Bustos de Rubens Paiva, inaugurados pelo Senge RJ e Fisenge há uma década, recebem homenagens e atos na Tijuca e na Pavuna

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No último fim de semana, com o carnaval soando suas primeiras cuícas, um bloco carnavalesco que percorria a Tijuca encerrou seu cortejo na Praça Lamartine Babo, diante do busto de Rubens Paiva. Inaugurado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e pela Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) em 2014, o monumento está localizado em frente ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Defesa Interna (DOI-Codi). Foi nesse local que Rubens Paiva foi assassinado pela Ditadura Militar, em 1971.

Em torno do busto, foliões e ativistas celebraram sua memória ao som de “Cálice”, de Gilberto Gil e Chico Buarque. O evento reuniu centenas de pessoas que acompanhavam o bloco “Tô no Oscar”, homenageando uma tijucana ilustre: Fernanda Torres. A atriz, que passou parte da vida no bairro, disputa o Oscar de Melhor Atriz durante o domingo de carnaval por sua atuação no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. O longa, premiado internacionalmente, conta a história de Eunice Paiva, esposa de Rubens, o único parlamentar sequestrado e morto pelo regime militar. Engenheiro, sindicalista e defensor da função social da profissão, Paiva é agora oficialmente reconhecido como herói nacional.

Foi essa dedicação à engenharia e ao impacto social que definiu o local do segundo busto de Rubens Paiva: a estação de metrô que leva seu nome, na Pavuna. O monumento está próximo ao conjunto habitacional que ele ajudou a construir e que também leva sua homenagem. O presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, relembrou a história à Veja Rio:

“Segundo a filha de Rubens Paiva, Eliana, ele tinha muito orgulho dessa obra, que ofereceu moradia digna a pessoas humildes. Nada mais justo do que ver seu nome na estação, próximo ao conjunto habitacional que ajudou a erguer”.  Clique aqui para ler a matéria da Veja Rio.

O Senge RJ e a Fisenge, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organizam um reencontro com a homenagem prestada a Rubens Paiva em 2014. O evento Ocupa Rubens Paiva será realizado no dia 27 de março, às 15h, e está sendo articulado em reuniões abertas à sociedade civil, todas as terças-feiras, às 17h, no auditório do Senge RJ.

Além dos bustos, a homenagem de 2014 incluiu uma exposição itinerante sobre Rubens Paiva, que recebeu cerca de 180 mil visitantes por mês. Clique aqui para acessar a versão virtual da exposição.

Nos últimos dez anos, os bustos da Tijuca e da Pavuna se tornaram parte da paisagem urbana, muitas vezes passando despercebidos por trabalhadores e moradores em seu dia a dia. Mas Ainda Estou Aqui mudou esse cenário.

Memória e resistência: a cidade abraça a homenagem

Dirigentes do Senge RJ e da Fisenge vêm acompanhando com orgulho a nova mobilização em torno dos bustos. O que começou como um ato solitário do sindicato, em 2014, tornou-se um marco de luta e resistência.

“Fizemos essa homenagem para lembrar a trajetória de um engenheiro brutalmente assassinado pela ditadura. Não esperávamos que, dez anos depois, nossa ação estaria inserida nesse momento de reconhecimento mundial da história de Rubens Paiva. Tudo isso nos honra muito”, destaca Olímpio Alves dos Santos.

No dia 11 de janeiro, um ato político reuniu manifestantes em torno do busto na Tijuca, reivindicando o tombamento do prédio onde Rubens e outros 52 presos políticos foram mortos. Organizado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Grupo Tortura Nunca Mais RJ e ONG Rio de Paz, com apoio da Justiça Global e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (Núcleo-RJ), o evento pediu ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que transforme o local em um centro de memória e resistência contra os regimes de exceção.

O crescente número de pessoas que visitam os bustos, registram fotografias e participam de manifestações chamou atenção da imprensa. No último dia 21 de fevereiro, o tema foi destaque no O Globo e, dias depois, no G1 e no Bom Dia Brasil.

Mas, embora pareça uma novidade impulsionada pelo filme e pelo reconhecimento histórico tardio, essa tradição já existia. Vera Paiva, filha de Rubens e Eunice, e irmã do escritor Marcelo Rubens Paiva, revelou em entrevistas que, há anos, os bustos são um ponto de encontro para a família e amigos.

“Toda vez que vamos ao Rio de Janeiro, levamos flores e homenageamos meu pai. Meus amigos e os amigos dele tiram fotos ao lado do busto. Desaparecidos políticos não têm túmulo. Por isso, no Dia de Homenagem aos Mortos e Desaparecidos, visitamos os bustos”, contou ao Fórum Café, no ano passado.

Agora, a família Paiva e seus amigos não estão mais sozinhos. O Brasil os acompanha.

Por um espaço permanente de memória e luta

Enquanto o quartel da Polícia do Exército não se transforma em um museu da resistência, Olímpio Alves dos Santos defende que a praça onde o Senge RJ instalou o busto de Rubens Paiva, na Tijuca, seja consolidada como um espaço permanente de memória e luta contra o autoritarismo.

“Temos que ocupar cada vez mais aquela praça. Estamos articulando com a ABI para inaugurar um busto de Mário Alves, jornalista e político torturado até a morte naquela pocilga que segue em pé na Rua Barão de Mesquita. Queremos também instalar uma placa com os nomes de todos os que foram assassinados ali. Temos que ocupar a praça continuamente. Seguir lembrando para jamais deixar que se repita”, afirma Olímpio.

A história não perdoa

Em 2014, Rubens Paiva foi homenageado pelo Congresso Nacional. Na ocasião, o então deputado Jair Bolsonaro xingou e cuspiu no busto diante da família, amigos e parlamentares.

Ironicamente, no momento em que a história de Paiva ganha o mundo através da arte — ferramenta tão atacada pela extrema-direita —, Bolsonaro é denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por envolvimento na trama golpista que culminou na invasão dos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Finalmente, mesmo que tardiamente, a arte e a justiça prestam tributo à verdade, à memória de Rubens Paiva, aos desaparecidos políticos e aos sobreviventes dos porões da ditadura militar brasileira. No entanto, o caminho para que o Brasil supere definitivamente o fantasma do autoritarismo ainda é longo.

“O Exército resiste à ideia de transformar o quartel em um museu da memória e da verdade. Alegam que o quartel e o local de tortura eram coisas diferentes, mesmo dividindo o mesmo espaço em períodos distintos. Isso é uma vergonha. Deixa evidente que ainda escondem os facínoras que torturaram e mataram ali dentro. Nem todos participaram, mas quando se acoberta crimes dessa natureza, todos se tornam cúmplices”, finaliza Olímpio.

 

Fonte: Senge-rj / Texto: Rodrigo Mariano | Foto: Agência Brasil / Arquivo Senge RJ