ARTIGO: Gestão e Governança Metropolitana no Brasil, por Ubiratan Félix

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Por Ubiratan Félix

Antecedentes

De acordo com Rojas (2005 p.35), a America Latina e o Caribe caracterizam-se pela alta taxa de urbanização, de que resulta a formação de elevado número de cidades com características metropolitanas.

Para Rolnik, ( 1995), a cidade é um espaço coletivo no qual prepondera a necessidade de gestão, embora ela tenha se refeito e se auto-transformado no decorrer da historia. Entre esses espaços de relações produtivas e políticas, destacam-se os recortes urbanos que se estendem além das fronteiras legalmente definidas para as jurisdições. Tomando o conceito de cidade, entendido no Brasil com a Sede do Município (Souza,2003), verifica-se que alguns espaços urbanos congregam mais de uma cidade, seja como espaço conurbado, seja como aglomeração urbana ou como região metropolitana.

O processo de metropolização se configura pelo expressivo adensamento populacional em razão da dinâmica da economia e com a expansão física das aglomerações em áreas continuas de ocupação.

De acordo com “ Relatório de pesquisa Arranjos institucionais das Regiões metropolitanas no Brasil”, 15 aglomerados urbanos podem ser considerados regiões metropolitanas que são: Manaus, Belém,Fortaleza, Recife, Salvador,Belo Horizonte,Rio de Janeiro, Vitoria,São Paulo,Campinas, Curitiba,Porto Alegre, Goiânia, Rede integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF), nestes territórios concentram-se 37 % da população brasileira e 52 % do PIB. Segundo o estudo ( Observatório das Metrópoles 2005) deixou claro que existem diferenças substanciais quanto a integração dos municípios entendida como o adensamento dos fluxos econômicos e populacionais, disto resultam unidades regionais bastante diferentes quanto ao efetivo processo de metropolização, o que dificulta a construção de sistemas de governança metropolitana.

Este processo de estabelecimento de marco regulatório e de governança único para as diversas regiões metropolitanas foi agravado com transferência da competência de criação de regiões metropolitanas para os Estados, sendo que hoje existem 42 regiões metropolitanas, (sendo duas no Estado da Bahia: Salvador e Feira de Santana) com critérios distintos pelos diversos Estados da Federação, dificultando a definição de políticas publicas para as regiões metropolitanas.

Além disto a existência de atribuições constitucionais bastantes amplas e precisas para o ente federativo Municipal, se impõem como uma barreira para gestão do território conurbado cuja a escala é a intermunicipalidade( Moura 2000).

A convivência da competência estadual com autonomia municipal não tem sido pacifica, sem legitimidade e recursos orçamentários para coordenar as ações no seu território, restaria ao Estado coordenar ações em comum acordo com municípios metropolitanos.

A Preocupação com a gestão metropolitana não é recente, o debate se inicia nas décadas de 60 e 70, reunindo a academia e os órgãos de pesquisa, partidos políticos e órgãos de governo, em torno de problemas ligados ao processo de urbanização. Entre as décadas de 60 e 70 a taxa de urbanização saltou de 45 % para 56 %. Após a instalação do regime militar de 1964, a coordenação das politicas urbanas nos territórios metropolitanos foi assumida pelo Governo Federal, através do Escritório de pesquisa Econômica–EPEA, atual IPEA, sendo que as politicas setoriais eram operadas por empresas publicas, subordinadas a diversos ministérios, com garantia de recursos e agilidade na sua alocação, como o Banco Nacional de Habitação- BNH. A criação das regiões metropolitanas estava relacionada a politica nacional de desenvolvimento urbano, a expansão industrial e a consolidação das metrópoles como locus desse processo. Cabendo ao Governo Federal, tomar a iniciativa de integrar de forma planejada a ação do Estado e dos municípios nessas regiões. A percepção da importância econômica e politica das regiões metropolitanas levou a constitucionalização da matéria, conferindo a União a prerrogativa de instituir regiões metropolitanas por meio de lei complementar. A forma adotada era consistente com o modelo centralizador do governo do regime militar, que manteve as rédeas do processo, trabalhando junto aos órgãos estaduais responsáveis pela execução e coordenação das politicas setoriais no território metropolitano.

Rolnik e Somekh (2004) observam que as diretrizes federais, presentes na constituição de 1967 e na emeda constitucional de 1969 foram objeto de longa disputa politica. De fato, apenas em 1973 veio a luz a lei complementar 14, institucionalizando as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Entre outras determinações a Lei define os serviços de interesse comum e a estrutura de gestão metropolitana, composta por um conselho deliberativo apoiado por um conselho consultivo. O Conselho Deliberativo nomeado pelo Governador do Estado incluía um representante da capital e outro dos demais municípios. O Conselho Consultivo composto por representantes dos municípios seria presidido pelo Presidente do Conselho Deliberativo. A execução dos serviços comuns ficaria a cargo da entidade estadual, mediante a concessão a empresa metropolitana ou através de convenio. Além disto era assegurado recursos através dos organismos setoriais e com no mínimo 5% dos recursos do Fundo de Participação dos Estados ( Decreto Federal 73.600, de 08/02/1974). Posteriormente, pela Lei Complementar 20 de 01/07/1974,foi instituída a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, simultaneamente à fusão do Estado da Guanabara.

Em 1974 foi instituído a Comissão Nacional de política Urbana – CNPU (06/1974) e de financiamento – o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano – FNDU, criado pela Lei 6.256 de 22/10/1975, que conferia maior flexibilidade à alocação de recursos. Araujo Filho (1996,p65) destaca a preocupação federal com a constituição de uma base institucional e organizacional não afastava as pressões políticas sobre a alocação de recursos.

A governança metropolitana e a constituição de 1988

A identificação da política metropolitana com o regime autoritário que foi reforçada pela ausência de autonomia política destes municípios ( pois os Prefeitos inicialmente eram indicados pelo Presidente da Republica e depois pelos Governadores de Estado), os constituintes optaram por estabelecer a competência estadual para criação da região metropolitana, assim como o reconhecimento dos municípios como o ente federativo com competência para legislar e executar a : Política de desenvolvimento urbano, de regularização fundiária,elaboração do plano diretor municipal,Política de habitação,Política de transporte urbano, de coleta e tratamento de resíduos sólidos, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotamento sanitário,manejo de águas pluviais e etc.

De acordo com Gouveia (2005) a nova constituição traz ainda, como agravante, ignorar as diferenças marcantes entre os municípios brasileiros,atribuindo-lhe as mesmas competências, ignorando as diferenças de dimensão territorial, hierarquia urbana,poder econômico,população,assim como se a sede do município mantém integração sócio-econômica com outras sedes municipais. O urbanista Jorge Wilheim afirma que: A similitude que permeia a legislação tornou iguais em atribuições, cidades diversas em tamanho e função.

De toda forma, pode-se considerar, como Azevedo e Guia ( 2004b,p.101) que a constituição de 1988 institucionalizou “uma nova arena para o estabelecimento de acordo entre vários atores que atuam no cenário metropolitano”. Em 1995, os estados passam a exercer suas competências e desde então, criaram 21 novas regiões. As novas regiões têm regulação bastante diferenciada,havendo estados que tendo mais de uma região confere tratamento diferenciado a cada uma. Além da criação de novas regiões, o estado passou incluir novos municípios em regiões criadas por leis federais.

Com base nas estruturas de gestão anteriores os Estados dotaram as suas regiões de conselhos deliberativos, de conselhos consultivos e, em alguns casos, de órgãos estaduais( ainda que não exclusivamente voltados para a problemática metropolitana) e fundos financeiros ( até o momento,sem aporte significativo de recurso).

Segundo Azevedo e Guia ( 2004a p.17), a maior novidade é envolvimento da sociedade através de associações civis, de organizações não governamentais e entidades empresariais, principalmente nas câmaras técnicas setoriais Metropolitanas e nos conselhos de políticas publicas supramunicipais,entre outras.

De acordo com Azevedo e Guia (2004 a), a concessão formal de poder de decisão aos novos arranjos institucionais não foi acompanhado do necessário aporte de recursos financeiros. A estrutura de financiamento de ações quando prevista em lei é um dos pontos frágeis dos sistemas de governança,pois normalmente compromete os orçamentos dos Estados e Municípios, sem necessariamente estabelecer regras para rateio de despesas,onerando via regra o município Sede da região metropolitana. Por outro lado o estabelecimento de regras de rateio de despesas estabelecidas por lei estadual tendem a ser consideradas intromissão na autonomia municipal.

Uma novidade a destacar é a Lei 11.107, de 06 de abril de 2005, que dispõe sobre os consórcios públicos. Não apenas a norma legal oferece conforto jurídico para as operações, mas sua regulamentação, através do Decreto 6.017 de 17 de janeiro de 2007,dispõe que as transferências voluntárias dos órgãos e entidades federais se destinarão preferencialmente a Estados e Municípios,cujas ações sejam desenvolvidas através de consorcio público. Apesar do avança a maioria dos consórcios implantados abrigam políticas setoriais como: Saúde e destinação final de resíduos sólidos. A governança metropolitana não se resume ao somatório de execução conjuntas de políticas setoriais e sim na gestão cooperativa dos municípios na gestão do território metropolitano.

A questão metropolitana no Estado da Bahia

Na Bahia a Constituição Estadual de 1967 no artigo 105 já se previa a possibilidade de declarar área de relevante interesse para o “ A execução do plano de desenvolvimento econômico e social”, podendo ser constituída entidade especifica para administração do plano. Possibilidade ratificada pela constituição Estadual de 1989, que em seu artigo 6, diz que o Estado divide-se para fins adminstrativos em regiões metropolitanas, constituídas de agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Em 1970, a Lei 2.847 delimitou área metropolitana de Salvador em oito municípios. Em 1972 a lei 3064/72 ratifica a área como de relevante interesse e a Lei 3103/73 criou o Fundo Especial de Equipamento da Área Metropolitana do Recôncavo – FEAM, considerando sob esta denominação área metropolitana de Salvador. A região metropolitana do Salvador foi instituída por Lei Complementar Federal 14/73 contando inicialmente como oito municípios,aos quais se agregaram posteriormente outros dois municípios por desmembramento ( Dias D`Ávila e Madre de Deus), e mais 03 municípios – Mata de São João – Lei estadual 30/2008,São Sebastião do Passé – Lei Estadual 30/2008 e Pojuca – Lei Estadual 32/2009.

