“A comunicação pública pode ser um contraponto às práticas predatórias do mercado”, defende conselheira da EBC Ana Veloso

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Realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV mostrou que para 65% dos entrevistados o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não se veem neste padrão.

O resultado do estudo aponta ainda que 84% concordam que o corpo da mulher é usado para promover a venda de produtos nas propagandas na TV; e 58% avaliam que as propagandas mostram a mulher como objeto sexual. Além disso, 70% defendem punição aos responsáveis por propagandas que mostram as mulheres de modo ofensivo. A pesquisa será uma referência ao concurso de vídeos de 1 minuto que o Instituto Patrícia Galvão realizará com início ainda neste ano.

Em entrevista, a jornalista Ana Veloso, professora da Universidade Católica de Pernambuco, colaboradora do Centro das Mulheres do Cabo (PE) e representante da sociedade civil no Conselho Curador da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), avalia os resultados do levantamento.

Para ela, os dados corroboram impressões que o movimento feminista discute há anos: a propaganda brasileira reproduz desvalores de raça, classe e gênero. “Vivemos, hoje, no século XXI, com modelos empresariais, totalmente ultrapassados nessas áreas. O machismo e o patriarcado, nesses espaços, denotam isso. Os resultados podem ajudar, inclusive, a sociedade brasileira a refletir acerca do papel social dos meios de comunicação, uma vez que quem produz esse tipo de propaganda (que chega a ser uma violência simbólica), quem veicula e quem paga por ela podem e devem ser penalizados, como revela a opinião das pessoas que se sentem agredidas por tais anúncios”, pontua.

Confira a entrevista.

Quais são, na sua opinião, os principais achados da pesquisa?

Os principais achados fazem referência a impressões que o movimento feminista discute há anos: a propaganda brasileira reproduz desvalores de raça, classe e gênero. E ajuda a reafirmar um estereótipo muito distante da vivência das mulheres reais que compõem nosso país, uma vez que os dados apontam que as entrevistadas não se sentem representadas pelos anúncios. É relevante que elas demonstrem insatisfação com a exibição de uma imagem que reforça o lugar doméstico e a condição de mãe, de esposa.

As informações do estudo deixam a sensação de que os/as profissionais de tais agências de publicidade e as grades curriculares das universidades (os cursos de publicidade e propaganda) necessitam de uma pesada formação na área de gênero. Já os clientes dessas agências, quando aprovam e investem seus recursos nessas produções, e racionalmente associam sua imagem aos valores que esses tipos de propaganda disseminam, concordam com a perpetuação de tais estereótipos femininos. Eles também devem ser responsabilizados.

A pesquisa revelou que a maioria não vê as mulheres da vida real nas propagandas na TV. Por que isso acontece?

Isso ocorre por conta do distanciamento entre o que as mulheres reais são, sua luta cotidiana, seus avanços e conquistas ao ascender à esfera pública, e como elas são representadas pela publicidade. Ouso dizer que esses anúncios são tão machistas e patriarcais como boa parcela da sociedade brasileira.

As propagandas podem reforçar estereótipos e preconceitos?

Podem e reforçam, sobretudo quando insistem em apresentar as mulheres como objeto voltado ao prazer masculino. Quando insistem em “coisificar” a mulher e apresentá-la como mercadoria.

Como você avalia que os resultados da pesquisa podem contribuir para o debate sobre a necessidade de uma mídia democrática, que respeite a diversidade da população brasileira?

Os resultados desse estudo devem ser incorporados pelas próprias agências de publicidade quando da elaboração dos materiais. Pensar assim é contraproducente para quem vive de tal negócio. Se essas produções permanecerem, teremos sinais de que esse modelo de negócios só serve para “vender” uma imagem distorcida das mulheres. Mas eles “vendem ” para quem? Para uma parcela da população masculina que não observa as mulheres como elas realmente são? Os resultados só reforçam a necessidade de uma mídia democrática, que represente a população. E eles podem nos ajudar a formatar, inclusive, nas grades curriculares dos cursos de publicidade e propaganda, disciplinas e conteúdos que discutam questões centrais de nossa sociedade, como as de classe, raça, gênero e orientação sexual. Vivemos, hoje, no século XXI, com modelos empresariais totalmente ultrapassados nessas áreas. O machismo e o patriarcado nesses espaços denotam isso. Os resultados podem ajudar, inclusive, a sociedade brasileira a refletir acerca do papel social dos meios de comunicação, uma vez que quem produz esse tipo de propaganda (que chega a ser uma violência simbólica), quem veicula e quem paga por ela podem e devem ser penalizados, como revela a opinião das pessoas que se sentem agredidas por tais anúncios.

 

A publicidade é parte essencial do modelo de negócios da TV comercial brasileira. Como a relação entre o anunciante e as empresas de mídia incide na baixa diversidade de representação captada na pesquisa? Quais os caminhos para a regulação e/ou autorregulação da publicidade com parcipação da sociedade civil?

Sou favorável à regulação. Em muitos casos, a autorregulação, no setor da publicidade, por exemplo, no Brasil, tem demonstrado avanços. No entanto, não podemos negar que, em uma sociedade altamente machista, racista e homofóbica como a brasileira, a autorregulação pode não ser tão eficaz, quando alguns conselhos não representam a própria diversidade e pluralidade identitárias nacionais. Talvez, um caminho seja a maior participação dessa diversidade presente na nossa sociedade em tais conselhos, com direito à voz e voto. No caso da radiodifusão, por exemplo, sou favorável à regulação cidadã, onde todos/as segmentos da sociedade possam expressar suas posições, de modo que o interesse público prevaleça.

A TV pública, por não depender de anunciantes e da publicidade, pode ser um espaço privilegiado de debate sobre a publicidade no país e sobre esse modelo único de mulher, distante da realidade? Como a mídia pública pode incidir, contribuir neste debate?

 

A comunicação pública pode ser um contraponto às práticas predatórias do mercado. A mídia pública, toda ela: tvs, rádios, agências de notícias, emissoras comunitárias e etc, têm um lugar realmente privilegiado no debate acerca da comunicação como um direito humano em nosso país. Deve abrir discussões sobre tais questões, pautar o debate e sair na vanguarda diante de uma mídia privada que muitas vezes não exerce essa função (ao menos como consideramos que deveria). Sendo assim, com o espaço que tem, essa mídia pode alavancar, inclusive, campanhas para que o público discuta essas questões, analise os conteúdos e as formatações dos produtos de mídia.

Os veículos públicos de comunicação têm o dever de estimular o telespectador e a telespectadora, no caso da televisão, a alcançar o status de uma audiência ativa, como elabora John Downning: Aquela que, dotada de senso critico, analisa, molda e atua de modo decisivo na produção de conteúdos. Os veículos públicos têm o dever de despertar nos cidadãos e nas cidadãs uma recepção analítica, própria de sujeitos que percebem seu protagonismo nesse lócus como fundamental para a defesa da democracia e dos direitos humanos.

Portanto, na era da sociedade do conhecimento e das multifacetadas formas de comunicação impulsionadas pela internet e anunciadas com a digitalização, as dimensões do diálogo, da comunhão de saberes e de experiências culturais e educativas dos meios públicos não podem ser esquecidas.

Fonte: Agência Patrícia Galvão