A economista e cientista social Tânia Bacelar de Araújo e o economista João Pedro Stédile apontam caminhos para o futuro do país
Por Luciana Santos (Senge-PR)
Nesta sexta-feira, 10 de setembro, o tema do 12º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge), com patrocínio da Mútua e apoio do Crea-RJ, foi “Resistir e Reconstruir um Brasil Soberano”, com palestras virtuais da economista e cientista social Tânia Bacelar de Araújo, sócia da Ceplan-Consultoria Econômica e Planejamento, e do economista João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Tânia Bacelar de Araújo dedicou sua fala a uma reflexão sobre a construção de um “projeto de Brasil”. Para ela, este projeto deve passar por quatro princípios fundamentais: a garantia da soberania nacional, a construção de uma sociedade democrática, a construção de uma sociedade solidária e a sustentabilidade econômica e ambiental. “A gente decidir nosso destino pela participação cidadã, respeitando a nossa Constituição” destacou.
Bacelar explica que, para levar adiante esses princípios, é necessário nos conscientizarmos das nossas heranças, como a colonização, a escravidão longeva e intensiva e a economia dos séculos iniciais, que concentrou o poder na mão de poucos. “É necessário fazer dois movimentos: olhar para trás e olhar para frente. O que a gente vive hoje é um momento de esgotamento de muitas dessas heranças nossas”.
À sua frente, o Brasil tem uma oportunidade promovida pelas mudanças que o mundo vive. “A maioria dos estudiosos chama de ‘fase de disrupção’, e os traços são evidentes na revolução tecnológica, na revisão crítica do processo de globalização, na demanda por novas competências e habilidades para as pessoas, na crise ambiental que ameaça a sobrevivência da sociedade humana sobre a terra e uma profunda alteração na geopolítica mundial”. A economista acredita que “o Brasil tem potencial suficiente para ousar fazer mudanças importantes diante deste novo contexto”.
A palestrante também destacou a importância da realização de investimentos estratégicos no país combinados com a distribuição de dois ativos: a terra e o conhecimento. “O conhecimento precisa estar no coração de um projeto de desenvolvimento futuro do Brasil”. Sobre a terra, Bacelar enfatiza o potencial de produção de alimentos do país e às possibilidades de crescimento da agricultura familiar: “a população brasileira e a população mundial quer se alimentar sem venenos”. A economista aponta como um desafio brasileiro o reposicionamento da agricultura familiar brasileira através da mobilização das energias que podem transformar o brasil num grande produtor de orgânicos. “Não dá para explicar lá fora, como um país com esse potencial volta ao mapa da fome”, criticou.
Encerrando sua fala, Bacelar propôs uma revisita ao Estado brasileiro: “não nos serve o Estado mínimo, mas um Estado capaz de promover educação, capaz de fornecer saúde a sua população, capaz de regular a economia, atrair investimentos”.
Participação popular é fundamental para construir o Brasil
A fala de Bacelar foi seguida por uma palestra proferida pelo economista João Pedro Stédile, da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). Stédile citou Florestan Fernandes para explicar o recorrente fracasso das forças populares em pensar um projeto de país: “você precisa, para construir um projeto de nação, ter uma grande aliança popular e das forças sociais e, lamentavelmente, a burguesia brasileira, ao contrário de outros países, nunca foi nacionalista. Isso quer dizer que a burguesia e as elites tanto as econômicas e pensantes, quanto a própria mídia, nunca se propuseram a pensar a nação em toda a história do nosso país”.
Como Bacelar, Stédile vê na atual conjuntura o momento ideal para a construção deste projeto, apontando a superação do neodesenvolvimentismo” como um dos fatores favoráveis: “quando houve a hegemonia do neodesenvolvimentismo no Brasil nos governos Lula e Dilma, que eram das forças populares e progressistas, isso abafou, por outro lado, contraditoriamente, o debate do projeto de pais. Nós da esquerda nos contentamos com um governo bom, com um período razoável e esquecemos a perversidade das estruturas iniquas que vem desde a escravidão”.
“Não dá pra ganhar as eleições e voltar a fazer uma política de conciliação com a burguesia que não é nacionalista”, apontou Stédile. Outro fator favorável seria a crise do modo de produção capitalista, que o economista aponta como uma crise estrutural. “Um sistema econômico que não consegue resolver as necessidades materiais da população é um sistema falido”. A crise ambiental e a nova geopolítica mundial, que retira o protagonismo dos Estados Unidos, também emergem como fatores propícios à formação de um projeto de Brasil: “nós temos que nos preparar para construir um projeto de soberania nacional que fuja da subalternidade”.
No que diz respeito ao projeto de país, Stédile aponta seis paradigmas que devem guiar este projeto: o projeto de nação deve buscar vida boa para todos e todas; a defesa da natureza como um bem comum, onde se insere a produção de alimentos saudáveis; a igualdade social; a democracia popular; a soberania nacional; e a construção de valores humanistas. Além destes pilares, Stédile aponta a participação popular como fundamental: “se o povo brasileiro não entender o que é um projeto de país, não haverá projeto”.