Organizações populares, no entanto, seguem com acampamento à beira da Estrada de Ferro Carajás e podem voltar a ocupá-la se compromisso não for cumprido pelo governo federal
Trabalhadores e trabalhadoras do MST, do sindicato de garimpeiros de Serra Pelada, pequenos produtores rurais e juventude urbana do Pará, liberaram na quinta-feira (18) o trecho da Estrada Ferro Carajás (EFC) que havia sido ocupado no dia anterior. A concessão de uso da ferrovia é da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O ato é parte da Jornada de Lutas pela Reforma Agrária e em defesa dos recursos naturais do povo brasileiro.
O bloqueio da ferrovia foi suspenso após os manifestantes conseguirem agendar reuniões com representantes do governo do Pará e do governo federal. Esta última deve ocorrer em Brasília, ainda em outubro. As organizações populares, no entanto, não descartam que possam voltar a ocupar o trecho da ferrovia caso os compromissos não forem cumpridos. Acampamentos foram montados à beira da estrada de ferro.
A estrada transporta os minerais da maior jazida de ferro do mundo, a mina de Carajás. A paralisação da ferrovia se deu próxima ao assentamento do MST Palmares II, localizado a 20 km da cidade de Parauapebas. A política da CVRD de apropriação do meio-ambiente com o destino de exportação, bem como a contradição entre os altos índices de produção da empresa e, por outro lado, as duras condições de vida do povo local, foram as principais denúncias dos movimentos.
Dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – demonstram que, na região Amazônica, 295 mil pessoas dominam 11% de toda a riqueza produzida, enquanto 11 milhões de habitantes, metade da população da Amazônia, possuem 16% da renda per capita. As denúncias da mobilização vão mais longe. Estão direcionadas ao modelo capitalista exportador de matérias-primas, que se reflete na região na forma de expansão das monoculturas da soja e do eucalipto.
A mobilização se insere na ofensiva das organizações sociais que defendem a nulidade do leilão de privatização de venda da Vale do Rio Doce. Em um plebiscito popular com a participação de mais de 3,7 milhões de eleitores brasileiros, realizado no início de setembro, 94,5% dos brasileiros votaram pela retomada da companhia privatizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Reivindicações
A manifestação na ferrovia gerou uma pauta política direcionada para o governo federal, para a governadora Ana Julia (PT-Pará) e para a companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Entre as 15 exigências na pauta dos movimentos estão a reestatização da CVRD, assim como a criação de um imposto para os estados onde a mineradora desenvolve atividades (uma vez que a Vale hoje não aplica o Decreto-lei datado de 42 que prevê 85% dos lucros investidos em 14 estados).
Outra pauta é a da participação popular nos rumos da companhia, por meio de um Conselho Deliberativo com representantes do Estado, da CVRD e da sociedade civil “para discutir e deliberar sobre os projetos de mineração e de uso de recursos ambientais da região”. Os manifestantes exigem o aumento do pagamento de royalties para os municípios mineradores, que passem dos 4 aos 10% sobre a riqueza produzida. Os movimentos querem também mais investimentos nas áreas de saúde e educação em municípios na região de influência da Vale, como Paraupebas, Tucuruí e Marabá.
A manifestação mira também o fim da Lei Kandir, que exonera as empresas exportadoras de impostos, e ocorre ao mesmo tempo em que a Vale é questionada pelo Ministério Público em duas frentes: a primeira com processos trabalhistas; a segunda pela ampliação da produção de carvão mineral.
Um ponto importante toca na questão dos mineradores de Serra Pelada, que, segundo o manifesto dos movimentos sociais, sofrem repressão da CVRD, buscam autonomia em relação à empresa, e exigem a aprovação no Congresso Nacional de um estatuto do garimpeiro.
Por sua vez, a companhia deixou o silêncio que a caracterizou ao longo do Plebiscito Popular realizado entre 1º a 9 de setembro, exigindo a nulidade do seu leilão. Em nota de divulgação, a companhia clama pela retirada dos manifestantes com uso da força policial. Existe a possibilidade de intervenção da Polícia Federal e Militar, a partir de autorização judicial, requerida pela companhia.
“A CVRD está comunicando a invasão à Justiça Federal para que sejam tomadas as medidas judiciais cabíveis, inclusive quanto à mobilização de força policial, para retirada dos manifestantes. A CVRD espera que as autoridades tomem, o mais rapidamente possível, as providências necessárias para pôr fim à invasão e destaca sua perplexidade por ser alvo de manifestantes que apresentam reivindicações que não têm qualquer vínculo com a Companhia, como a defesa da reforma agrária e protesto contra o imperialismo”, diz o item 7, da sua nota.
A CVRD informa que transporta diariamente 1300 passageiros pelos seus trilhos – ainda que relatos apontem precariedade na condição de transporte para passageiros sem recursos. O apelo à presença policial para retirada dos manifestantes já havia sido feito pela companhia noutro momento. No dia 22 de agosto, em Belo Horizonte, durante ocupação pacífica de empresa pertencente a Vale, 136 manifestantes foram presos.
Fonte: Agência Brasil de Fato