Anúncio do ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, preocupa pela visão pouco soberana na costura de parcerias internacionais

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Quase uma década atrás, o matemático inglês Clive Humby tornou famosa a frase “Dados são o novo petróleo”. Ela marca a consolidação das redes sociais e o uso dos dados de usuários como ferramenta fundamental para o marketing e para ampliar o tempo de tela. Como aconteceu ao longo da história com diversas tecnologias, do velcro à internet, aquele início de século XXI assistia o uso civil de tecnologias que já eram consideradas sensíveis para o Estado há décadas. 

Dados, informações estratégicas são desde sempre a matéria prima para o planejamento da exploração de riquezas nacionais e o crescimento econômico e, por isso, a localização de jazidas minerais, reservas de água, recursos energéticos e outras riquezas naturais são exemplos de informações que, em grande parte, definem o futuro econômico e político de um país. 

Quando esses dados — ativos de segurança nacional — caem em mãos estrangeiras ou em empresas privadas sem regulamentação adequada, a autonomia nacional fica comprometida e as decisões estratégicas deixam de ser pautadas pelo interesse público. A posse e controle das informações críticas sempre foram imperativos para que a soberania de um país fosse mais que uma abstração.

Nada disso é novidade, mas o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, parece ter esquecido. Na abertura do Future Minerals Forum, em Riade, na Arábia Saudita, Silveira anunciou o investimento de R$ 8 bilhões da mineradora saudita Ma’aden para o mapeamento geológico no Brasil. A informação foi desmentida pela empresa saudita, e a matéria que anunciava os investimentos foi editada no site do MME, mantendo a parceria, mas ocultando os valores.

Perspectiva preocupante

Ainda que tenha sido desfeito o que parece ter sido um mal-entendido, o fato preocupa por evidenciar a lógica por trás de parcerias em setores absolutamente estratégicos, como o de pesquisa e reconhecimento geológico nacional, como destaca o diretor do Senge RJ, Felipe Araújo: “A questão principal é a perspectiva de país do ministro que, segundo o presidente Lula, está revolucionando o setor elétrico. Se essa é a perspectiva dele, trata-se de uma revolução não soberana e voltada à liberalização daquilo que é estratégico para o país. Entregar para uma empresa extrangeira investir R$ 8 bilhões para mapear o solo brasileiro, sem nenhuma perspectiva de participação de uma empresa estatal que, sob o comando dele, faz exatamente esse serviço, é perigoso”. 

Araújo destaca que, se não há R$ 8 bilhões para investir no mapeamento das riquezas do país, esse serviço deveria ter um acompanhamento por empresa brasileira que acompanhe o levantamento dos dados para que, ao receber os dados, se tenha certeza de que estão todos ali. “Dificilmente todos os dados serão entregues. A empresa provavelmente reterá grande parte das informações estratégicas porque se o investimento é privado, os interesses também são. A perspectiva mínima que deveria ter um ministro preocupado com a soberania do país, é a obrigatoriedade, em contrato, do acompanhamento técnico e posterior salvaguarda desses dados pela sua empresa estatal especializada nesse serviço, que é a CPRM, o Serviço Geológico do Brasil. Parte desses R$ 8 bilhões poderia ser destinada às equipes da CPRM para realizarem o acompanhamento, inclusive. Seria parte das condicionantes. Nossa contrapartida não pode ser apenas os dados, o próprio mapeamento, mas também a fiscalização disso tudo”, disse.

Outro ponto importante levantado pelo diretor do Senge RJ é a própria natureza do trabalho desses parceiros privados no Brasil. “Será que o interesse deles é apenas no mapeamento geológico? Depois desse mapeamento de todo o país, esses dados serão públicos? A empresa vai exigir que parte dessas informações fique em sigilo por alguns anos para que ela consiga lucrar com isso? O contrato leva em consideração a perspectiva de prospecção de jazidas minerais?”, destacou. Muitas perguntas ainda seguem sem resposta. E segundo a Aepet, já há parcerias no mesmo molde sendo articuladas para a área de óleo e gás. 

 

Fonte: Senge-EJ / Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ (com informações da Aepet) | Foto: Marcelo Camargo (Agência Brasil)