Uma manobra durante o processo de privatização da Eletrobras, que foi vendida a preço abaixo do valor pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), de até R$ 40 bilhões, expõe mais uma faceta de como a venda da estatal foi direcionada para favorecer alguns grupos econômicos.
É o caso dos votos a que têm direito o governo federal nas decisões da diretoria da Eletrobras. O governo tem 42,6% das ações, mas o peso dos seus votos é de apenas 10%. Antes da venda a União detinha 72% das ações e com a capitalização deixou de ser o acionista majoritário. Porém, nenhum acionista sozinho tem a maioria das ações.
Agora o governo Lula está questionando essa clausula junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pedida pela Advocacia-Geral da União (AGU), na sexta-feira (5). A ADI é assinada também pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o governo a decisão de que ninguém poderia exercer o direito de voto de acordo com o número de ações que possui deveria valer apenas para quem comprasse ações acima de 10% após a privatização, e não valesse para quem já tinha maioria antes da venda.
“Essa ação no Supremo é bem limitada e não questiona a privatização em si, mas a malandragem foi feita para que grupos econômicos privados pudessem ter o controle da Eletrobras”, conta Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros da Eletrobras (Aesel).
Segundo ele, o controle acionário da Eletrobras está dividido entre o governo que tem maioria; os grupos Black Rock, o soberano de Cingapura – cada um com em torno de 4% a 5% das ações – fundos privados com cerca de 1,5% e o Grupo 3G com apenas 0,05%, mas é este menor grupo, o 3G, que dá as cartas no controle da empresa, já que conseguiu articular no Congresso Nacional a privatização, e agora se articula com os pequenos acionistas como a XP, o número de votos necessários para aprovar suas decisões. Ikaro diz ainda que tanto o fundo de Cingapura como o Black Rock não se articulam com os pequenos acionistas como faz o 3G.
“Foi o que aconteceu recentemente quando o governo quis trocar dois conselheiros nomeados por Temer e mantidos por Bolsonaro, mas com apenas 10% dos votos, eles vão continuar em seus cargos até 2024. O governo também tentou manter o representante dos trabalhadores do Conselho Administrativo da empresa, mas foi derrotado”
“ A desculpa para que ninguém tivesse maioria de votos foi a de que um grupo estrangeiro poderia ter o controle da Eletrobras. Isto é uma balela. O que não disseram é que se a empresa der prejuízo quem arca com o pagamento é o governo brasileiro que tem maioria das ações”, explica.
“É inconstitucional que o governo perca poder dentro de uma empresa em que é majoritário, sem nenhuma contrapartida. Eles compraram a Eletrobras sem gastar um mínimo de dinheiro, e se ela tiver prejuízos o governo que vai ter de pagar, e quem na verdade paga são todos os brasileiros”
Ministro do TCU questionou venda da Eletrobras
Durante o processo de votação no Tribunal de Contas da União (TCU), que daria o aval para a venda da Eletrobras o ministro Vital do Rêgo, que votou contra, elencou seis irregularidades na privatização da Eletrobras, com enormes prejuízos aos brasileiros e ao país.
1 – Perda de controle acionário da Eletronuclear
O processo de privatização da Eletrobras pode levar à privatização também da Eletronuclear, por causa de uma dívida entre as empresas. Se a Eletronuclear não pagar R$ 2,7 bi a Eletrobras, os acionistas privados da empresa, após sua venda, terão direito às ações da Eletronuclear e com acesso a informações e tecnologias nucleares. Isso impede que a ENBPar assuma o controle da Eletronuclear. A ENBPar é a estatal criada para gerir a Eletronuclear a Itaipu Binacional, que não serão privatizadas junto com a Eletrobras. Além disso, segundo Rêgo, parte desses dividendos será pago a acionistas privados após a perda do controle da Eletrobras, com prejuízo de R$ 743 milhões à União;
2- Subavaliação da Itaipu Binacional
Pelas contas do governo a Itaipu Binacional vale apenas R$ 1,2 bilhão, o que na opinião do ministro Vital do Rego, está sub avaliado. De acordo com análise técnica, a Itaipu deve valer cerca de dez vezes mais do que os R$ 1,2 bi.
3 – Avaliações diferentes de duas empresas diferentes
O ministro contestou a contratação pelo BNDES de duas empresas diferentes que avaliaram o valor da Eletrobras. Cada uma avaliou a partir de diferentes critérios, o que resultou numa diferença de R$ 30 bilhões no valor avaliado.
4 – Poison Pill e Golden Share
Poison Pill – A “pílula do veneno” consiste em uma regra que se um acionista venha a ultrapassar determinados limites de participação acionária seria penalizado com a obrigação de realizar oferta pública para a aquisição das quotas dos demais acionistas. O percentual de cláusula de “poison pill” É conflitante com a participação acionária igual ou inferior a 45% que a União terá ao final do processo de capitalização da Eletrobras.
Golden Share. São ações que valem maios (ações douradas, preferenciais). A pílula do veneno impede que impede acionista de ter mais de 50% das ações – não consta nos autos critérios adotados.
5 – Interfere na Política Nuclear do país
As entidades que têm como tema afeito à política nuclear do país não foram ouvidas, nem a Comissão Nacional de Energia Nuclear, nem a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, já que a privatização da Eletrobras interfere no controle acionário da Eletronuclear.
6 – Endividamento líquido ajustado
A avaliação da Eletrobras está cheia de erros, o que provoca um prejuízo, uma diferença de R$ 30,64 bilhões no cálculo do endividamento líquido da Eletrobras.
“Há uma série de inconsistências formais, erros grosseiros de contabilidade, de apreciações mínimas necessárias de regulamento, regimentos”, disse em seu voto p ministro Vital do Rêgo.
Fonte: Rosely Rocha/CUT
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil