A democratização e a nacionalização do acesso à ciência, tecnologia e inovação foram discutidas na última sexta-feira (28) na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), na capital federal. A relatora da sessão plenária que discutiu “Democracia e Cidadania – O papel da CT&I na redução das desigualdades sociais e na inclusão social”, Maria Alice Rezende de Carvalho, da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), destacou algumas dimensões consensuais apresentadas nos encontros preparatórios nos estados e municípios. Um dos aspectos mencionados foi a necessidade de melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis e a construção de uma cultura científica capaz de extrapolar a comunidade científica e se tornar um senso comum. “Isso atrairá os jovens para carreiras científicas e tecnológicas”, ressaltou.
Propriedade intelectual: uma polêmica
Um dos temas mais controversos do painel foi apresentado pelo diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowsky. Segundo ele, estamos numa crise civilizatória e precisamos mudar esse paradigma. Destacando a C&T em seu caráter de bem comum, afirmou que a civilização vai exatamente no sentido contrário: de um monopólio intelectual. E, para ele, um monopólio da Ciência é contra a própria Ciência. “É inviável pensar a Ciência como bem comum e ter a propriedade intelectual”, diz. Em sua opinião, a propriedade intelectual é um instrumento de desigualdade e exclusão social. E, por isso, surge na sociedade a demanda pelo princípio da precaução a fim de limitar a aplicação da Ciência. “Não é ser contra a Ciência. Demanda-se mais Ciência para saber as implicações para saúde e para o planeta em si”. Como exemplo, citou as dimensões éticas de temas como alimentos transgênicos, medicamentos, pesquisas com células-tronco, clonagem de seres vivos, gestão de territórios e mudanças climáticas.
Ainda, nesse sentido, Grzybowsky ressaltou os aspectos éticos e a democratização da Ciência. Segundo ele, no cerne da questão está a radicalização da democracia, enquanto modo de transformação social. “Não podemos escamotear essa situação. Devemos enfrentar a desigualdade”, afirmou. Ele lembrou que na origem dos padrões dominantes tratava-se de desmistificar os seres vivos e de garantir a supremacia dos seres humanos. Ainda hoje, o homem toma o patrimônio natural como esgotável, mas acredita que a Ciência é capaz de descobrir novos mecanismos e a tecnologia capaz de colocá-los em prática. “Ciência e tecnologia alimentam a ideia do progresso sem limites, possibilitando o consumo cada vez maior”. E essa situação é problemática.
Nesse cenário, destacou a necessidade de debater a C&T como bem comum, para a saúde do planeta, bem como suas implicações éticas. “Estamos diante da urgência de uma radicalidade. Precisamos transformar os nossos modos de pensar e os sistemas políticos, econômicos, científicos e técnicos que sustentam a própria ideia de desenvolvimento. Aliás, o desenvolvimento é o problema. Precisamos de alternativas para ele. A ruptura tem de ser total. Passar de uma civilização industrial e produtivista para uma biocivilização comprometida com a vida no planeta. Impõe-se uma grande revolução de mentalidade do sistema de valores. Precisamos superar a ideologia do progresso e voltar a colocar no centro a justiça social e ambiental como a ideia de bem viver para todas as pessoas. Há uma ditadura do pensamento econômico. Estamos colonizados por essa ideia e precisamos descolonizar as nossas próprias cabeças”, frisou.
A necessidade de mudança dos padrões culturais
Paulo Augusto Oliveira Itacarambi, diretor executivo do Instituto Ethos, destacou dois aspectos do desenvolvimento sustentável: o alto impacto socioambiental que têm as diversas atividades produtivas da economia e o padrão de consumo da sociedade. Assim, ressaltou que o aspecto mais importante é pensar como a C&T pode mudar o padrão da humanidade. “Nós temos na sociedade uma visão predominante de bem-estar e qualidade de vida fundada na cultura do consumismo e isso determina o comportamento do mercado e das pessoas na sociedade”. Nesse cenário, o mundo se vê tomado por uma crescente produção de resíduos que reflete o desperdício na sociedade, além da manutenção da pobreza, da baixa qualidade das relações de trabalho e do alto nível de formalidade decorrentes do modelo econômico atual.
“Como a C&T incide sobre esses fatores? A cultura da privatização da coisa pública não está apenas no Congresso Nacional, está disseminada na sociedade. Como reverter isso? Como aumentar o grau de investimento público e privado na inovação, e não apenas inovação tecnológica”, questionou. Para Itacarambi, a gestão do capital natural é fundamental e é feita de forma ineficiente. No entanto, ele afirma que o cenário que se apresenta é de oportunidades. “O que acontece é que a mudança da sociedade está indo num caminho muito restrito: está se deteminando apenas numa economia de baixo carbono. Se construirmos apenas isso e não aproveitarmos essa tendência e fizermos uma mudança no padrão da economia e nos contentarmos com a economia de baixo carbono, ós corremos o risco de mudar bens, produtos, tecnologias, mas não mudarmos as relações sociais, os padrões de consumo e o perfil dessas relações. Devemos ter uma economia que seja ao mesmo tempo inclusiva, verde e sustentável”, destacou.
As duas faces da inovação: instrumento e resultado
O chefe do Centro de Políticas Sociais vinculado à Fundação Getúlio Vargas Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Côrtes Neri, salientou que a inovação não é um processo automático ou espontâneo. “É nesse sentido que as capacidades internas, as instituições e políticas de apoio e incentivo à inovação assumem papel fundamental, ou seja, nada é espontâneo e as políticas são fundamentais”, disse. Além disso, para ele, a relação entre inclusão social e inovação não é linear. “A inovação pode ser vista como instrumento para a inclusão social e, ao mesmo tempo, o objetivo de aumentar a inclusão social e reduzir as desigualdades sociais pode ser o motor para o desenvolvimento de novos processos e produtos. É instrumento e é resultado”.
Para Neri, a inovação é ainda o motor do desenvolvimento econômico. Ela está no cerne da capacidade de inclusão social e de distribuição de renda. “Por isso, não pode haver processos contínuos sustentáveis sem inovação”. Em sua opinião, o aumento de emprego nos setores de produtividade e a redução da jornada de trabalho medidas que possibilitariam o incremento do nível de equidade na economia regional e permitiriam retornos crescentes. Por fim, afirmou: “a inovação reforça o papel do progresso técnico e da determinação da mudança estrutural. Sistemas produtivos mais complexos incentivam a geração de complementaridade e demandam mão de obra mais qualificada, facilitando a geração e o transbordamento do conhecimento”.