NOTA PÚBLICA CONTRÁRIA AO PROGRAMA NACIONAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CIVIL VOLUNTÁRIO E AO PRÊMIO PORTAS ABERTAS, INSTITUÍDOS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.099/2022
O FÓRUM INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS, integrado por entidades de classe e de representação do mundo do trabalho e do campo social, organizações de trabalhadores(as), professores(as) e pesquisadores(as), vem, publicamente, manifestar sua contrariedade à Medida Provisória nº 1.099/2022, publicada no Diário Oficial da
União do último dia 28 de janeiro.
A Medida Provisória (MP) nº 1.099 foi editada para estabelecer o “Prêmio Portas Abertas” e o “Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário”, que se assemelha bastante ao Programa Nacional de Prestação de Serviço Voluntário, inserido na MP nº 1.045/2021, rejeitada pelo Senado Federal depois de amplo movimento das organizações que defendem os direitos sociais, inclusive por meio de notas técnicas, cujos fundamentos ora são parcialmente reproduzidos.
A pretexto de diminuir o número de desempregados(as) do país e de enfrentar os impactos econômicos da pandemia da Covid-19, o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário cria uma modalidade especial de contrato, destinada a pessoas entre 18
(dezoito) e 29 (vinte e nove) anos ou acima de 50 (cinquenta) anos, a cargo dasadministrações municipais, sem os direitos trabalhistas e previdenciários decorrentes dos vínculos de emprego.
Cumpre assinalar que, no Brasil, o trabalho voluntário já é regulamentado pela Lei nº 9.608/98, que explicita seus contornos, nos termos do art. 1º, a seguir transcrito:
Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.
O Programa, se instituído, violará frontalmente o modelo de proteção social estabelecido pela Constituição, que, em seu art. 1º, demonstra absoluto apreço pela valorização do trabalho, pressuposto para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e para a redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos fundamentais da República. Atentará, outrossim, contra o princípio da igualdade, seja por distinguir condições de trabalho, a despeito da identidade de funções, seja por permitir a admissão de pessoas em situação de vulnerabilidade, como trabalhadores(as) de segunda categoria, circunstância que perpetuará o ciclo da pobreza.
Acresça-se que a proposta está fundamentada em diretrizes comprovadamente equivocadas, pois é notório que a redução de direitos ou a fragilização do sistema de proteção trabalhista não promove necessariamente o incremento da economia, mormente porque a diminuição da renda do(a) trabalhador(a) provoca significativo impacto na demanda por bens e serviços, com danos e prejuízos à própria higidez econômica que a Medida Provisória alegadamente se propõe defender.
Ressalte-se que as mesmas premissas nortearam a reforma trabalhista de 2017, cujos efeitos foram contrários aos prometidos, segundo os dados da PNAD-C do IBGE, que evidenciam expressivo aumento da informalidade, do desemprego e da subcontratação, bem como a exclusão de cerca de 80 (oitenta) milhões de cidadãos(ãs) do mercado formal de trabalho e o severo comprometimento dos investimentos e da capacidade de consumo.
Trata-se de mais uma tentativa de aumentar a ocupação por vias precárias, sem que se proporcionem emprego e renda de qualidade, utilizando-se de processo que, além de acirrar a concorrência e de aprofundar as assimetrias do mercado de trabalho brasileiro, traz sérios riscos à própria democracia, penalizando ainda mais pessoas já particularmente vulneráveis, sobretudo mulheres e jovens.
A nova modalidade de contratação proposta mostra-se, aliás, contraditória em sua própria denominação, porque se rotula de “voluntário” um trabalho cuja remuneração é prevista, sem, contudo, a garantia de direitos que, por expressa determinação constitucional, resultam da generalidade das relações empregatícias, com o evidente propósito de desvirtuar o trabalho voluntário prestado a entes municipais.
Registre-se que o impropriamente denominado “Serviço Voluntário”, a par de caracterizar verdadeiro enriquecimento sem causa da Administração Pública, implicará renúncia fiscal, com dimensão e efeitos não previamente mensurados, pois não haverá o correspondente recolhimento das contribuições previdenciárias e para o Regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O Programa, ao permitir, no âmbito dos Municípios, a sistemática contratação de prestadores(as) de serviços, a partir de processo seletivo simplificado, também fere a exigência do concurso público, objeto do inciso II do art. 37 da Constituição da República, pois não se enquadra em qualquer das exceções previstas nos incisos V e IX do mesmo dispositivo. Some-se a isso o potencial de agredir frontalmente os princípios
da impessoalidade e da moralidade, em virtude da possibilidade de favorecimentos pessoais e da aptidão para gerar capital eleitoral.
Frise-se que, embora seu prazo de validade, de acordo com o § 4º do art. 1º da MP 1.099, expire em 31 de dezembro de 2022, o caput do art. 3º utiliza-se do termo “anual” para fixar o limite máximo das horas pertinentes às atividades de qualificação profissional, dando azo, até pela ausência de vedação expressa, à interpretação de que os contratos naquele prazo firmados poderão, mesmo após a expiração, ser sucessivamente prorrogados.
