Não esquecer para jamais repetir. Essa era a palavra de ordem das cerca de 400 pessoas que encheram a Praça Lamartine Babo em 27 de março. O ato Ocupa Rubens Paiva, organizado pelo Senge RJ, pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e por dezenas de movimentos sociais, partidos políticos, associações e mandatos parlamentares, levou às portas do antigo DOI-Codi a luta daqueles que perderam a vida sem nenhum acesso à democracia — ontem e hoje.
O busto de Rubens Paiva — engenheiro, parlamentar e, desde a enorme repercussão de Ainda Estou Aqui, herói nacional — inaugurado há dez anos pelo Senge RJ e pela Fisenge, foi o epicentro do ato. Entre fotos e homenagens, o monumento recebeu pessoas de todas as idades, cores, credos e origens sociais, atraídas pela força representada pelo único parlamentar preso, torturado e assassinado pela ditadura civil-militar que dominou o Brasil e o seu povo por longos 21 anos, a partir do golpe militar de 1964.
A imagem eternizada em bronze de Rubens Paiva, ali, representava muitos outros presos políticos que, décadas atrás, cruzaram com vida os portões do quartel da Polícia Militar, do outro lado da rua, mas jamais saíram de lá.
“Quando decidimos colocar o busto de Rubens aqui, em frente ao DOI-Codi, dez anos atrás, muitos nos perguntaram se queríamos afrontar o exército brasileiro. O que queríamos é que este local fosse lembrado por todos os brasileiros e brasileiras como um espaço onde as vidas de muitos foram ceifadas. Rubens é símbolo dessa tortura e da resistência, é um orgulho ver a sua história contada ao mundo. Que nunca mais tenhamos no Brasil tortura e ditadura. O lugar dos que as defendem é fora do país ou atrás das grades”, defendeu Clovis Nascimento, vice-presidente do Senge RJ.
Homenagens pela memória
O presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, falou sobre o retorno à praça na Tijuca e sobre os planos para transformá-la em um espaço de memória com um objetivo claro: adentrar o quartel do 1º Batalhão de Polícia do Exército, antigo centro de torturas da inteligência do Exército. “Queremos colocar nesta praça o busto do jornalista Mário Alves, tamém morto naquele prédio. Queremos, também, colocar uma placa com os nomes de cada desconhecido que foi torturado e morto neste local. Ocuparemos esta praça até ocuparmos, finalmente, o quartel com um museu por memória e justiça.
A memória, segundo Roberto Freire, presidente da Fisenge, a luta contra o autoritarismo da extrema-direita não é apenas uma lembrança do passado, mas um alerta para o presente e o futuro. “Precisamos saber que existe gente nesse país que é fascista, torturador. E eles não param nunca. Temos que ser vigilantes o tempo todo. Isso precisa ser alertado nas escolas, tem que estar nos livros de história. Essa é uma luta permanente, que não acaba nunca porque o fascismo não desaparece. Está aí esse ser abjeto que foi presidente da República até outro dia, que dizia que deveriam ter desaparecido mais pessoas. Precisamos estar sempre vigilantes. Rubens Paiva estará junto conosco”, destacou Freire.
“Ainda estamos dançando à beira do precipício. Este pessoal que hoje está sendo julgado, que chora com medo da cadeia, pretendia implantar uma ditadura, com campos de concentração, inclusive. Temos que estar organizados, mobilizados, para construir um outro ideal de nação. Com a igualdade, liberdade, democracia, soberania como palavras de ordem. Uma nação para nós mesmos.”, finalizou o presidente do Senge RJ, Olímpio dos Santos.
Durante o ato, a deputada Dani Balbi (PCdoB RJ) entregou moção à família Paiva, representada pelos presidentes do Senge RJ e Fisenge.
Horror cotidiano
O ato político lembrou que, embora o sistema de governo tenha mudado formalmente, a democracia burguesa segue convivendo pacificamente com o terror promovido pelo braço armado do Estado. Gabrielle Abreu e Janaína Alves representaram aqueles que vivem hoje os horrores comumente atribuídos ao passado: a primeira representa o Instituto Marielle Franco e a segunda, o Movimento Mães Vítimas de Violência do Estado. Dois movimentos de resistência nascidos da brutalidade de servidores da “segurança” pública. Elas foram acompanhadas por Walkiria Nicheroy, do Centro Cultural de Cidadania e Economia Criativa, no Morro do Palácio, em Niterói.
Na mesa de abertura, elas lembraram que, nas periferias e comunidades, pouco mudou da ditadura para cá. Ainda hoje, a história de Rubens se repete nos morros e nas vielas das favelas. Raptos, desaparecimentos, mortes causadas pelas forças policiais não ficaram no passado. Acontecem agora, neste momento, pela cidade e pelo país. Importam o CEP, a cor da pele, a conta bancária. Direitos ainda são relativos e a democracia só é real quando alcança a todos e todas.
Mobilização
O ato, que contou com a reapresentação da exposição “Engenheiro Rubens Paiva, Presente”, foi organizado a partir do final de fevereiro e, ao longo das semanas de preparação, reuniu um número expressivo de entidades e movimentos.
Além do Senge RJ e Fisenge, que lideraram o processo, o ato contou, em sua realização, com o Movimento SOS Brasil Soberano; Clube de Engenharia; Levante Popular da Juventude; Frente Internacionalista dos Sem Teto; Deputada Marina do MST; Grupo Tortura Nunca Mais; Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça; Mandato da deputada federal Jandira Feghali; União da Juventude Socialista; União de Negras e Negros pela Igualdade; Mandato da deputada estadual Dani Balbi; Mandato da vereadora Maíra do MST; Mandato da deputada estadual Verônica Lima, Mandato do deputado federal Reimont; Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas; Central de Movimentos Populares do Brasil; Associação Brasileira de Imprensa; Unidade Popular, Associação Profissional dos Geógrafos no Estado do Rio de Janeiro, União Brasileira de Mulheres, TV Comunitária, Núcleo Macacos Vila Isabel, Movimento de Pequenos Agricultores.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ | Fotos: @mareguedes