Uma vida de trabalho e de luta. Assim é possível definir a trajetória do engenheiro eletricista e presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), Roberto Freire, eleito no dia 12/9, durante a etapa virtual do 12º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge). Nordestino e diretor do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge-PE), Freire também é auditor fiscal aposentado e já foi conselheiro do Crea-PE e Confea e presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Engenharia Consultiva e também é um dos fundadores da Fisenge, em 1991, com a composição da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros. Ele acompanhou os tempos do novo sindicalismo brasileiro pós redemocratização do país, o enfrentamento ao neoliberalismo e às privatizações dos anos 1990 e agora assume a gestão do triênio 2020/2023 com muitos desafios diante da pandemia da Covid-19, do desemprego na engenharia e dos ataques ao movimento sindical.
Em seu discurso, Freire fez uma reconstrução histórica. “O Brasil viveu alguns milagres econômicos e algum crescimento, mas não podemos classificá-los como desenvolvimento. Hoje, sentimos o peso de uma economia fragilizada. Nunca em um período tão curto acumulamos tantas perdas. Utilizaram crises, sabotagens legislativas, golpes, operações, prisões, reformas, desregulação, Estado mínimo, concentração de renda e subserviência. Estão tentando destruir todas as bases da economia brasileira”, afirmou. Freire ainda falou sobre o alto índice de desemprego e de pessoas desalentadas (pessoas que desistiram completamente de procurar emprego). “Outro Brasil é possível e depende de nossa perseverança e da nossa luta. E a razão de nossa luta não é o ódio nem a ganância. Temos que recuperar a soberania com integração e a nossa crença de que esse é um país que pode ser uma República Democrática de verdade. O Brasil pode ter um futuro grandioso e toda classe trabalhadora vai encontrar muita disposição desta diretoria”, concluiu.
Nesta entrevista à Fisenge, Roberto Freire aponta estratégias para a retomada da engenharia brasileira, do desenvolvimento social e da soberania nacional.
FISENGE: Você participou da fundação da Fisenge nos anos 1990, década do aprofundamento do neoliberalismo no país durante o processo de redemocratização. Hoje, o Brasil vive tempos de ultraliberalismo e de rupturas democráticas. Quais os principais desafios da atual conjuntura?
ROBERTO FREIRE – Quando fundamos a Fisenge, o país tinha acabado de promulgar uma nova Constituição com muitos avanços no campo social e de direitos humanos. As forças democráticas ainda conseguiam reunir-se em torno de alguns projetos, mas tivemos dificuldades com o neoliberalismo, digo dificuldades porque eles não conseguiram implantar na sua plenitude. Nossa resistência, dos trabalhadores, foi muito forte e, logo em seguida, elegemos um governo que retomou o desenvolvimentismo. O Brasil, que no governo neoliberal de FHC era a 20ª economia do planeta, passou a ocupar a 6ª economia com quase pleno emprego. Agora é diferente. Houve uma superposição do ultraliberalismo e das rupturas democráticas, rupturas estas que tiveram uma participação decisiva do Poder Judiciário. Com as reformas trabalhista e previdenciária, combinadas com o teto de gastos e o fim das políticas de conteúdo local e o reposicionamento da política de financiamento do BNDES, o país praticamente paralisou. Os desafios hoje são reforçar a nossa resistência a todo esse processo, que vem montado em cima da reestruturação produtiva que transforma os empregos formais em ocupações informais e recuperar a nossa soberania.
FISENGE: A engenharia vive uma situação dramática com altas taxas de desemprego e fechamento das empresas nacionais. Por um lado, tivemos a operação Lava Jato e por outro a retirada de investimentos em infraestrutura que foram aportados na especulação financeira. De que forma é possível retomar um processo de desenvolvimento social e de valorização da engenharia?
ROBERTO FREIRE – A Lava Jato quebrou todas as grandes empresas de construção do país e todas as prestadoras de serviço dessas grandes empresas, causando um enorme desemprego. O maior prejuízo só será sentido quando vier, se vier, a retomada do crescimento e não houver engenheiros para suprir o mercado. Não se forma mão de obra qualificada de uma hora para outra e em todos os momentos que acontecem essas quebradeiras os jovens procuram outras ocupações, provocando também uma menor procura pelas escolas de engenharia. Em breve, teremos trabalhos acadêmicos que quantifiquem e qualifiquem com precisão o mal que essa operação causou ao país. Não existe engenharia sem investimento em infraestrutura, e o Brasil é muito carente em serviços básicos, mesmo com todo esforço feito até hoje. Só teremos desenvolvimento se recuperarmos nossa soberania e se elegermos um governo que retome o desenvolvimentismo. Entre 1929 e 1987, o Brasil teve uma média de crescimento de 5,4%, foi o segundo em todo o planeta, maior do que o de países que passaram por guerras e isso foi graças ao nacional-estatismo e ao nacional-desenvolvimentismo que dominaram nesse tempo. Foi nesse período que a engenharia brasileira foi valorizada e passou até a disputar mercado internacional.
