Nos últimos anos, o país registra o crescimento do trabalho informal, reflexo da ausência de políticas sociais, do desemprego e do arrocho salarial. Mesmo aqueles que há anos trabalham “por conta”, percebem que a situação está cada vez mais complicada.
É o caso de Rosa, 38 anos. Há 18 anos, ela trabalha como comerciante nas ruas do Centro Histórico de Porto Alegre. Vendendo cremes, perfumes e outros cosméticos, ela conta que consegue se sustentar “quando a venda tá boa”, mas destaca que “ultimamente, tá complicado”. Ficou ainda pior com a pandemia.
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Rosa nunca trabalhou com carteira assinada. Perguntada se gostaria de ter uma renda certa, responde que só se fosse por um valor justo. Não gostaria de ter que trabalhar para alguém, “ser humilhada” e ainda receber um salário baixo.
Mínimo deveria ser cinco vezes maior
De acordo com o IBGE, o país registrou no último trimestre cerca de 12 milhões de brasileiros sem trabalho. Além da instabilidade no mercado de trabalho, outro fator a ser considerado é o custo de vida, refletido no valor da cesta básica. Porto Alegre registra a terceira cesta básica mais cara entre todas as capitais, fechando o mês de abril custando R$ 780,86.
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Com base neste valor, o Dieese aponta que um trabalhador que ganha um salário mínimo – hoje R$ 1.212,00 – gasta 69,65% do seu rendimento com o básico para sustentar uma família de quatro pessoas. Segundo cálculos do Departamento, o salário mínimo necessário deveria ser de R$ 6.754,33, ou 5,57 vezes o montante atual.
“Ganho hoje somente para o básico”
O Brasil de Fato RS conversou com alguns trabalhadores informais de Porto Alegre para saber como está a realidade deles diante deste cenário.
Lucas, por exemplo, tem 30 anos e faz curso de tecnologia visando um emprego formal. Há quatro meses, sua principal fonte de renda é como entregador de bicicleta por aplicativos. Antes disso, trabalhava no comércio na área de informática. “Ganho hoje somente para comprar o básico.”
“Devagarzinho, a gente tira um dinheirinho”
Também entregador de bicicleta, Ezequiel, 53 anos, está na atividade desde o início de 2022. “É um extra. Trabalho com carteira assinada faz 24 anos”, relata. Afirma que, se pudesse, gostaria de poder trabalhar em um emprego apenas caso tivesse um salário suficiente para se sustentar.
Outra que vive por conta própria é Serli, 60 anos. Ela mantém um brechó na avenida Borges de Medeiros, junto com uma amiga. Trabalha no negócio há mais de cinco anos. “Devagarzinho, a gente tira um dinheirinho”, diz. Ela já trabalhou no mercado formal como empregada doméstica.
“Na rua não se ganha nada”
Vivendo na mesma incerteza está Obama, 30 anos, vendedor de rua há pouco mais de um ano. Imigrante, vindo de Angola, tem experiência como auxiliar de cozinha. Mas não consegue emprego na sua área apesar dos muitos currículos que espalhou. “Gostaria de ter um trabalho formal, com carteira assinada, pois na rua não se ganha nada”, desabafa.
Trabalhando diariamente, conta que não consegue ganhar o suficiente para se sustentar e ainda ajudar a família. “Com trampo legal, ninguém fica na rua”, afirma.
Quando foi entrevistado, em torno das 15h, tinha recém comprado um prato de comida, com os R$ 10 que havia ganho até então naquele dia. “A gente tenta ganhar um dinheirinho, mas não ganha o suficiente para viver. Não mesmo.”
“Posso ir na Igreja Universal”
Há quem pense diferente. “Quando começou a pandemia, fui demitido. Aí, fui trabalhar numa obra, mas não quiseram assinar a minha carteira. Então, comecei a vender doce.” Quem narra esta mudança é Mariano, 28 anos. Mas ele não acha ruim. “Quando trabalhava com carteira assinada, ganhava o mínimo. Agora ganho mais”, explica. Ele e sua esposa Taís, 27 anos, vendem caixinhas de doce na rua, junto com a primeira filha de 8 meses. “Quatro por R$ 10”, anuncia. “Tenho até tempo no fim de semana para ir na minha igreja, que é a Universal”, descreve.
Loreni, 42, também está no ramo da doçaria. “Antes vendia roupas e outras coisas”, rememora. Com uma boa féria, consegue até cursar a faculdade de Psicologia. “Nunca trabalhei com carteira assinada. Vim do Interior, de Júlio de Castilhos, de família pobre e trabalhava como doméstica”. E quanto ganhava? “Não me pagavam salário. Só comida e roupa”. Segundo ela, gosta de estar na rua, se relacionando com as pessoas. “Eu produzo os doces pela manhã, vendo à tarde e estudo à noite. E gosto muito do que faço, de estar nas ruas conversando com as pessoas.”
“Abraçaria um emprego com as duas mãos”
Aos 39 anos, Israel, casado, duas filhas, pede ajuda nas sinaleiras. Auxiliar de produção em cinco firmas diferentes, está desempregado já faz cinco anos. “Conseguia bicos em obras, mas fui demitido quando aconteceu a pandemia. Agora não me chamam nas obras”, lamenta. A esposa trabalha à noite em um bingo onde recebe R$ 50 a cada oito horas trabalhadas.
“Se eu pudesse voltar a trabalhar com carteira assinada iria abraçar com as duas mãos”, diz. Enquanto o emprego não vem, o jeito é levantar sua placa na hora em que o sinal está vermelho e pedir auxílio. “Se a gente não arruma dinheiro, ganha arroz e feijão e já ajuda em casa. Tem gente ruim, mas tem gente muito boa. Que ajuda.”
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Ayrton Centeno
Fotos: Alexandre Garcia