As instituições democráticas reagem às investidas das gigantes de tecnologia (big techs) contrárias ao chamado Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/20) que estabelece regras para conter crimes e abusos na internet. Ministério Público Federal, Ministério da Justiça e senadores anunciaram medidas para apurar a conduta das plataformas ante a possibilidade de terem de assumir compromissos e procedimentos para conter a disseminação de fake news e discursos de ódio em seus serviços.
O Ministério Público Federal (MPF) questionou oficialmente o Google sobre as razões para a plataforma de pesquisas na internet exibir em sua página de abertura, desde a tarde de segunda-feira (1º), a mensagem: “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O clique no link leva o internauta a uma página com um artigo contra o projeto de lei, assinado pelo diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda.
Por sua vez, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou que vai encaminhar denúncia de práticas abusivas cometidas pelas big techs à Secretaria Nacional do Consumidor. A decisão foi tomada pelo ministro após denúncias apresentadas pela organização de combate à desinformação Sleeping Giants Brasil.
Abusos
Segundo o relato do grupo, conhecido por expor digitalmente empresas que cometem abusos e crimes no mundo digital, o Google estaria usando a própria plataforma para atacar o PL, enquanto que o Twitter estaria deslogando as contas de usuários que se manifestam em favor da regulação das redes sociais, dificultando a navegação.
“Estou encaminhando o assunto à análise da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, à vista da possibilidade de configuração de práticas abusivas das empresas”, escreveu Dino, em sua conta pessoal. O ministro afirmou, ao anunciar a decisão, que o governo está defendendo “o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, como está escrito na Carta Magna.”
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) postou, também no Twitter, que irá além das providências tomadas pelo ministro da Justiça e anunciou que vai pedir abertura de inquérito no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), “por possível infração contra a ordem econômica (Lei 12.529/12) por abuso de posição dominante”.
“Solicitarei ao Cade, cautelarmente, a remoção do conteúdo, abstenção de reiteração de práticas análogas e fixação de multa no valor máximo de 20% do faturamento bruto, além do bloqueio cautelar nas contas bancárias do Google”, acrescentou.
“Quatro linhas”
O PL das Fake News cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e estabelece obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca na sinalização e retirada de contas e conteúdos considerados criminosos. A relatoria do projeto, que é do Senado, é do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).
O parecer preliminar do PL deve ir à votação na Câmara dos Deputados hoje (2), após os deputados terem aprovado, há uma semana, o regime de urgência para a matéria no que foi considerado uma derrota pelas alas conservadoras da Casa. Ainda resta dúvida, contudo, sobre se há consenso entre líderes partidários para que a matéria seja de fato chamada para votação.
Orlando Silva também acusou nesta segunda (1º) as grandes empresas de tecnologia de “ação suja” contra o projeto que busca regulamentar as redes sociais no país. O parlamentar esteve no ato das centrais sindicais pelo Dia do Trabalhador, na capital paulista. “Nunca vi tanta sujeira em uma disputa política. O Google, por exemplo, usa sua força majoritária no mercado para ampliar o alcance das posições de quem é contra o projeto e diminuir de quem é favorável ao projeto”, disse o deputado.
No mesmo evento, o parlamentar ressaltou à reportagem da RBA que “esse projeto não é do governo e não é da oposição. É um projeto que interessa ao país.”
Jogando contra o PL das Fake News
Em relação ao ofício do MPF expedido nesta segunda-feira, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo usou como base um estudo feito pela NetLab (Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para fazer os questionamentos.
A NetLab fez um cruzamento de dados que indicou que buscas no Google relacionadas ao PL 2630 exibiam majoritariamente resultados com o termo “PL da Censura”, que é o nome usado pela oposição contra a regulamentação das plataformas,.
Para os pesquisadores, esses dados podem indicar que “o Google vem usando os resultados de busca para influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o projeto de lei”, conforme o relatório.
Reunimos evidências de que o Google vem apresentando resultados de busca enviesados para usuários que pesquisam por termos relacionados ao projeto de lei, insinuando que as buscas são por ”PL da Censura” e não pelo nome oficial “PL 2630” (…), ou o nome usado pela imprensa ‘PL das Fake News’”
O relatório, disponível online, também aponta denúncia de influenciadores e youtubers, que disseram ter recebido comunicados da plataforma YouTube afirmando que teria menos recursos para monetizar canais em caso de aprovação do PL das Fake News.
MPF dá prazo ao Google
Diante dessas informações, o MPF solicitou que o Google preste informações sobre os critérios que nortearam os resultados de busca sobre o termo “PL 2630” em um prazo de 10 dias. “Na hipótese de uma empresa modular seu buscador para oferecer às pessoas que procuram saber sobre dado assunto uma versão específica e que lhe aproveita, ela estaria atuando em prejuízo do direito à informação que diz promover”, escreveu o procurador Yuri Corrêa da Luz.
Em nota, a empresa afirmou que as alegações sobre ampliação de alcance de páginas com conteúdos contrários ao projeto de lei são falsas.
Fonte: CUT