por Abelardo de Oliveira Filho
O setor de saneamento básico no País, historicamente, nunca figurou no rol das prioridades de governo, sempre foi um dos setores mais complexos e complicados entre todos os setores da infraestrutura urbana e social. A própria Constituição Federal, apesar das lutas dos movimentos sociais e populares não definiu a agua e o saneamento básico como direito social, humano e fundamental e sequer estabeleceu um capítulo para tratar do tema. Ao contrário, deixou indefinições que provocaram um dos maiores conflitos institucionais do País, a eterna discussão sobre a titularidade dos serviços. Por conta de toda essa situação, o setor ficou à deriva por mais de vinte anos, sem um marco legal que estabelecesse as suas diretrizes e a sua política nacional e, principalmente, a ausência de uma política perene e permanente de alocação de recursos, fatos estes, que ainda hoje tem consequências e proporcionaram uma situação extremamente crítica para a gestão dos serviços de saneamento básico do ponto de vista do planejamento das ações, da implantação e ampliação de sistemas, da qualidade da prestação e, principalmente, da garantia do acesso à população aos seus serviços, com impactos na sustentabilidade ambiental, na saúde e na qualidade de vida da população.
Com a ascensão do Presidente Lula ao Governo Federal, no início de 2003 e a criação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, como órgão coordenador da política nacional de saneamento básico – o tão sonhado endereço do setor – o saneamento básico começou a figurar como prioridade de governo ganhando um novo alento e novos desafios para o setor. Com isso, várias ações foram definidas, implantadas e executadas proporcionando importantes avanços no campo da sua estrutura organizacional.
Entre os avanços mais importantes estão à instituição do Marco Regulatório do Saneamento Básico, a formulação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), a seleção pública de projetos, a racionalização e integração das ações de saneamento básico no âmbito do Governo Federal, o levantamento das necessidades de investimentos para a universalização dos serviços, a retomada do investimento no setor, a partir de 2003, sendo ampliado consideravelmente após a instituição e implementação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC Saneamento que disponibilizou, somente no Ministério das Cidades/Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e Ministério da Saúde/FUNASA, cerca de R$ 104 bilhões com recursos do OGU, FGTS (Caixa) e FAT (BNDES), no período entre 2007 e 2016.
A instituição da Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB) n° 11.445, de 05 de janeiro de 2007 e da Lei de Consórcios Públicos, Convênios de Cooperação e Gestão Associada de Serviços Públicos n°11.107, de 06 de abril de 2005 significaram uma virada de página na história do saneamento básico no País e uma grande conquista para a população brasileira. Após onze anos da sua edição, a política nacional promoveu grandes avanços no setor na busca da sua universalização ao propiciar a melhoria das condições de infraestrutura institucional e a garantia do acesso aos recursos a todos os agentes responsáveis pela gestão dos serviços públicos de saneamento básico. Muita coisa foi feita e outras tantas estão ainda por fazer. Apesar dos avanços, o setor enfrenta ainda, grandes desafios, principalmente com relação à garantia do acesso aos serviços de forma universal e integral a toda população.
Os problemas e os desafios são frutos da complexidade do setor, em função da histórica falta de uma política nacional e do marco regulatório; da ausência de planejamento; da autorregulação; da falta de uma política perene de alocação de recursos; da falta de transparência e da participação e controle social dos serviços e, principalmente, de prioridade do Estado Brasileiro.
A situação caótica e crítica presente nas cidades brasileiras, principalmente na periferia, das grandes cidades, onde o direito a moradia digna e a cidades justas e sustentáveis tem sido negado a uma grande parcela da população, também vem causando um grande impacto na implantação, reposição e ampliação de redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário, na coleta e destinação final dos resíduos sólidos e no manejo das águas pluviais criando maiores dificuldades para a universalização dos serviços e, consequentemente com impactos na saúde pública e na qualidade de vida da população e da redução dos indicadores epidemiológicos, da mortalidade infantil e de doenças veiculadas pela ausência dos serviços de saneamento básico.
Tudo o que foi conquistado de forma gradual está sendo colocado em risco devido à proposta do Governo Federal da desconstrução da política nacional de saneamento básico, por meio da Medida Provisória (MP) n° 844, de 06 de julho de 2018, publicada no DOU em 09.07.2018. Ressalte-se que essa MP foi editada, segundo o documento: (BRASIL, “A Modernização do Marco Regulatório do Saneamento Básico”, Pág.6 – GTI – Casa Civil da Presidência da República. Brasília, 2017), para atender ao pleito da Associação Brasileira de Concessionários Privados – ABCON visando facilitar a privatização das empresas estaduais e dos serviços públicos de saneamento básico.
*Abelardo de Oliveira Filho é Engenheiro Civil, funcionário de carreira da Empresa Baiana de Águas e Saneamento – EMBASA, com 42 anos de experiência na área de saneamento ambiental; Conselheiro do Conselho de Administração da EMBASA, eleito pelos empregados e empregadas da empresa; Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Administrativo Municipal da Universidade Católica de Salvador – UCSAL, na disciplina: Água, saneamento e municípios; Ex-Secretário Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Ex-Presidente da EMBASA e Ex-Vice-Presidente do Conselho de Administração da EMBASA;
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