FISENGE: Como foi seu ingresso no movimento sindical? O que você acha que mudou e em que é necessário avançar?
ROBERTO FREIRE – Eu ingressei no movimento sindical como presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Engenharia Consultiva e só depois entrei no movimento dos engenheiros. Nossa discussão, à época, era o pluralismo, o fim do imposto sindical, a autonomia sindical e outras teses que nos livrassem das amarras do Estado. Não conseguimos avançar e muito se deve à falta de unidade do movimento sindical e da questão do financiamento da estrutura sindical, mas conseguimos implantar a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e outras centrais. Hoje, estamos lutando pela sobrevivência da instituição, que ainda é imprescindível para o trabalhador. Entendo que devemos propor alternativas de formas de financiamento e de uma estruturação mais racional.
FISENGE: Você assume a presidência da Fisenge em tempos de pandemia da Covid-19 com milhares de engenheiros com contratos suspensos e salários reduzidos ou em contratos precários como PJ e MEI. Que estratégias podem ser formuladas para enfrentar essa situação?
ROBERTO FREIRE – A Fisenge já disponibiliza no seu site uma cartilha alertando para as principais mudanças na legislação trabalhista por conta da covid-19 e como deve ser o enfrentamento dessas questões. O fato de ser PJ e MEI não transforma os engenheiros em empresários e os nossos sindicatos devem assessorá-los da mesma forma que os engenheiros com contratos suspensos e salários reduzidos, disponibilizando assessoria jurídica.
FISENGE: Desde a Reforma Trabalhista, os sindicatos vivem duros ataques, como a redução orçamentária ou mesmo as campanhas de descrédito junto à sociedade. Como convencer o engenheiro e a sociedade da importância da organização sindical?
ROBERTO FREIRE – Nosso discurso deve ser o de sempre: a solidariedade é a nossa base e não existe organização, ainda, que substitua o sindicato. Talvez possamos oferecer alguns serviços que não são acessíveis através do Estado e outros que sejam possíveis soluções para o enfrentamento na luta capital x trabalho, mesmo porque essa luta não vai acabar nunca.
FISENGE: A Fisenge tem um trabalho reconhecido com o Coletivo de Mulheres e de Estudantes. Quais as propostas para a próxima gestão?
ROBERTO FREIRE – Os filósofos diziam há alguns anos que este é o século das mulheres, mas, mesmo com todos os avanços, ainda há muito o quê fazer para que os direitos das mulheres se equiparem aos dos homens, particularmente no campo do trabalho. Essa conquista só vai ser alcançada quando as próprias mulheres decidirem sobre o seu destino, e não os homens. O Coletivo de Mulheres da Fisenge é exemplo do acerto da Fisenge quando aprovou a sua criação. A atuação do Coletivo é reconhecida internacionalmente e nós devemos valorizá-lo ainda mais, para que nossa luta se transforme em avanços efetivos e duradouros. Devemos também nos aproximar mais dos estudantes e tentar trazê-los para o nosso lado. Muitos estudantes ainda jovens são capturados pelo discurso efusivo do empreendedorismo como plataforma de salvação da sociedade e nós devemos atraí-los para a realidade do mundo do trabalho.
FISENGE: Qual o papel da engenharia para a reconstrução do país?
ROBERTO FREIRE – O Brasil regrediu, nos últimos cinco anos, aos índices do início dos anos 2000. Uma possível recuperação tem que levar em conta esses índices e adicionar ainda os números das deficiências que tínhamos mesmo com os avanços dos governos do início do século. Não será uma tarefa fácil e a engenharia brasileira, é bom que se frise, deve ser protagonista nessa “reconstrução”, porque onde ela tem grande expertise é em infraestrutura, seja ela de transporte, de energia, de saneamento, de comunicação, urbana ou habitação. Deve-se destacar que é muito importante recuperar para nosso controle a indústria de petróleo e gás.