Apagão no Amapá completa 7 dias. Engenheiro da Eletronorte alerta sobre a necessidade de reafirmar o setor público

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Nesta terça-feira (10/11), o apagão que atingiu o Amapá completa 7 dias. Provocada por um incêndio na subestação, a falta de energia atingiu 13 dos 16 municípios do estado. A responsável pela operação é a empresa espanhola Isolux, que foi notificada pela Justiça do Amapá a solucionar o apagão em até três dias. Em caso de descumprimento, a multa estabelecida é de R$ 15 milhões.

De acordo com a decisão do juiz João Bosco Soares, publicada na noite de sábado (7/11), a companhia deve apresentar em até 12 horas um plano de ações para o restabelecimento de serviço. Equipes da empresa pública Eletronorte (Sistema Eletrobras) foram enviadas ao local. O apagão provocado por uma empresa privada acontece no meio de uma agenda de privatizações capitaneada pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que incluiu todo o Sistema Eletrobras, que se tornou a maior empresa de energia elétrica da América Latina com um quadro técnico de funcionários públicos altamente qualificado. O que está acontecendo no Amapá coloca em xeque a atual política econômica do governo federal e amplia a luta das entidades de classe e sindicatos em defesa do patrimônio público.

De acordo com o engenheiro da Eletronorte e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado de Rondônia (Senge-RO), João Guilherme Moraes, o Estado brasileiro tem nas estatais do setor elétrico uma estrutura organizacional preparada por longas décadas para zelar pela soberania. “No entanto, observamos o propósito de desmonte, desestruturação organizacional, enfraquecimento técnico-administrativo por meio da redução dos recursos para investimentos, sucateamento, redução do quadro técnico e demissões qualitativas, objetivando sua desvalorização e depreciação diante da sociedade como justificativa para sua privatização”. O engenheiro alerta ainda sobre a estratégia das empresas privadas que visam apenas ao lucro até a quebra dos seus equipamentos e repasse dos ativos deteriorados para o Estado. Confira abaixo a entrevista completa do engenheiro.

FISENGE: O Amapá passa por um apagão devido a um incêndio na subestação da empresa Isolux. A que se deve esse incêndio?

JOÃO GUILHERME: São atribuições do Operador Nacional do Sistema (ONS) e da Aneel, agência federal do setor investigar as causas e enumerar as falhas cumulativas do apagão do dia 3 de novembro, no Amapá. A ocorrência foi atribuída por ação natural devido à tempestade de raios. Na anamnese do evento “apagão” por meio de análise das ocorrências registradas no sistema serão identificadas a causa, a avaliação das falhas e o posterior diagnóstico. Ficam algumas dúvidas: há falha no sistema de proteção da subestação, monitoramento e redundâncias? Há falha no desempenho da infraestrutura das paredes corta fogo, que não limitaram a propagação do incêndio aos demais equipamentos?

Ainda na análise técnica das falhas, podemos questionar também: há falha no sistema de proteção contra descargas atmosféricas e aterramento? Há falta de plano de contingência para continuidade da transmissão – sem equipamentos reservas, sem previsão de sobressalentes e instrumentos de manutenção? Há deficiência da gestão da manutenção e descrédito do plano de manutenção vigente? Há estudos de planejamento e ampliação do sistema elétrico do Amapá? São questões fundamentais que devem ser investigadas.

FISENGE: Há relatos de que não havia transformadores reserva. Quais deveriam ser as políticas de gerenciamento de crise?

JOÃO GUILHERME: É necessário aguardar o relatório do evento, mas em princípio o equipamento reserva estava em manutenção e os demais equipamentos sinistrados, sem segurança operacional, com possível falta de redundância para continuidade da transmissão. É de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia zelar pela continuidade do Sistema de Transmissão do Amapá, bem como estabelecer e definir competências para a solução da calamidade deste apagão.

FISENGE: O que ocorreu demonstra que falta um plano de emergência? Pode indicar falta de manutenção?

JOÃO GUILHERME: Sabemos que na política do “empreendedor privado” não há investimentos na Engenharia de Projetos e de Manutenção. Consequentemente, não há quadro técnico específico de engenheiros especialistas, dificultando a gestão dos ativos com elevado risco de falhas nas subestações e linhas de transmissão.

O blecaute do dia 3 de novembro, às 20h47, com o desligamento automático da SE Macapá 230/69 kV, sob responsabilidade  do consórcio (LMTE) Linhas de Macapá Transmissora de Energia, administrada pela empresa espanhola ISOLUX, até então responsável pela construção, operação e manutenção desta concessão, mostra ao povo brasileiro o quanto sofrerá e ficará refém das empresas que visam apenas ao lucro máximo até a quebra dos seus equipamentos e repasse dos ativos deteriorados para o Estado. A população sofre com penúrias as consequências desta privatização, agora exposta na forma de apagão e racionamento.

