Privacidade e proteção de dados pessoais são questões-chave na discussão de regulação da Internet. Foto: Pixabay
Apesar de o Brasil ainda enfrentar históricos desafios em seu caminho pela universalização do acesso à Internet a toda a população, é inegável que as grandes plataformas de conteúdo da rede, como Google e Facebook, já exercem poder sobre o fluxo de informações que influenciam a vida de todos os brasileiros. Para Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação da UFRJ e conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), é importante que a sociedade discuta a possibilidade de se regulamentar a atuação desses gigantes no país. “Informação é poder. Hoje estamos completamente vulneráveis com relação ao poder dessas grandes plataformas, como Google, Facebook, Whatsapp, Youtube etc. O que se comunica, o que se debate, tudo é devidamente processado pelos servidores dessas plataformas estrangeiras, na maioria das vezes localizados em países também estrangeiros”, afirma o professor, que falou sobre o tema na abertura do VIII Fórum da Internet no Brasil, realizado em Goiânia entre 4 e 7 de novembro. O tema ganhou especial relevância nos últimos meses por conta das eleições, cujas campanhas foram, mais do nunca, realizadas através da Internet.
Lei de dados pessoais
Em maio deste ano passou a vigorar na União Europeia o novo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), que estabelece regras para garantir a privacidade e a proteção de dados pessoais de cidadãos europeus que utilizam a Internet. O regulamento, na prática, alcançou todo o mundo, já que todas as grandes plataformas precisaram adequar suas atividades para cumprir os novos requisitos, como a necessidade expressa de consentimento para a coleta e processamento de dados e a possibilidade de os usuários saberem exatamente quais dados as empresas detêm sobre eles, além de solicitar sua portabilidade.
O Brasil também se movimentou neste ponto, com a aprovação, em julho, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP), que contém várias similaridades com relação ao regulamento europeu, apesar de estar sendo discutida desde 2010. Para Marcos Dantas, essas leis são um passo importante para se garantir maior transparência e controle sobre o fluxo de informações das grandes plataformas. O Brasil, no entanto, enfrenta agora um desafio para garantir a eficácia de sua lei.
“O Marco Civil da Internet e a LGPDP são um início. Mas, sem a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, não irá funcionar”, explicou ele. A LGDPD previa a criação de uma autoridade independente que fiscalizasse o cumprimento da lei e pudesse aplicar multas às empresas que, por exemplo, vazassem dados de usuários. O presidente Michel Temer, no entanto, vetou a criação do órgão, com a justificativa de que apenas um ato do Poder Executivo, como uma Medida Provisória, poderia fazê-lo. Se a Autoridade não for regulamentada até o início da validade da lei (18 meses após a sanção presidencial), na prática ela perde sua eficiência. “Além disso, o Brasil irá perder nas transações com a União Europeia, já que todas as empresas que atuam no bloco europeu estão sujeitas à GDPR independentemente de seu país de origem”, disse Dantas.
Soberania
“Do ponto de vista da soberania nacional, essa é uma das questões mais críticas que temos hoje, embora das mais descuidadas e desconsideradas. A Internet parece imaterial, mas a verdade é que todas as informações que são transmitidas por ela são registradas em algum servidor. São grandes conjuntos de máquinas, interconectadas entre si, e que estão sujeitas a intervenções, não apenas das plataformas, mas de governos. Basta lembrar o esquema denunciado por Edward Snowden em 2013, que revelou que o serviço secreto americano espionava a Internet com auxílio das plataformas. A Petrobras e a própria presidente Dilma Rousseff foram vítimas”, disse Marcos Dantas.
A regulamentação é essencial, segundo o professor, para as plataformas que se tornaram essenciais para a economia, a atuação dos governos e para a comunicação da população. “E não se conseguirá uma regulação sem ter algum tipo de controle físico, como exigir a presença de servidores no país ou, no mínimo, escritórios das empresas. Isso pensando somente nas grandes plataformas, as que exercem algum tipo de controle de mercado. Se há regulação para as empresas de telecomunicações, que fornecem a conexão à Internet, é possível ter regulação também para as empresas que operam a partir dessa conexão”, afirmou Dantas, esclarecendo que ter uma regulação estatal não significa permitir que o governo tenha acesso às informações transmitidas.
“É possível ter o controle estatal do trânsito de dados sem ter controle do conteúdo desses dados. Analogamente, você manda uma carta pelo Correio, que é estatal, mas o conteúdo é secreto”, explicou Dantas. “É possível ter um sistema em que o Estado controla alguns elementos físicos, para garantir que as regras sejam cumpridas, sem ter direito de investigar o conteúdo das mensagens sem autorização judicial. O Marco Civil da Internet, por exemplo, já estabelece que os prestadores e fornecedores de serviços na Internet são obrigados a guardar por tempo determinado os logs das conexões, que são o registro de que, por exemplo, João falou com Maria, mas sem ter acesso ao conteúdo. Em caso de investigação policial, esses logs podem ser solicitados”, disse ele.
Clique aqui para assistir à cerimônia de abertura do VIII Fórum da Internet no Brasil no canal do Youtube do NIC.br.
Fonte: Clube de Engenharia