O Brasil já tinha conhecimento da epidemia do Coronavírus desde o mês de janeiro, epidemia que se tornou pandemia em 12 de março último. Além do governo brasileiro não ter adotado as medidas sanitárias necessárias para evitar o seu crescimento rápido, recentemente o Ministério da Economia e o governo federal como um todo têm adotado um discurso oportunista, de responsabilizar a pandemia pelo fraco desenvolvimento da Economia e até de usar a mesma para justificar a continuidade da aprovação das reformas que estão destruindo o Estado brasileiro e sua capacidade de intervir na Economia e nas políticas públicas.
O crescimento decepcionante do PIB em 1,1% em 2019 veio depois de desempenhos vergonhosos durante o governo Temer desde 2016. Em 2018, o PIB (produto Interno Bruto) cresceu 1,1%, após alta de 1,1% em 2017, e retração de 3,3% em 2016. Esses resultados do PIB não se devem ao Coronavírus, mas à política de desmonte do Estado desde o golpe de 2016, às privatizações, especialmente da Petrobras, à destruição da política de conteúdo nacional que impulsionava a indústria nacional, à paralisação da ação dos bancos públicos, à aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Essa situação de estagnação econômica não se deve ao novo vírus, mas à ausência de políticas “contracíclicas” que o Estado deve implementar em qualquer economia capitalista que almeje retomar o crescimento do PIB. Essa constatação existe desde que John Maynard Keynes aplicou essa receita para recuperar a Economia estadunidense depois da crise de 1929 e até hoje outras economias lançam mão do mesmo expediente.
A aprovação da emenda constitucional 95 em dezembro de 2016 de forma inédita no mundo congelou os gastos públicos sociais por vinte anos e concentrou esforços apenas para pagamento de juros e dividendos da dívida pública, desestruturou os serviços públicos de Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Segurança Pública. É importante indicar que hoje o governo promete aumentar os recursos da Saúde em cinco bilhões de reais, mas isso vem depois de retirar dez bilhões desse mesmo orçamento em 2019 e de outros cortes do governo Temer em 2017 e 2018.
Apesar desse resultado que coloca em xeque a política neoliberal de Estado mínimo e nos expõe a riscos enormes num cenário de pandemia, o governo agora começa a calibrar seu discurso para culpar o vírus COVID-19 e isentar a sua política econômica e social. Para a Agência Senado, em reunião com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e líderes partidários nesta quarta-feira, dia 11 de março, “o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou possíveis cenários para o produto interno bruto (PIB) em relação aos impactos do Coronavírus. Se a epidemia se agravar no Brasil e as reformas não forem feitas, PIB pode cair a 1%, afirmou o ministro”.
Além de tentar se isentar do desastre de sua política de ajuste fiscal, de destruição do Estado Nacional e de seus instrumentos para retomar a geração de empregos ou ter um sistema de Saúde público e gratuito eficiente, o “super-ministro” da Economia novamente coloca em marcha o esforço para convencer que as reformas neoliberais são a salvação da Economia brasileira, o que não deixa de ser uma desonestidade intelectual. As reformas trabalhista e previdenciária e a lei do teto de gastos haviam sido apresentadas como solução imediata para a crise criada pela Lava Jato, que destruiu a indústria nacional da construção civil, a naval e a de Petróleo, mas de nada adiantaram. Já temos 4 anos de aplicação dessas medidas sem resultados positivos, pois os governos Temer e Bolsonaro em síntese têm a mesma política econômica.
Quanto tempo mais esse discurso puramente ideológico e sem base na realidade continuará a ser feito para aproveitar uma situação de crise com o objetivo de fazer reformas que em situações normais não seriam aprovadas? Consubstancia-se em um discurso religioso fundamentalista, parecido com os discursos de negação da existência da pandemia do Coronavírus que levou manifestações às ruas afirmando que o risco do contágio era apenas uma “teoria da conspiração”.
Por conta dessa compreensão, o vírus que pode destruir o Brasil não é o Coronavírus, é o vírus do Neoliberalismo, que destruiu as bases do Estado Nacional e solapou sua capacidade de recuperar a Economia, resistir a situações difíceis como a atual pandemia e tornar o Brasil uma nação soberana.
Há também o vírus da estupidez humana, que nega a existência de uma epidemia com letalidade que pode chegar a 6% dos indivíduos afetados, o que colapsará o nosso sistema de saúde. Por outro lado, subsiste o vírus do desalinhamento da gestão do governo, que faz com que o presidente contradiga em falas e em atos o que o ministro da Saúde defende. Caso a medida adotada pelo ministro da Saúde e pelo ministro da Justiça de punir com prisão as pessoas que não respeitem sua quarentena fosse aplicada de forma retroativa, atingiria o presidente Bolsonaro por participar da manifestação de domingo mesmo após a recomendação para que não o fizesse. E o amálgama desses vírus fica por conta do fundamentalismo anti-Estado, anti-políticas sociais, anti-saúde pública, anti-Educação Pública dos meios de comunicação, os velhos e tradicionais (TV, rádio e jornal) e os novos (internet e suas redes sociais).
A avaliação do primeiro ano de governo Bolsonaro, caracterizado pela continuidade e aprofundamento dos dois anos e meio de governo Temer, indicam que, independentemente do Coronavírus, já vivemos o desastre do vírus do neoliberalismo e da destruição do Estado Nacional. O jornal Folha de S. Paulo analisou 104 indicadores do governo no primeiro ano de mandato do capitão e publicou seus achados em seu site. O levantamento comprova que “O primeiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro apresentou uma piora em áreas como assistência social, saúde, educação e meio ambiente. Foi o que mostrou um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, divulgado neste domingo 16.”
O antídoto para esses vírus do neoliberalismo, da estupidez e do fundamentalismo é a Ciência, a racionalidade, a Cultura, o fortalecimento da Educação Pública, incluindo a Universidade Pública. É também a Saúde Pública com a defesa do Sistema Único de Saúde, do Sistema Único da Assistência Social, das políticas culturais. Uma Nação soberana e livre não se viabiliza com a ausência do Estado e a sua substituição por um emaranhado de receitas ultra neoliberais na Economia, fundamentalismo religioso, preconceitos, discriminações e pela anticiência.
*Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em Educação
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