A Constituição não faz exceção para Elon Musk, que deve ser responsabilizado | Jorge Folena

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Elon Musk, empresário neoliberal de extrema direita, considera-se um quase-deus; sendo assim, acredita estar acima de todos, sendo intocável e não passível de responsabilização, por ser muito rico. Um ser debochado e prepotente e uma das mais tristes expressões do mundo atual, que vive da brutal concentração de renda e superexploração dos seres humanos, que alimenta a desesperança, atiça o ódio e o fascismo.

Essa concentração de renda somente se mantém mediante a violência e a crueldade impostas pelas classes dominantes globais, compostas por menos de 1% da população mundial, das quais Musk faz parte. Para darem continuidade ao processo de expansão do capitalismo e a manutenção do seu predomínio, esse senhores necessitam recorrer ao Estado de Exceção, como demonstrado por Giorgio Agamben, depois do 11 de setembro de 2001, ou estabelecem o chamado Estado de Direito Marcial, na denominação desenvolvida por Andrea Zhok. Ou seja, os neoliberais, além de serem incapazes de apresentar qualquer solução para a sobrevivência humana, promovem as ações que aprofundam o fracasso da sociedade capitalista.

O vazamento promovido por Elon Musk, por meio da sua empresa X (antigo Twitter), de documentos relativos ao ministro do STF Alexandre de Moraes, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além de expor o nome e a imagem do ministro (que poderá tomar as medidas que entender necessárias para defender e proteger a sua honra), constituiu um desrespeito às instituições brasileiras e à soberania do país.

A ação irresponsável do empresário e sua empresa X, uma das big techs (grandes empresas de tecnologia e inovação) que representam os interesses do neoliberalismo, que defendem o predomínio do mercado em lugar do controle e da intervenção do Estado na ordem econômica, me possibilita retomar o debate a respeito do papel do Poder Público na regulamentação das atividades econômicas.

Isto, sem dúvida, passa pelo território livre da rede mundial de computadores, no Brasil, onde esse debate tem ficado restrito à defesa de uma liberdade de expressão sem freios, em que toda tentativa de impor limites  é logo taxada de censura pelos neoliberais; mas são eles que promovem mundo afora a eclosão de estados de exceção (como o estado de sítio e de defesa e o emprego de garantia da lei e da ordem), alimentam a ruptura da própria ordem democrática e permitem que os fascistas alcancem cada vez mais espaço na sociedade.

Recordo-me de que, no governo Dilma Rousseff, quando se tentou estabelecer um controle econômico sobre os oligopólios dos meios de comunicação, a defesa apresentada pelas empresas de comunicação, concentradoras de capital, foi de que a proposta iria resgatar a censura ao país, da mesma forma que fez a ditadura de 1964-1985.

Mediante esse factoide, criaram um argumento falso para enfraquecer o debate sobre a necessidade de criação de freios aos abusos de poder econômicos praticados pelas empresas daquele segmento, que, em razão do seu poderio, se acham no direito, por exemplo, de mentir e não serem responsabilizadas. Assim, milhares de cidadãos e consumidores ficam desprotegidos em decorrência de ações indevidas destas empresas, que ganham fortunas com os anúncios de produtos e marcas divulgadas nas suas programações.

É importante lembrar que no governo anterior, do ex-presidente inelegível e defensor do neoliberalismo, o principal marco jurídico foi a denominada “lei da liberdade econômica” (Lei 13.874/2019), que estabeleceu que o Poder Público não poderia intervir sobre as ações empresariais, por mais duras que fossem as medidas tomadas pelas empresas e mesmo contrárias aos interesses do país e do povo.

A referida “lei da liberdade econômica” revogou a Lei Delegada 04, de 1962, que era um importante instrumento jurídico para evitar abusos de poder econômicos e garantir ao Poder Público intervir para assegurar o abastecimento de alimentos à população.

É importante afirmar que a Constituição brasileira estabelece que o Estado atuará “como agente normativo e regulador da atividade econômica”. Sendo assim, a Constituição não exclui a intervenção do Poder Público na economia e tanto é que o Estado não está impedido sequer de participar diretamente dos empreendimentos econômicos, podendo fazê-lo desde que estejam relacionados à segurança nacional e ao interesse coletivo.

Ora, se o Estado tem a prerrogativa de agir como empreendedor, tem mais ainda o comando constitucional para intervir na economia em casos de relevante interesse coletivo e para a preservação da segurança nacional, principalmente nos assuntos relacionados à circulação de informações pela rede mundial de computadores, quando sejam disseminadas notícias falsas que atentem contra a população e a soberania do país.

Ou seja, em situações excepcionais, é necessária a intervenção do Poder Público, a fim de evitar qualquer ação tendente à desestabilização da ordem social, política, jurídica e econômica. A regulamentação das atividades promovidas pelas big techs visava coibir os abusos promovidos por grupos econômicos, a exemplo do que fez Elon Musk contra Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e autoridade do Tribunal Superior Eleitoral, em desrespeito aos interesses da segurança do país.

Com efeito, a Constituição consagra a livre iniciativa e garante a liberdade econômica, mas isso não significa que o Estado não possa intervir na ordem econômica, como defendeu o governo do ex-presidente inelegível e defende seu amigo Elon Musk, uma vez que a Carta Constitucional estabelece os princípios fundamentais que devem nortear a sociedade brasileira, como a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho; a solidariedade; a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito; a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais; e a defesa do consumidor.

Esses são princípios fundamentais aos quais todo e qualquer mandatário está obrigado a respeitar e a seguir, a partir do momento em que toma posse no cargo. Por isto, não pode o Poder Público renunciar ao seu dever de agente fiscalizador e normatizador, determinado na Constituição, que lhe impõe a obrigação de agir para garantir e proteger a população, que é base e sustentação legítima do Estado brasileiro.

A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

“É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3 º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.” (ADI 3.512-ES, julgada em 15/02/06)

Assim, a livre iniciativa não é absoluta nem as empresas estão acima da sociedade, não dispondo de liberdade total para agir como bem entenderem, como fizeram de modo irresponsável Elon Musk e sua empresa X, ao divulgarem e exporem documentos sobre o ministro Alexandre de Moraes e o Tribunal Superior Eleitoral, devendo ambos ser responsabilizados pelas autoridades brasileiras, principalmente quando temos um governo comprometido com o campo democrático, popular e progressista.

Finalmente, em resposta a esse verdadeiro ataque ao país, a sociedade deve retomar de imediato o debate e promover com urgência a regulamentação das atividades destas empresas (Big Techs) no Brasil, uma vez que representam um grave risco à segurança nacional e ao interesse coletivo, o que justifica, nos termos da Constituição, a intervenção do Poder Público.

Fonte: stf/divulgacao / Sindicato dos Engenheiros