A ascensão de Getúlio Vargas, durante a revolução de 1930, fez com que o Brasil, finalmente, entrasse no século XX, embora com 30 anos de atraso. Na República Velha, o Brasil era uma imensa fazenda cuja relação de escravidão fora substituída pela exploração de mão-de-obra que conta com dispositivos mais sofisticados, como, por exemplo, o trabalhador alugado, a parceria, a meia.
No Governo Central, as oligarquias dominantes de São Paulo e Minas Gerais (politica do café com leite) e as oligarquias agrárias se revezavam na condução da politica estadual. A questão social era caso de polícia. Já o Estado atuava como regulador das relações sociais econômicas e era quase inexistente, mas seu lado mais presente era a repressão aos movimentos populares e de contestação ao regime vigente.
A crise econômica mundial simbolizada com a quebra da bolsa de Nova York provocou um colapso na economia agrária exportadora brasileira que teve como consequência a perda de legitimidade do regime e o aumento da insatisfação dos setores médios e da incipiente burguesia industrial com o modelo econômico, politico e social existente.
Getúlio Vargas e a coligação das forças políticas vitoriosas na revolução de 1930 tinham como projeto a industrialização, o incentivo à criação de um mercado interno, a construção de um Estado regulador e intervencionista nas relações econômicas e sociais. A criação de empresas como Petrobras, Eletrobras, Vale do Rio Doce, CHESF, DASP; a instituição dos concursos públicos e das carreiras de Estado; a Consolidação das Leis Trabalhistas CLT) e organização do movimento sindical corporativo; e a centralização econômica e política no poder central foram aspectos dominantes da política populista.
Este modelo foi sempre questionado pelos liberais e militares ligados aos Estados Unidos que tentou – por meio da participação eleitoral em 1945, 1950, 1955 e 1960 ou por tentativas de golpes e motins como em 1954, 1956 e 1964 – derrotar o projeto nacional desenvolvimentista.
Em 1960, com a eleição de Jânio da Silva Quadros, um populista conservador e moralista que proibia, por exemplo, biquínis nas praias do Rio de Janeiro, finalmente a UDN e os militares “americanófilos“ tinham chegado ao poder central pelas urnas. A questão era que o candidato vencedor não era um quadro orgânico desta coligação política e, portanto, tinha a sua própria plataforma cujo traço marcante era o desprezo pelas agremiações partidárias e a tendência de falar diretamente ao povo sem intermediários.
A frustração dos dirigentes da UDN com Jânio Quadros levou a uma crise institucional que fez com que o presidente eleito, em um gesto rompante, renunciasse ao cargo em 25 de agosto de 1960. A renúncia de Jânio Quadros propiciou a volta do populismo getulista pela figura de João Goulart ao Poder Central da República. Embora os militares tenha vetado a posse, a rede da legalidade liderada por Leonel Brizola e o apoio dos militares nacionalistas garantiu a ascensão de João Goulart por meio do parlamentarismo, que seria revogado em 1963 por meio de plebiscito.
Em 1964, a base de apoio do presidente João Goulart, que era composta pelo PTB e PSD, se fragilizou. O PSD se deslocou do centro para a direita, se aproximando da oposição conservadora e antinacionalista liderada pela UDN. A coligação PTB/PSD, forjada por Getúlio Vargas, em 1950, consolidou-se na eleição de 1955, com a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (PTB). Na eleição seguinte, apesar da simpatia de Juscelino pelo nome do General Juraci Magalhães, ex-governador da Bahia e Presidente Nacional da UDN, a aliança foi mantida com a indicação da cabeça da chapa pelo PSD do Marechal Henrique Teixeira Lott e a continuidade de João Goulart do PTB como vice-presidente.
A proposição das reformas de base fez com que amplos setores da classe média, da Igreja Católica e do empresariado se mobilizassem, culminando na famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que levou cerca de 500 mil pessoas, em São Paulo, a se manifestarem contra “a República Sindicalista, a Corrupção e o Perigo Vermelho”. A agitação dos subalternos das forças armadas e a política nacionalista do governo Jango provocaram a adesão dos militares e do governo americano ao golpe.
O golpe de 1964 também foi parlamentar. Na madrugada de 02 de abril, o presidente do Congresso Nacional, Senador Auro Moura de Andrade, decretou vaga a Presidência da República sob a alegação de que o presidente João Goulart (sabidamente no Rio Grande Sul) tinha abandonado o Brasil sem autorização do Congresso. Entretanto, os verdadeiros motivos para a deposição eram a crise econômica, a política nacionalista e as reformas de base.
O STF e o Congresso Nacional legitimaram o golpe, pois Moura de Andrade, após a decretação da vacância da previdência, seguiu todos os ritos previstos na Constituição Federal de 1946. Deu posse ao presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzili e, em 30 dias, realizou a eleição indireta como estava prevista na Constituição. Foi eleito o Marechal Humberto de Castelo Branco, tendo como vice, o deputado José Maria Alkmin do PSD, partido de sustentação do governo Goulart. A bancada do PSD, seguindo a orientação de Juscelino Kubitscheck, votou em peso na chapa, com exceção do deputado Tancredo Neves que, na madrugada de 02 de abril de 64, já tinha protestado contra a deposição de Jango e, com o dedo em riste, gritou “canalha, canalha” quando Moura Andrade decretou a vacância da Presidência da República.
A maioria dos deputados do PSD que votaram em Castelo Branco foram cassados e/ou presos, inclusive Juscelino. É importante destacar que os golpistas se esforçaram em dar uma aparência de respeito aos ritos e às formalidades constitucionais, ao mesmo tempo em que a repressão nos porões da ditadura usava de todos os mecanismos ilegais, como a tortura e coação, para derrotar os inimigos da regime recém-implantado.
O golpe, inaugurado em 1964, que inicialmente deveria ser de “curta duração” e com objetivo de expurgar os comunistas e populistas do processo politico e institucional foi aprofundando os seus traços autoritários com prisões e cassações de lideranças politicas tradicionais que apoiaram o golpe. Em 1968, com adição do AI -5 e a interdição da posse do vice-presidente Pedro Aleixo em substituição ao Marechal Costa e Silva e a posterior “eleição” pelos militares de alta patente do General Garastazu Médici e com aniquilamento por meio de tortura e eliminação física dos opositores que adotaram a luta armada e com o “milagre econômico“ de 1969 a 1974, fazendo com que o regime militar tivesse fôlego para sobreviver praticamente intacto até 1985, se tornando mais longo período autoritário da História brasileira.
Ao final de 2 anos e 7 meses de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) listou, pelo menos, 434 mortes ou desaparecimentos forçados durante a Ditadura Militar no Brasil. Destas 434 mortes, 191 pessoas foram assassinadas; 210 tidas como desaparecidas e 33 foram listadas como desaparecidas, mas depois seus corpos foram encontrados. Uma das mortes foi do engenheiro e então deputado, Rubens Paiva.
O legado do regime militar foi cassação de direitos políticos, exílio, tortura, morte, desaparecimento de milhares de brasileiros, fechamento do Congresso Nacional, restrição das liberdades políticas e dos direitos sociais. Neste 1º de abril de 2020, nada temos a comemorar, e sim a lamentar e reafirmar que esta história não se repetirá. Ditadura nunca mais.
Ubiratan Félix
Presidente do SENGE-BA
Vice –Presidente da FISENGE