O Movimento SOS Brasil Soberano, patrocinado pela Federação Interestadual dos Sindicatos Estaduais de Engenheiros (FISENGE) e pelo Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE/RJ), levou ao conhecimento público, no dia 13 de maio de 2019 (no simpósio “Violação da Soberania! Acordo Lava-Jato/EUA, Petrobras”, ocorrido no Sindicato dos Profissionais de Saúde do Rio de Janeiro), a versão em português do acordo de leniência, firmado em 26 de setembro de 2018, entre a Petrobras, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Procuradoria do Distrito Leste de Virginia (curiosamente, o mesmo estado norte-americano onde se recolhe o “ideólogo” do atual governo brasileiro).
Por Jorge Folena
Por meio do mencionado acordo, a Petrobras, mediante “autorização concedida por seu Conselho de Administração”, comprometeu-se a pagar a quantia de US$ 853.200.000, sob a promessa de não ser processada civil e criminalmente pelas autoridades americanas.
Chama atenção, na alínea (j), a afirmação de que a petrolífera brasileira “fez acordo em uma ação coletiva privada de acionistas, a Petrobras Securities Litigation, n. 14-cv-9662 (S.D.N.Y), relativa à conduta descrita na Declaração de Fatos, segundo a qual concordou em pagar US$ 2,95 bilhões”.
O acordo privado entre a Petrobras e os autores da mencionada ação coletiva, em curso nos Estados Unidos (Petrobras Securities Litigation), para o pagamento de US$ 2,95 bilhões (valor superior a 10 bilhões de reais), necessita ser analisado para verificar se a autorização dada pela gestão da Petrobras, no governo Michel Temer, estava em conformidade com a legislação brasileira e se representou alguma forma simulada de, indevidamente, transferir divisas do Brasil para os Estados Unidos.
Em 03 de janeiro de 2018, a Petrobras levou a público, por meio de fato relevante, que:
“Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2018 – Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras informa que assinou acordo para encerrar a Class Action em curso perante a Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.
O acordo, que será submetido à apreciação do Juiz, objetiva encerrar todas as demandas atualmente em curso e que poderiam vir a ser propostas por adquirentes de valores mobiliários da Petrobras nos Estados Unidos ou listados naquele país. O acordo elimina o risco de um julgamento desfavorável, que, conforme anteriormente reportado ao mercado, poderia causar efeitos materiais adversos à Companhia e à sua situação financeira.
Além disso, põe fim a incertezas, ônus e custos associados à continuidade dessa ação coletiva. No acordo proposto para o encerramento da ação, a Petrobras pagará US$ 2,95 bilhões, em 2 (duas) parcelas de US$ 983 milhões e uma última parcela de US$ 984 milhões. A primeira parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação preliminar do Juiz. A segunda parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação judicial final. A terceira parcela será paga em (i) até 6 (seis) meses após a aprovação final, ou (ii) 15 de janeiro de 2019, o que acontecer por último. O valor total do acordo impactará o resultado do quarto trimestre de 2017.
O acordo não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras. No acordo, a Companhia expressamente nega qualquer responsabilidade. Isso reflete a sua condição de vítima dos atos revelados pela Operação Lava Jato, conforme reconhecido por autoridades brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Na condição de vítima do esquema, a Petrobras já recuperou R$ 1,475 bilhão no Brasil e continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e indivíduos responsáveis.
O acordo atende aos melhores interesses da Companhia e de seus acionistas, tendo em vista o risco de um julgamento influenciado por um júri popular, as peculiaridades da legislação processual e de mercado de capitais norte-americana, bem como o estágio processual e as características desse tipo de ação nos Estados Unidos, onde apenas aproximadamente 0,3% das class actions relacionadas a valores mobiliários chegam à fase de julgamento.
O acordo será submetido à apreciação do Juiz, que, após aprovação preliminar, notificará os membros da Classe. Após avaliar eventuais objeções e realizar audiência para decidir quanto à razoabilidade do acordo, o Juiz decidirá sobre a sua aprovação definitiva.
As partes pedirão à Suprema Corte norte-americana que adie, até a aprovação final do acordo proposto, a decisão quanto à admissibilidade de recurso apresentado pela Petrobras, o que estava previsto para o dia 05/01/2018.”
Ou seja, a Petrobras firmou, de forma prematura, o referido acordo “para encerrar a Class Action em curso perante a Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América”, de forma a beneficiar acionistas americanos (“sócios” minoritários da companhia), que sequer tiveram sua expectativa de direitos reconhecida judicialmente, e sem que a empresa tenha logrado que o recurso por ela interposto fosse examinado e julgado pela Suprema Corte Americana, como anunciado no próprio fato relevante.
lém disso, ao fazer o referido acordo, a Petrobras e a sua diretoria executiva (a quem cabe a gestão dos negócios da empresa, nos termos dos artigos 18 da Lei 13.303/2016 e 33 do seu Estatuto Social) pode ter possibilitado a indevida transferência de divisas do Brasil para o exterior, que podem ter sido usadas pelos supostos “acionistas” americanos para a aquisição de mais ações da empresa (no momento em que estavam desvalorizadas), caracterizando um ataque à soberania nacional.