Atualmente a Região Metropolitana do Salvador é constituída pelos seguintes municípios:

  • Salvador
  • Camaçari
  • Lauro de Freitas
  • Dias D´Ávila
  • Simões Filho
  • Candeias
  • Madre de Deus
  • São Francisco do Conde
  • Itaparica
  • Vera Cruz
  • Mata de São João
  • São Sebastião do Passé
  • Pojuca

O organismo gestor criado pelo Decreto 20.353/67 foi a CONDER – Companhia de Desenvolvimento do Recôncavo, com a missão de formular estratégia para o desenvolvimento dos 37 municípios Recôncavo Baiano. O Conselho incluía uma comissão plena, com representantes do governo federal,estadual,Prefeito de Salvador,Reitores das Universidades,Federações de empresários e de trabalhadores da industriais e presidentes das instituições bancarias oficiais.

O Decreto 22.627/71 dispõe a reestruturação da CONDER. A Lei 3192/73 instituiu o conselho consultivo e deliberativo como previsto na Lei complementar federal 14/73.Este mesmo instrumento transformou o FEAM em Fundo Especial de Equipamento da Região Metropolitana de Salvador – FEREM,cujos os recursos eram geridos pela Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia – SEPLANTEC. O estatuto da CONDER foi aprovado pelo Decreto 24.178/74 e no mesmo ano, através da lei delegada 08, o conselho deu lugar à Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Salvador – CONDER, empresa pública vinculada a SEPLANTEC e na resolução 1/74 foi aprovado o regimento interno da Companhia.

Em 1975, o CONDER passa a vincular-se diretamente ao Governador do Estado,buscando superar os conflitos inter e intragovernamentais. O Decreto 24.741/75 aprova a alteração dos estatutos da CONDER.

Em 1986 com Eleição de Waldir Pires candidato do PMDB para Governador do Estado da Bahia, a Companhia passa por período de busca identidade, visto que muitas das ações realizadas pela companhia interfere a gestão dos Municípios, que estão readquirindo a sua autonomia municipal após 20 anos de Prefeitos nomeados, em muitos casos ação do Estado através da CONDER é vista como uma interferência indevida do Estado na autonomia municipal.

Em 1990, com o retorno do grupo político liderado pelo Governador Antonio Carlos Magalhães, a CONDER retoma a sua ação nos municípios da R.M.S como:

  • Elaboração e Implantação dos Planos Diretores de Limpeza Urbana;
  • Construção dos aterros compartilhados de Salvador/Lauro de Freitas/Simões Filho, de Camaçari / Dias D´Ávila, São Francisco do Conde/Madre de Deus/Candeias, e Vera Cruz/Itaparica;
  • Implantação do Programa de Educação Ambiental da Região Metropolitana do Salvador;
  • Doação de equipamentos de coleta em regime de comodato;
  • Contratação de empresas para realização do Gerenciamento dos Sistemas de Limpeza Urbana Municipal; e etc.

Em 1998 ocorre a fusão da CONDER com a URBIS, e a nova CONDER torna-se responsável pela execução e coordenação de toda política de desenvolvimento urbano, metropolitano e habitacional do Estado da Bahia ( decreto 7.543/99). Com esta mudança a Empresa apesar de ter suas atribuições ampliadas, perde o seu foco de empresa de planejamento metropolitano e de políticas publicas urbanas com ênfase na cooperação entre os entes federativos, para se tornar uma empresa de execução de obras de urbanização tipo: Praças publicas, Estádios de futebol, construção de arruamentos e avenidas e etc.

Atualmente a CONDER é vinculada a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia.

Conclusão

A gestão Metropolitana no Brasil é dificultado em grande medida pelo modelo federativo adotado pela constituição de 1988 que reconheceu o município como ente federativo, com competência próprias e exclusivas nas política publicas urbanas de : Regularização fundiária,transporte, saneamento básico, transito , entre outras, sem prever mecanismos de cooperação que permitisse a gestão compartilhada pelos municípios circunvizinhos e alguns casos entre os municípios e o Estado.

O aumento da população urbana e a formação de megalópoles formadas por municípios com conurbnação, onde os problemas relacionados a gestão do solo urbano, esgotamento sanitário,abastecimento de água, preservação da mata e dos rios, em diversos momentos desconhece os limites territoriais dos municípios. A solução e gestão destes e outros problemas exigem uma solução compartilhada pelos diversos entes federativos.

*Engenheiro Civil, Professor do IFBA e Presidente do SENGE -BA

(Foto: Pixabay)