Trabalhadores expostos a agentes nocivos terão de trabalhar mais tempo em locais insalubres, que podem prejudicar a saúde, se a reforma da Previdência não for barrada nas ruas, nas redes, no Congresso Nacional.
A proposta de reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro (PSL) praticamente acaba com o direito à aposentadoria especial de trabalhadores e trabalhadoras que exercem por um longo período funções em condições insalubres e prejudiciais à saúde, como é o caso de motoristas, metalúrgicos, portuários e profissionais da saúde, entre outras categorias.
Se a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 006/2019 for aprovada no Congresso Nacional, o trabalhador será obrigado a ficar mais tempo trabalhando em condições de periculosidade, que podem afetar a sua saúde.
De acordo com o texto da PEC de Bolsonaro e do seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, esses trabalhadores só poderão requerer a aposentadoria se cumprirem a nova regra de idade mínima obrigatória. E mesmo trabalhando muitos anos a mais terão o valor do benefício drasticamente reduzido.
A advogada da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Marceline Azevedo de Miranda, em audiência pública no Senado Federal nesta quinta-feira (25), destacou que a aposentadoria especial foi baseada em estudos que classificaram o período que um trabalhador pode ficar exposto a cada agente nocivo sem que isso cause danos irreparáveis à saúde.
“Foram esses estudos que embasaram o tempo de 15, 20 e 25 anos. E agora como é que a gente chega à conclusão de que essa exposição de cinco ou oito anos a mais não vai trazer maior prejuízo, já que o objetivo da aposentadoria especial é preservar minimamente a saúde do trabalhador?”, questiona.
“Precisamos saber também se os nexos técnicos epidemiológicos também foram revistos, estudados. Precisamos saber [do governo] se isso foi feito e onde é que encontramos esse estudo para entender se esses cinco ou oito anos a mais não farão diferença na saúde do trabalhador”, completa.
Pelas regras atuais, o trabalhador que comprovar exposição a agentes nocivos à saúde, como calor ou ruído, de forma contínua e ininterrupta, tem direito de se aposentar com 15, 20 ou 25 anos de contribuição, dependendo do enquadramento de periculosidade da profissão.
Ou seja, um trabalhador que começa a trabalhar em condições insalubres aos 20 anos tem direito de se aposentar aos 45 anos, após comprovar ter contribuído com o INSS e trabalhado por 25 anos (tempo depende da profissão) exposto a insalubridade no local de trabalho.
Nesses casos, o trabalhador tem direito ao benefício integral (100%) – o cálculo do valor do benefício leva em consideração a média das 80% maiores contribuições feitas ao longo da vida (exclui as 20% menores).
A reforma da Previdência de Bolsonaro prevê que o trabalhador, além do tempo mínimo de contribuição, terá de cumprir a exigência de idade mínima:
– 55 anos de idade para atividade especial de 15 anos de contribuição
– 58 anos de idade para atividade especial de 20 anos de contribuição
– 60 anos de idade para atividade especial de 25 anos de contribuição
A PEC prevê que a idade mínima aumentará em 2024 e, depois, subirá novamente a cada quatro anos, sempre que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar aumento da expectativa de vida dos brasileiros.
Além disso, o trabalhador receberá apenas 60% da média aritmética de todas as contribuições, incluindo as 20% menores feitas ao longo da vida laboral, com o acréscimo de 2% por cada ano que exceder 20 anos de contribuição na atividade especial – no caso da atividade que exige 15 anos será calculado 2% a mais a partir dos 15 anos.
Algumas categorias nunca vão conseguir se aposentar
Para o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Intermunicipais, Interestaduais, Turismo e Fretamento do Rio Grande do Sul (Sindirodosul), José Ivori Lima, a proposta descaracteriza completamente a essência da aposentadoria especial, que foi criada justamente para evitar que o trabalhador fique exposto por muito tempo a condições que podem prejudicar a sua saúde e até mesmo levar à incapacitação ou morte.
“No caso dos motoristas rodoviários, que têm direito à aposentadoria especial, estamos falando de trabalhadores expostos a ruídos de mais de 80 decibéis diariamente, da necessidade de atenção redobrada no volante, principalmente nas rodovias à noite”, conta o dirigente.
“Para cumprir as 180 a 200 horas exigidas, muitos trabalhadores acabam ficando 24 horas direto acordados para dar conta, pois muitas viagens rodoviárias são feitas à noite”, completa.
“Agora imagina um trabalhador de 60 anos exposto uma vida inteira a essas condições de trabalho, é impossível conseguir aguentar”.
Segundo Lima, com as regras atuais, já não é simples o motorista conseguir acessar o direito de se aposentar por insalubridade, pois é necessário apresentar uma série de documentações e requisitos exigidos na lei.
“Não é simples comprovar e muitas vezes os trabalhadores são obrigados a recorrer à Justiça para provar que as condições de trabalho garantem a ele aposentadoria especial”.
Se a reforma de Bolsonaro passar, será o fim da aposentadoria especial
Com regra de transição, metalúrgico também pode perder direito
O caso dos rodoviários descrito pelo diretor do Sindirodosul não é isolado. Um metalúrgico de Icaraí Caucaia, no Ceará, também pode perder o direito à aposentadoria especial se a reforma da Previdência não for barrada pelos trabalhadores e trabalhadoras nas ruas, nas redes, no Congresso Nacional e nas bases dos deputados que vão votar a PEC.
Há 24 anos e um mês ele trabalha na área de soldagem, corte, plasma, maçarico e lixamento, ocupação considerada insalubre. Faltam 11 meses para ele completar os 25 anos de contribuição e ter o direito de se aposentar na categoria especial, sem exigência de idade mínima.
No entanto, se a reforma de Bolsonaro for aprovada, ele não conseguirá se aposentar, pois as regras de transição também são duras e penalizam os trabalhadores e trabalhadoras.
Pelo texto da PEC, será instituído um sistema de pontos como requisito para a aposentadoria especial concedida por trabalho exercido em condições nocivas à saúde por 15, 20 e 25 anos, correspondendo a, respectivamente, 66, 76 e 86 pontos.
A pontuação será aumentada em um ponto a cada ano até atingir 89 (mínimo de 15 anos de exposição e 74 anos de idade), 93 (20 anos de exposição e 73 de idade) e 99 pontos (25 anos de exposição e 74 anos).
No caso do metalúrgico Charles, daqui 11 meses, ele atingirá apenas 70 pontos (25 anos de exposição e 45 anos) e não conseguirá se aposentar. Ele teria de trabalhar e contribuir por, pelo menos, mais oito anos. Nesse caso, ele atingiria 33 anos de exposição e 53 anos, totalizando 86 pontos.
Porém, como a cada ano a regra prevê que será acrescido um ponto, daqui oitos anos não será mais suficiente os 86 pontos e, com isso, será praticamente impossível ele acessar a aposentadoria especial, pois as regras já estarão praticamente iguais aos trabalhadores que não estão expostos a condições insalubres.
Fonte: CUT / Escrito por Tatiana Melim