Grande parte da população economicamente ativa passa muitas horas do dia no trabalho, em contato direto com chefes e colegas. Pressão por prazos e excesso de demandas podem levar algumas a desenvolver doenças mentais como depressão, crises de pânico e ansiedade, ou mesmo agravar quadros já preexistentes.
No mundo, uma em cada oito pessoas vive com algum tipo de transtorno mental, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quase 60% dos casos são de ansiedade (31%) e depressão (28,9%), condições que cresceram 26% e 28%, respectivamente, desde a pandemia da covid-19.
Ainda segundo a OMS, o ambiente profissional é um dos principais para a adoção de medidas para prevenir problemas de saúde mental. O alerta consta do Relatório Global de Saúde Mental, divulgado pela OMS em junho de 2022. O documento destaca a importância de ações para garantir segurança, apoio e condições de trabalho decentes, bem como medidas que evitem discriminação a quem enfrenta esses problemas.
Além do trabalho, outros ambientes que requerem ações para promoção da saúde mental, conforme a OMS, são os lares, as comunidades, as escolas, os serviços de saúde e os ambientes naturais.
12 bilhões de dias perdidos
Sem que se aborde o tema de forma adequada, a Organização Mundial da Saúde alerta para impactos sobre o mercado de trabalho e a sociedade: perda de produtividade, maior risco de acidentes, redução de receitas, desemprego e elevação de custos sociais. Para se ter uma ideia, no mundo, estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos, anualmente, em decorrência de depressão e ansiedade. A conta contempla absenteísmo, presenteísmo (quando as pessoas vão para o trabalho, mas têm baixo desempenho) e rotatividade de pessoal.
“Locais de trabalho que promovem a boa saúde mental e a redução do estresse não apenas melhoram a saúde mental e física, mas também têm mais probabilidade de reduzir o absenteísmo, melhorar o desempenho e a produtividade, aumentar a motivação da equipe e minimizar a tensão e o conflito entre colegas”, diz a OMS no relatório.
Conheça algumas medidas que contribuem para que o ambiente de trabalho seja saudável:
Combate ao assédio
Para o médico psiquiatra Valdir de Aquino Ximenes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), organizações públicas e privadas devem implementar políticas de combate à cultura do assédio moral e sexual. Isso porque situações de humilhação, estresse e cobranças excessivas e obsessivas por resultados e produtividade são situações capazes de gerar ou agravar problemas mentais.
Esse tema ainda é um desafio no mercado de trabalho. Dados do TST apontam que, somente em 2022, foram ajuizadas mais de 77 mil ações trabalhistas relacionadas a assédio moral e mais de 4,5 mil a assédio sexual.
O enfrentamento ao problema é um dos focos de atuação do Programa Trabalho Seguro, da Justiça do Trabalho. Por meio dele, são realizadas ações voltadas à promoção da saúde do trabalhador, à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST).
Empatia e acolhimento
Desenvolver atitudes empáticas e compreensivas é fundamental para um ambiente mais colaborativo e respeitoso. Isso também dá mais segurança a quem enfrenta transtornos mentais.
“Devemos entender que todos estão sujeitos a isso e que não cabe juízo de valor”, alerta Valdir Ximenes. Ele ressalta a necessidade de prestar atenção às mudanças comportamentais ou à queda do rendimento dos indivíduos, o que “pode sinalizar, por exemplo, o início de um transtorno depressivo”. Dessa forma, gestores e colegas de trabalho podem adotar atitudes de apoio.
Na opinião da psicóloga Fabíola Izaias, da Secretaria de Saúde do TST, o ambiente corporativo deve ser, também, um espaço de acolhimento. “Precisamos produzir um ambiente saudável e acolhedor, levando em consideração os episódios individuais, fora ou dentro do trabalho, que interfiram no desempenho das atividades”, enfatiza.
Escuta ativa
Uma forma de exercer a empatia é dialogar e demonstrar abertura. Nesse processo, a chamada escuta ativa é uma prática essencial. Nela, você demonstra real interesse pela outra pessoa ao ouvi-la com atenção plena, fazendo com que ela se sinta segura para expressar opiniões e sentimentos.
Algumas técnicas contribuem para a escuta ativa na conversa. Uma delas é fazer perguntas abertas, como explica a fonoaudióloga Débora Brum, especialista em comunicação nos ambientes organizacionais. “Perguntas que não têm apenas o sim ou o não como resposta permitem que o diálogo efetivamente aconteça”, diz.
Outra prática é manter uma postura corporal e um tom de voz receptivos. “Deixar o corpo voltado para o interlocutor, olhar nos seus olhos, manter um leve sorriso, adotar um tom de voz mais suave e uma conversa mais pausada tendem a deixar o outro mais tranquilo e aberto àquilo que vai dizer”, pontua.
Combate ao preconceito
Para tornar o ambiente profissional mais saudável também é necessário combater o preconceito e o estigma que existe em torno de problemas de saúde mental. O relatório da OMS chama a atenção para estereótipos como os que associam os transtornos a características como fraqueza, preguiça, irresponsabilidade ou perigo.
“Apesar de toda a informação que temos hoje sobre doenças mentais, muita gente ainda duvida que o problema exista”, diz a presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, Renata Figueiredo. “É preciso reconhecer, avaliar a saúde mental dos profissionais que trabalham com você e se colocar à disposição dele ou dela, sendo flexível quando for necessário”, recomenda.
Impacto na integração e no desempenho
Segundo Débora Brum, comunicação aberta e transparente, postura empática dos gestores, espaço para exposição de ideias e opiniões e clareza sobre as tarefas e as expectativas de desempenho fazem toda a diferença nas equipes. Isso se traduz em segurança e tem impacto no desempenho do grupo.
O tema foi abordado no projeto Aristóteles, desenvolvido pelo Google, que buscou entender quais fatores contribuíram para que os times alcançassem alta performance. Depois de uma série de questionários, entrevistas e cruzamento de dados, concluiu-se que a segurança psicológica é fator essencial.
Experiência positiva
As empresas, assim, precisam desenvolver práticas voltadas à promoção de ambientes profissionais saudáveis e psicologicamente seguros.
No terceiro maior grupo hospitalar privado do país, o tema tem merecido atenção especial desde a pandemia da covid-19, que levou a organização a intensificar cuidados com a saúde mental de médicos e enfermeiros. Segundo o psiquiatra da instituição, Fábio Aurélio Leite, o projeto consistiu em mapear várias informações dos profissionais, como os principais motivos que levam ao desconforto no ambiente de trabalho, os fatores ambientais e de organização que geram mal-estar, além de detalhes das relações interpessoais. “Saber de todas essas informações foi fundamental para atuarmos junto aos gestores, direcionando nossos esforços para equipes com profissionais já diagnosticados com doenças mentais”, relata.
O psiquiatra enfatiza ainda que os gestores da rede passaram por capacitação sobre comunicação interpessoal e inteligência emocional. Outro ponto fundamental foi eleger uma pessoa de cada equipe para prestar atenção no comportamento desses colegas e reportar aos chefes imediatos fatos como isolamento, choro fácil, irritabilidade, distanciamento afetivo e pouca interação. Assim, os profissionais já seriam encaminhados para o setor de psicologia e/ou psiquiatria para acompanhamento.
O projeto continua em pleno funcionamento e só tem mostrado bons resultados ao longo do tempo. “Temos uma redução do estresse de forma imediata, além de melhorar a relação entre todos os colaboradores”, concluiu o psiquiatra.
Fonte: Juliane Sacerdote e Natália Pianegonda/CF/SECOM-TST
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil