terrenos, a promessa de manter e aprimorar o Centro de Desenvolvimento de Produto com forte conteúdo nacional. No entanto, estes compromissos perduraram por pouco tempo. A partir de 2019, a Ford reduziu seu quadro funcional e de postos de trabalho. Todos os projetos globais e de grande conteúdo de engenharia foram retirados do Brasil, ficando apenas algumas localizações e adequações ao mercado nacional, ou seja, rebaixando qualitativamente nossa engenharia.
A MSX não ficou para trás e demitiu massivamente seus funcionários, saindo de quase 800 funcionários em 2013 para pouco mais de 200 em 2019, representando mais de 70% de redução de quadro.
Desde a implantação do Complexo FORD, em Camaçari em 2001, a MSX fornece mão de obra especializada, em sua maioria engenheiros(as), analistas de produto, designers, tanto no P&D (Centro de Desenvolvimento de Produto) quanto na manufatura (área de produção). Desde então, a Ford e MSX sempre se colocavam como empresas parceiras, equalizando os benefícios entre os trabalhadores da Ford.
Os funcionários da MSX exercem as mesmas atividades que os funcionários da FORD, tendo acesso às mesmas condições de trabalho, mesmo local e mesma estrutura (computadores, impressoras etc), treinamentos e inclusive viagens pela FORD para acompanhamentos de testes de certificação e homologação dentro e fora do país e respondem diretamente aos supervisores e gerentes da FORD. Apesar de serem empresas distintas, nenhuma ação, atividade ou aprovação dependia da aprovação da MSX e era encaminhada e aprovada pela Ford.
No que se diz respeito a pagamentos e benefícios os funcionários MSX recebem exatamente todos os benefícios que os funcionários da FORD que executam as mesmas funções. Dentre alguns dos benefícios estão:
- Participação sobre Lucro e Resultados (PLR) igual ao recebido por funcionários da FORD;
- Ônibus fretado com o mesmo valor de desconto em folha que funcionários FORD;
- Acesso ao refeitório com o mesmo valor de desconto em folha que funcionários FORD;
- Acesso ao centro médico.
Esta equivalência de benefício é garantida pelo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), por meio de negociação do Sindicato dos Metalúrgicos e da luta dos trabalhadores. Este sindicato representa todas as empresas que estão dentro do Complexo FORD que, por consequência, desenvolvem a mesma atividade-fim da empresa.
Neste ano de 2019, a MSX enviou um comunicado a todos funcionários avisando que a empresa mudaria de ”parceira” para “terceira”. Com esta mudança, a MSX fez uma reunião explicando que todos os benefícios (acima citados) seriam retirados e modificados do Acordo com uma nova regra que acarretaria em perda e depreciação de renda e benefícios. Segundo a empresa MSX, o Sindicato dos Metalúrgicos havia decidido não representar mais os trabalhadores alegando, unilateralmente, que a empresa havia mudado sua atividade-fim. Os funcionários da MSX continuam exercendo as mesmas atividades, com mesmos equipamentos e a mesma relação entre supervisão e gerência FORD. Nada foi alterado e os funcionários não identificam mudança de atividade-fim por parte da MSX.
Para não ficar desguarnecida em um acordo coletivo, a MSX enviou uma proposta de novo Acordo Coletivo ao Sindicato dos Engenheiro da Bahia (Senge-BA), confirmando a depreciação e perda dos benefícios. O Senge-BA apresentou a proposta da MSX aos funcionários que, imediatamente, a recusaram.
Com argumento falacioso de “empresa parceira”, a Ford afirma em seu site: “Processos e pessoas têm sido e sempre serão a chave para conseguirmos estes resultados”.
As perguntas que ficam são: quais processos? Quais pessoas? A proposta de retirada de direitos e rebaixamento salarial dá o tom das possíveis respostas e nós, trabalhadores da empresa, não somos considerados na atual política da empresa que privilegia suas matrizes e acionistas. Por isso, a cada dia, percorremos as plantas dialogando com os engenheiros e as engenheiras, com o objetivo de construir uma pauta unificada de valorização dos trabalhadores em defesa da engenharia e da soberania nacional. Muita coisa está em jogo e isso inclui os nossos empregos e o futuro do país.
Exploração, palavra maldita
Paulo Ayres
“Você lê várias coisas no jornal burguês Inflação do mês, futebol, congresso e dengue Sempre tem alguém para reclamar de corrupção Tudo bem, mas alguém fala sobre a raiz de tudo? Vamos ao ponto: trabalho assalariado é exploração
Burguês que é burguês gosta de jogar conversa fora Não se apavora até quando é xingado de mil nomes Agora, experimenta na ferida dele relar, faz favor É só você caracterizá-lo como agente explorador
Exploração: seja escrava, servil ou assalariada Realidade inevitável nas sociedades classistas
Você pode esquecê-la e ficar falando apenas dos efeitos Ou mirar na causa, e debater se é possível viver de outro jeito
No senso comum e na mídia essa palavrinha está ausente De maneira persistente, temos que colocá-la em destaque Só assim a essência vai emergindo para toda a população Torna-se visível a base deste sistema alienante que sufoca Em vez de futebol, o operário falará de parar a produção”
*Allan Hayama é Engenheiro de Produção e Diretor do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA)
Fonte: Senge-PR