O mais humilde consumidor, que está em pânico e atormentado pela falta de energia, se perguntou no primeiro momento: “será que foi alguma conta atrasada minha?”. Logo percebeu que todos estavam sem energia e pensou em um segundo momento: “é falha técnica?”. A falha técnica está associada aos segmentos da engenharia de projeto e manutenção da concessionária Isolux. É de responsabilidade da Isolux o apagão no Amapá e os órgãos de fiscalização não podem apenas apreciar o descontrole das incertezas ou aguardar as denúncias, pois há princípios técnicos normatizados a serem cumpridos. Cabe aos órgãos de controle e à fiscalização federal a responsabilidade compartilhada de investigar o fato ocorrido.

FISENGE: Uma empresa privada é responsável pela subestação e agora a Eletronorte faz o auxílio com agentes públicos do sistema elétrico. Este é um processo recorrente de prejuízos provocados pelo setor privado e o Estado socorrendo?

JOÃO GUILHERME: É com clareza de entendimento e convicção que assistimos à presença do Estado brasileiro agindo na solução desta calamidade, pois é seu dever e sua obrigação constitucional. Apraz às estatais do setor elétrico atender ao chamado do Ministério de Minas e Energia. Assim, a ELETROBRAS e ELETRONORTE foram convocadas para restabelecer os serviços de energia elétrica no Amapá. O Estado Brasileiro nunca deveria entregar a terceiros o retorno e empenho cautelar da responsabilidade pública. Hoje, temos um trágico exemplo de má gestão materializada na forma de “apagão”, demonstrando que o modelo desenhado de privatização do setor elétrico não atende às expectativas da sociedade, pois há outros interesses que estão longe da excelência de atendimento ao consumidor.

Apreciamos e consagramos o desempenho e atuação da ELETROBRAS/ELETRONORTE no restabelecimento do sistema de Amapá, pois é da sua natureza e está no DNA do seu corpo técnico, ora reduzido, e de competência irrefutável. O Estado brasileiro tem nas estatais do setor elétrico uma estrutura organizacional preparada por longas décadas para zelar por esta soberania. Contudo, observa-se que há o propósito de desmonte, desestruturação organizacional, enfraquecimento técnico-administrativo por meio da redução dos recursos para investimentos, sucateamento, redução do quadro técnico e demissões qualitativas, objetivando sua desvalorização e depreciação diante da sociedade como justificativa para sua privatização.

Possivelmente, os trabalhadores da ELETROBRAS/ELETRONORTE que estão atuando em Macapá não estejam sensibilizados pelos agradecimentos dos seus feitos, mesmo sabendo que lhes é imputado um futuro incerto e sem perspectivas, diante do desmonte de sua empresa e de todo setor elétrico, passando pela engenharia. Todo o corpo técnico de trabalhadores da Eletrobras merecem todas as homenagens pela maturidade profissional e sagacidade durante décadas de atuação e elevado desempenho frente a todos os desafios.

FISENGE: Atualmente, o governo federal empreende uma agenda de privatizações, incluindo o Sistema Eletrobras. Este apagão no Amapá pode ocorrer em outros locais em caso de privatização? Como barrar as privatizações?

JOÃO GUILHERME: Podemos morar em condomínios, apartamentos, casas e até favelas, mas mesmo distantes e isolados uns dos outros, a invisível energia elétrica é o que nos une socialmente neste momento. Não podemos ser somente consumidores. Devemos resgatar a nossa soberania, pois energia elétrica é recurso estratégico para uma grande nação. Até o maior país imperialista do planeta reconhece e mantém o seu setor elétrico sob tutela do Estado. Nós ainda mantemos o pensamento colonial e entregamos nossos patrimônios a terceiros. Assim, voltaremos a beber água de cacimba, utilizar luz de lamparina e salmoura para conservar os alimentos.

O apagão abre uma janela de oportunidades para os questionamentos da sociedade e sua mobilização. Muito será perguntado e ponderado, pouco será informado ou respondido e nenhuma estratégia de engenharia de projeto e manutenção será estabelecida para evitar o próximo apagão. Fica o desafio para que as entidades do setor elétrico em conjunto com as entidades de classe e de engenharia possam definir novas políticas e diretrizes técnicas, objetivando a redução dos riscos de futuros apagões.

FISENGE: As soluções apresentadas pelo governo federal são de longo prazo, o que levará o reestabelecimento da energia em muitos dias, prejudicando a população. O que deveria ser feito?

JOÃO GUILHERME: É na crise e na emergência que surgem a competência e a solidariedade. Além do restabelecimento do sistema elétrico, percebe-se a necessidade de restaurar também a dignidade do setor público.

A portaria do Ministério de Minas e Energia que convoca a ELETROBRAS/ELETRONORTE para restabelecer os serviços de energia elétrica no Estado do Amapá definiu e concretizou quem é competente na solução desta calamidade, o próprio setor público. Reconhece, assim, a necessidade de ações imediatas, de curto e médio prazo para minimizar o desgaste da população amapaense pelo apagão.

Certamente, o agente público ELETROBRAS/ELETRONORTE tem neste momento a responsabilidade de elaborar ações céleres para o restabelecimento do sistema elétrico da LMTE em blecaute. Novamente, o setor público assume os problemas do setor privado, que privatiza os lucros e socializa as despesas. 

Fonte: Camila Marins (jornalista Fisenge)
Foto 1 engenheiro: Arquivo pessoal
Foto 2: Rudja Santos/ Amazônia Real/Fotos Públicas