No dia 7 de novembro, a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal aprovou, por sete votos a três, o PLC 79/16, que propõe, entre outras alterações, acabar com as concessões de telecomunicações, desregulamentando o setor para que as empresas possam atuar sem contrapartidas de universalização dos serviços. Com a perspectiva de ser votado em 14 de novembro próximo pelo plenário do Senado Federal, em regime de urgência, o Clube de Engenharia endereçou aos senadores documento apontando as consequências para o país caso se concretize sua aprovação e propondo a realização de um grande debate com a sociedade para a definição de um novo modelo das telecomunicações no Brasil.
Seguem os dez itens que mobilizam especialistas e instituições contra as medidas já aprovadas pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal.
1) Bens reversíveis (prédios, redes, cabos etc. de propriedade da União) – serão repassados, entregues, sem custo para as atuais concessionárias (Oi, Vivo e Claro), quando deveriam retornar ao Estado em 2025. Ou seja, o PLC 79 promove a transferência de bens da União para as atuais concessionárias sem licitação e sem compromissos claros de contrapartidas. Pior, em audiência pública, o próprio Tribunal de Contas da União afirmou que não existe um cálculo sobre a valoração desses bens. Como passá-los para as operadoras sem nem mesmo saber o valor real?
2) Exclusão digital – hoje existem 55,5 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais que nunca usaram a internet. Corresponde a 25% da população jogados na exclusão digital! É uma clara demonstração da ausência de políticas públicas e de que o mercado, sozinho ou por desinteresse, é incapaz de realizar a universalização das telecomunicações. Como deixar esse serviço essencial única e exclusivamente nas mãos do mercado? A exclusão digital aumentará ainda mais. Temos registrado abismos colossais de atendimento nas classes C, D e E nas regiões Norte e Nordeste do país.
3) PIB – vários levantamentos já comprovaram que um aumento de 10% na densidade de acesso à banda larga implica um acréscimo de 1,38% (equivalente a 100 bilhões de reais) na taxa de crescimento do PIB per capita de um país. São mais postos de trabalho, mais qualidade de vida. Como deixar esse serviço essencial ao exercício da cidadania, como definido no Marco Civil da Internet, única e exclusivamente nas mãos do mercado?
4) Escolas sem internet – pelos contratos de concessão as operadoras são obrigadas a levar até 2025 banda larga, gratuitamente, às escolas públicas urbanas, aumentando paulatinamente a velocidade disponibilizada a cada ano. Como o PLC 79 altera os contratos de “concessão” para “autorização”, como obrigar as operadoras a fornecerem esse serviço? É justo abrir mão dessa obrigação, desqualificando, ainda mais, o ensino público?
5) Renovação ilimitada das licenças de frequências e posições orbitais – hoje há prazo para que as licenças fiquem com as operadoras. Com o fim das concessões as operadoras se tornarão donas desse recurso estratégico. Espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se por isso em bem público. O Estado ficará impedido de definir políticas públicas com o uso mais eficiente do espectro eletromagnético. Adicionalmente, isto significa uma perda de receita de no mínimo 70 bilhões de reais com as licitações que se fariam obrigatórias ao final do prazo das licenças, uma facilitação à concentração, um favorecimento aos atuais prestadores de serviços e novamente um risco de judicialização por inexistência de processos licitatórios.
6) Abrandamento inoportuno da regulamentação – Internacionalmente, os órgãos reguladores dos países quando percebem que a prestação de serviços não segue caminhos adequados (e a banda larga no Brasil tem índices abaixo das médias mundiais), eles reforçam exigências e criam regras de ajuste com assimetrias regulatórias em favor do estímulo à competição. O PLC 79 vai na contramão dessa tendência, promovendo liberalização de regras.
7) Desnacionalização do setor de telecomunicações – a participação da indústria nacional que hoje atende a menos de 3% das necessidades do mercado nacional, enquanto em 1988 atendia cerca de 77%, continuará a oferecer déficits seguidos na balança comercial do país, sem uma política de incentivos.
8) Nova privatização – o PLC 79 em seu bojo, realiza uma nova privatização dentro da privatização das telecomunicações ocorrida em 1998. Toda a infraestrutura de telecomunicações que hoje constitui a grande maioria dos cabos, fibras, backbone, backhaul, centrais, sistemas de suporte passará para o regime privado, reduzindo drasticamente a capacidade do Estado de estabelecer metas de universalização, de estabelecimento de tarifas e demais condições de prestação dos serviços adequados à realidade brasileira.
9) Erro na avaliação das concessões – O PLC 79 incorre em grave erro de engenharia econômica, ao não considerar no cálculo da transformação das concessões em autorizações, o fluxo de caixa desde assinatura dos contratos de concessão até a respectiva migração.
10) Provedores – ao favorecer e estimular a concentração, pela transferência de infraestrutura representada pelos bens reversíveis e pelo término de licitações de frequências, o PLC 79 inibe o crescimento dos mais de 6.000 provedores de internet espalhados por todo o país, impedindo que a competição se dê com maior diversidade e equidade e que esses provedores possam a se constituir em players do desenvolvimento.
Por todas essas razões, o Clube de Engenharia conclama os senadores a votarem contra a aprovação do PL 79/2016. Além isso, também conclamamos um amplo debate com a sociedade brasileira sobre mudanças possíveis e necessárias à Lei Geral de Telecomunicações. Um novo modelo regulatório pode e deve ser gestado, mas colocando-se como prioridade a universalização da banda larga de qualidade e com tarifas acessíveis a toda a população.
Clube de Engenharia
13 de Novembro de 2018
Imagem: PixaBay