Deve-se rechaçar, finalmente, a criação do “Prêmio Portas Abertas”, cuja finalidade é
incentivar as administrações municipais a contratarem sob a égide do novel Programa,
apesar da flagrante violação de direitos constitucionalmente declarados fundamentais.
PELO EXPOSTO, as entidades subscritoras, integrantes do FÓRUM
INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS, convictas de que o Programa Nacional de Prestação
Civil de Serviço Voluntário é inconstitucional e de que, se instituído, contribuirá para o
agravamento da precarização das relações de trabalho, defendem a devolução da Medida
Provisória nº 1.099/2022 ao Poder Executivo Federal.
Brasília, 08 de fevereiro de 2022.
Assinam:
Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho – ANPT
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA
Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT
Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho – SINAIT
Central Única dos Trabalhadores – CUT
CSP-Conlutas
Força Sindical
Intersindical Central da Classe Trabalhadora
Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST
União Geral dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul – UGT/RS
União Geral dos Trabalhadores do Estado do Ceará – UGT/CE
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Asseio e Conservação – CONASCON
Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio – CNTC
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT – CONTRACS
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria – CNTI
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria Gráfica, da Comunicação Gráfica e dos
Serviços Gráficos – CONATIG
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos – CNTM
Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT – CONTRAF-CUT
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade – CONTRATUH
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal – CONFETAM-CUT
Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – FENAE
Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de
Informática e Similares – FENADADOS
Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de
Mesas Telefônicas – FENATTEL
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE)
Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações –
FITRATELP
Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais –
FESAAEMG
Federação Sindical e Democrática dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais
Federação dos Sindicatos de Metalúrgicos da CUT no Estado de São Paulo
Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino
Superior Públicas do Brasil – FASUBRA SINDICAL
Federação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços do DF – FETRACOM-DF
Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário – SINPAF
Sindicato das Advogadas e dos Advogados do Estado de São Paulo – SASP
Sindicato dos Bancários de Brasília
Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região
Sindicato dos Servidores da Câmara dos Deputados, Senado Federal e Tribunal de Contas da
União – SINDILEGIS
Sindicato dos Empregados e Trabalhadores em Empresas de Transporte de Valores e Escolta
Armada do Rio Grande do Sul – SINDIVALORES/RS
Sindicato dos Ferroviários nos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais – SINDFER ES/MG
Sindicato dos Trabalhadores em Clubes e Federações Esportivas no Estado do Rio Grande do
Sul – SECEFERGS
Sindicato dos Trabalhadores no Comércio do DF – SINDICOM-DF
Sindicato dos Trabalhadores Refrigeristas, Técnicos em Lavadoras e Ar Condicionado e
Trabalhadores nas Oficinas de Peças de Refrigeração e Veículos Automotores, Ciclomotores e
Similares do Estado do Ceará – SINDGEL/CE
Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal – SINTTEL/DF
Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
Observatório Sindical Brasileiro Clodesmidt Riani – OSBCR
Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora – ABRASTT
Associação dos Funcionários do BNB – AFBNB
Associação Fluminense de Advogados Trabalhistas – AFAT
Academia Pernambucana de Direito do Trabalho – APDT
Associação Americana de Juristas – AAJ-Rama Brasil
Associação Baiana de Advogados Trabalhistas – ABAT
Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia – ABJD
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET
Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas – ACAT
Associação Goiana da Advocacia Trabalhista – AGATRA
Associação da Advocacia Trabalhista de Jundiaí – AATJ
Associação de Advogados Trabalhistas de Alagoas – AATAL
Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas – AATC
Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal – AATDF
Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Ceará – ATRACE
Associação da Advocacia Trabalhista do Estado do Pará – ATEP
Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná – AATPR
Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Piauí – AATEPI
Associação dos Advogados Trabalhistas de Pernambuco – AATP
Associação dos Advogados Trabalhistas de Santos – AATS
Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP
Associação Fluminense de Advogados Trabalhistas – AFAT
Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas – AGETRA
Associação Juízes Para a Democracia – AJD
Associação Latino Americana de Advogadas e Advogados Laboralistas – ALAL
Associação Latino Americana de Juízes do Trabalho – ALJT
Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA
Associação Norte-Rio-Grandense de Advogados Trabalhistas – ANATRA
Associação Sergipana de Advogados Trabalhistas – ASSAT
Coletivo Por Um Ministério Público Transformador – Transforma MP
Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores
GT Mundos do Trabalho do CESIT/Unicamp
GT Direito do Trabalho e Teoria Social Critica da Faculdade de Direito do Recife da
Universidade Federal de Pernambuco – FDR/UFPE
Movimento da Advocacia Trabalhista Independente – MATI
Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista – REMIR-Trabalho