Uma sucessão de perdas e dores abateu de tristeza o Rio de Janeiro na última semana. A devastação provocada pela chuva, que também trouxe a notícia de sete mortos, e o incêndio que matou dez meninos da equipe de base do Flamengo, na madrugada da última sexta-feira (8), deixaram a população perplexa e indignada. Nos dois casos, a constatação de que a vida das pessoas está valendo pouco ou quase nada frente a interesses corporativos e comerciais. E que os cortes de gastos públicos representam, na prática, maiores riscos e, em última instância, perdas de vidas.
Nos últimos cinco anos, a Prefeitura do Rio de Janeiro reduziu em inacreditáveis 77% as despesas com controle de enchentes: de R$ 288 milhões, em 2013, para R$ 66 milhões em 2018, segundo dados da Transparência Municipal levantados pelo portal G1. No ano anterior, o desembolso foi ainda menor, de apenas R$ 14 milhões.
Segundo reportagem do site Intercept, de junho de 2017, um decreto municipal de 30 de maio remanejou R$ 21,2 milhões da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente para publicidade governamental. Em abril, outro decreto já havia retirado R$ 1 milhão da conservação de logradouros para divulgação de iniciativas da Prefeitura.
Em tempo de indústria 4.0, drones e clones, não se pode aceitar que o governo ainda responsabilize a chuva ou o vento por mortes e destruição derivadas de inundações ou desabamentos, como na República Velha, quando o escritor Lima Barreto já denunciava o descaso do poder público com a população – assunto da crônica Enchentes, de 1915, que viralizou esses dias nas redes, resgatada por Luiz Antonio Simas.
A ausência de políticas consistentes e de recursos para executá-las, além de fragilizar as estruturas físicas da cidade, compromete a gestão e a fiscalização dos empreendimentos privados. Mesmo sem resultados conclusivos sobre as razões que levaram ao dramático incêndio no Ninho do Urubu, o incidente já revela erros por parte da fiscalização municipal. É espantoso saber que, mesmo tendo multado mais de 30 vezes o Centro de Treinamento do Flamengo, a Prefeitura do Rio não tenha conseguido sua interdição. No lugar do container com o alojamento dos jogadores da base estaria, segundo o projeto apresentado pelo clube, um estacionamento.
Não se pode brincar com a segurança das pessoas, nem transigir com normas de segurança, nem negociar com a vida. O Brasil e o Rio de Janeiro em particular têm tecnologia, engenharia e conhecimento em todas as áreas necessárias para prevenir acidentes e resistir sem perdas tão drásticas a chuvas e trovoadas.
A que serve uma política pública, qual é a prioridade de todo o aparato econômico e social, se não a vida?
Os mesmos meios de comunicação que soam compungidos frente às desgraças recentes, elogiam com ênfase e pressionam os governos, em todas as instâncias e de forma sistemática, pela redução dos investimentos públicos. Deliberadamente evitam conectar uma coisa à outra, ou seja, as políticas de ajuste fiscal aos desastres a que estamos assistindo.
Em 2018, o investimento do governo federal em infraestrutura foi o menor em dez anos, somando
R$ 27,875 bilhões, equivalente a 0,4% do PIB, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Um valor cerca de 10% inferior ao total de 2017 (R$ 31 bilhões). Para 2019, a expectativa é que fique abaixo dos R$ 20 bilhões. Cortes que visam, tanto na esfera federal quanto nos acordos de ajuste fiscal fechados com os Estados, liberar recursos para o pagamento de juros a instituições financeiras.
Ou o país e o Rio de Janeiro despertam para a necessidade de retomada do investimento público, colocando o interesse e a atenção com seus cidadãos acima dos interesses privados, ou corremos o risco de vermos cada vez mais frequentes acidentes como os que abalaram o Rio na semana passada.
O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro se solidariza com todos e todas que sofreram com as chuvas, e com os familiares e amigos dos meninos do Ninho do Urubu. Continuamos na luta pela retomada de políticas públicas que valorizem a vida.
Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ)
Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 2019