Assim, a Petrobras tinha o dever moral e jurídico de se defender nos Estados Unidos contra quaisquer ataques e iniciativas de seus “sócios” minoritários estrangeiros (investidores denominados como fundos “abutres” e outros), que tentam ainda se apossar de recursos da empresa e do Brasil.
A propósito, como é de pleno conhecimento de todos os “acionistas” e de quaisquer pessoas que atuam no mercado de valores mobiliários, sejam norte-americanos ou de qualquer nacionalidade, o risco relativo ao investimento é inerente ao mercado de ações. Para exemplificar a questão do risco como característica inerente do mercado de valores mobiliários, é importante recordar as rumorosas falências da empresa de energia ENRON, em 2002, e do Banco Lehman Brothers, em 2008, ambos nos Estados Unidos da América do Norte. Nos dois casos, fraudes contábeis praticadas pelos administradores das empresas provocaram volumosos prejuízos para a comunidade de investidores, que, na qualidade de sócios daquelas companhias, tiveram de suportar as perdas e somente puderam buscar as devidas reparações contra os maus gestores.
Deste modo, os “acionistas” norte-americanos não poderiam receber o tratamento privilegiado que lhes foi conferido pela diretoria executiva da Petrobras (na gestão de Pedro Parentes, indicado pelo governo de Michel Temer), não tendo o direito de receber eventual indenização (por não ser este o caso), a ser paga diretamente do caixa da companhia, com a transferência de divisas do Brasil para “acionistas” minoritários nos Estados Unidos da América, o que atenta contra a ordem econômica, expressa na soberania nacional.
Por isso, o referido acordo deve ser considerado nulo pela Judiciário brasileiro, pois foi firmado contra disposição legal e pode caracterizar uma forma simulada de pagamento. Isto porque não cabe à Petrobras promover a reparação de “acionistas”, que são sócios da empresa, aos quais caberia a eventual propositura de ação de reparação de danos contra os administradores, para deles exigir a reparação civil em favor da companhia, como determina a legislação (artigo 159 da Lei 6.604/76[1], Lei das Sociedades Anônimas).
Com efeito, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.604/76) – à qual a Petrobras está submetida (artigo 5o da Lei 13.303/2016 e artigo 1o do seu Estatuto Social) – determina que a responsabilidade civil deve recair sobre os gestores, e não sobre a empresa.
Na hipótese em exame, os investidores estrangeiros poderiam – quando muito – discutir o suposto prejuízo diretamente contra os administradores, que supostamente teriam praticado o dano (e não contra a empresa), como determina o artigo 159, § 7o, da Lei 6.604/1976[2], à qual estão submetidas a Petrobras e sua diretoria executiva, nos termos dos artigos 5o e 16 da Lei 13.303/2016.
Ademais, é contraditório que a Petrobras, no fato relevante de 03 de janeiro de 2018, tenha manifestado que:
“O acordo não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras. No acordo, a Companhia expressamente nega qualquer responsabilidade. Isso reflete a sua condição de vítima dos atos revelados pela Operação Lava Jato, conforme reconhecido por autoridades brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Na condição de vítima do esquema, a Petrobras já recuperou R$ 1,475 bilhão no Brasil e continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e indivíduos responsáveis.”
Ora, a empresa pagou, com divisa brasileira transferida para os Estados Unidos da América do Norte, a supostos “acionistas” norte-americanos, de forma antecipada e sem qualquer condenação, em valores superiores a 10 bilhões de reais, por meio de um acordo nulo perante a legislação brasileira; porém, no mesmo fato relevante, nega o reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares e afirma que “continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e indivíduos responsáveis”.
Ressalte-se que, na verdade, a Petrobras não deveria beneficiar previamente investidores especulativos – que sabem do risco relativo ao mercado de ações -, em detrimento do patrimônio público e social existente na empresa, cujo maior acionista é a União Federal, além dos trabalhadores brasileiros.
A Petrobras e sua atual diretoria executiva têm o dever de observar a Lei 6.604/76 (artigo 27 da Lei 13.303/2016), que impõe que os sócios (que conhecem o risco do seu investimento) não podem acionar a companhia, mas somente seus gestores (artigo 159), que eventualmente causaram dano à empresa.
Desta forma, a assinatura do referido acordo nos Estados Unidos da América do Norte, foi conduzida de forma precipitada e indevida pela diretoria executiva da Petrobras à época da gestão de Michel Temer, sendo o caso de as organizações sociais e os trabalhadores prejudicados analisarem a possibilidade de buscar a responsabilização dos ex-gestores da Petrobras, que autorizaram o pagamento da indenização a acionistas estrangeiros.
Jorge Folena – Do Movimento SOS Brasil Soberano SOS Brasil Soberano e do Instituto dos Advogados Brasileiros.
[1] Artigo 159: Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
[2] § 7º – A ação prevista neste artigo (159) não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.