A imagem da mulher na mídia: entrevista com Rachel Moreno

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“A mídia que temos apresenta um modelo distante da diversidade da mulher brasileira. Ou seja, não nos representa”, conta Rachel Moreno, do Observatório da Mulher
A mídia e a mulher. Uma relação desigual e bem distante de representar a realidade de muitas brasileiras. A “ditadura da beleza”, estimulada pelos anunciantes dos veículos de comunicação, tem trabalhado na construção de certos padrões de mulher em detrimento de outros. O mercado aponta para determinados estereótipos baseado em um modelo eurocêntrico, em sua maioria. As imposições são formas de violência.Os comerciais, as novelas e as propagandas e imposições, geralmente, trazem a mulher branca, magra, heteronormativa com cabelos lisos e loiros. Já que neste mês, no dia 14, é comemorado e debatido o Dia Latino-Americano da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação, conversamos com a psicóloga e coordenadora geral do Observatório da Mulher, Rachel Moreno. Autora dos livros “A beleza impossível – Mulher, Mídia e Consumo” e “A Imagem da Mulher na Mídia – Controle Social Comparado”, Rachel analisou como os meios de comunicação moldam a imagem da mulher, de acordo com padrões de mercado.
Como você analisa a imagem da mulher nos meios de comunicação do Brasil?
A imagem da mulher é um caso específico do que a mídia faz com vários segmentos da população como os negros e os pobres, por exemplo. O tratamento dado à mulher acaba sendo mais acentuado. Quando a gente fala em mídia, falamos em interesses comerciais. No Brasil, 80% da decisão de compra é das mulheres. A mídia se utiliza de forma seletiva e sem nenhuma pluralidade em relação à mulher. Ela mostra um modelito de mulher e não mostra qualquer outro tipo de mulher diferente disso. As mulheres que aparecem na mídia são jovens, magras, bem comportadas, se vestindo do jeito que a sociedade acha aceitável. E as outras mulheres são ignoradas. Vivemos num país da mistura, e a mídia que temos apresenta um modelo distante da diversidade da mulher brasileira. Ou seja, a mídia não nos representa. Quando se trata de pegar a opinião da mulher, observamos que, mesmo que as mulheres apresentem quatro anos a mais que os homens em nível de escolaridade, os depoimentos que a mídia utiliza são sempre como testemunha ou vítima, nunca como especialista ou outro cargo de importância. Não há uma pluralidade, que ofereça diversidade de opiniões para que o público possa formar a sua ideia a respeito de determinado assunto.
E quais são as consequências dessa estereotipação da mulher e do uso de sua imagem como produto?
Primeiramente, a formação da subjetividade e da autoimagem acaba sendo determinada e influenciada pela mídia. À medida que o modelo está distante, que é para induzir o consumo de produtos para alcançar o ideal de beleza, as pesquisas mostram que a autoestima das mulheres vai lá para baixo. As mulheres brasileiras são as que mais se dispõem a fazer qualquer sacrifício para chegar à imagem idealizada. Não é à toa que o Brasil está em segundo lugar no ranking mundial de consumo de cosméticos, perdendo apenas para o Japão que é um país extremamente populoso. Depois, o estranhamento no sentido de não se reconhecer, e que acontece mais com a população negra. Os nossos problemas contemporâneos não estão refletidos na mídia, como, por exemplo, o que acontece quando a mulher pode gozar de uma sexualidade mais ativa, a vida profissional, quais são os problemas maiores da mulher brasileira. Isso não aparece na mídia. Aparece a representação dos preconceitos, que acabam realimentando os preconceitos presentes na cultura.
Aqui no Brasil, a imagem da mulher na mídia recebe muita influência dos modelos europeus. E nos demais países, de uma forma em geral, como a mulher é retratada?
A mídia monopoliza e oligopoliza, o que acaba servindo para dois interesses: criar consumidores para os anunciantes e estados de espírito, o que acaba tendo cunho político. Um exemplo interessante é o Canadá. A mídia começou com forte controle governamental por conta do medo de serem invadidos pela produção americana. Depois, passaram as regras para o controle das empresas. Antes, a mídia mostrava a super mulher, com filho, trabalhadora, que estuda, que se desdobra, que vai à luta. Agora, nos últimos anos, após ter passado o controle para as empresas, a mulher retratada é jovem, magra, linda e loura. Ou seja, produz o desejo do consumo para os anunciantes. Em outros países, dependendo da legislação, há uma diferença no tipo de mulher apresentada. No entanto, nos EUA, por exemplo, há uma sexóloga na TV americana, de cabelos brancos e que deve ter por volta de uns 70 anos, e que fala sobre sexo na TV. Acho difícil encontrarmos isso na nossa TV. Então lá, acaba tendo alguma coisa na necessidade de reproduzir a diversidade.
É inegável a influência da mídia e da publicidade na cultura. Já que possuem esse poder de influência, poderiam preencher sua função social ajudando a direcionar a cultura no sentido de promover os direitos humanos. No entanto, a mídia acaba reproduzindo os estereótipos e a mulherzinha do século XIX com roupas do século XXI. A mulher ainda responde por 90% do trabalho doméstico, e o homem apenas 10%. Por isso os altos números de violência contra a mulher. A nossa mídia brasileira acaba retratando a violência banalizando-a ou fazendo-a de espetáculo, quando há casos de pessoas famosas envolvidas, por exemplo. O que acaba estimulando a violência ao invés de inibir. Apesar de termos políticas públicas, a violência doméstica acaba sendo uma dura realidade que ainda assola fortemente muitas mulheres, e que é realmente alimentada pela cultura, que é realimentada pela mídia.
De que forma podemos mudar e romper com a visão machista e patriarcal da mulher nos meios de comunicação?
Uma pesquisa recente da Fundação Perseu Abramo perguntou o que a população achava dos meios de comunicação, da imagem da mulher, do nordestino, entre outros assuntos que são veiculados pela mídia, e, aparentemente, a maioria da população pensa que tem que ter certas regras e normas nos meios de comunicação. Isso não significa censura, e sim de estabelecer regras consensuais, implementar as normas, criar uma comissão de empresários, governo e a sociedade organizada para fiscalizar essa implementação. É por aí que a gente vai caminhar. Particularmente, o rádio e TV – que são concessão pública – não prestam serviço na sociedade? Isso é determinado pela constituição federal, pelos acordos internacionais, pelas políticas das mulheres. Isso tudo deveria ser implementado com a ajuda da mídia. Os donos dos meios de comunicação, muitas vezes, dizem que qualquer norma é censura. No entanto, em todas as leis nos 12 países que estudei enfatizam a mídia na formação da cultura e garantem a liberdade de expressão, só que esta liberdade não pode ser exercida em detrimento dos demais direitos humanos.