Foto: Arquivo Fisenge
por Clovis Nascimento
Em 1993, os jornais estampavam fatos como “Comissão propõe a privatização da Vale”, as medidas de combate à hiperinflação e o lançamento da Campanha contra Fome liderada por Betinho. O Brasil vivia um cenário devastador de desemprego, sucateamento das estatais e alta dos preços dos alimentos e serviços. Nesse mesmo ano foi fundada a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Em 2018, 25 anos depois, passamos pelo aprofundamento deste projeto neoliberal apontando, a depender das eleições, um futuro distópico. Após o golpe ao mandato da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, um grupo de políticos assumiu o controle do país para entregar nosso patrimônio. Nesse alvo estão a Petrobras e a Eletrobras, empresas fundamentais para a economia e a retomada do desenvolvimento econômico.
Uma breve retrospectiva demonstra como a história se repete, e nos dias atuais como tragédia. No momento de criação da Petrobras, Getúlio Vargas resistiu, ao lado do povo brasileiro, a uma campanha de difamação e destruição da empresa. Sob o mesmo argumento de combate à corrupção, assim como a Operação Lava Jato, setores da oligarquia tentaram entregar o controle da empresa a estrangeiros. Neste mês de setembro, a exploração do pré-sal completa dez anos, uma das descobertas mais importantes com efeitos em todo o mundo. Graças ao investimento em ciência, pesquisa e tecnologia, a equipe liderada pelo geólogo Guilherme Estrella desenvolveu uma técnica para exploração de petróleo em águas profundas. Temos reservas e um custo baixo de produção, mas a gasolina segue aumentando devido à irracional política de paridade internacional dos preços. E pior ainda é o aumento da importação de derivados de petróleo, principalmente em um país que acumula tecnologia para processar óleo cru. O Brasil está se consolidando como um exportador de commodities, acometido pela chamada ‘Doença Holandesa’, que é a exportação massiva dos bens naturais, sem desenvolvimento de tecnologia.
Outro disparate é a redução da política de conteúdo local. Nenhum país do mundo abre mão do conteúdo local sob pena de afundar a economia. Quando o governo ilegítimo de Michel Temer anuncia a redução pela metade desta exigência, também está assumindo o corte de milhares de empregos. A indústria naval brasileira foi reimplantada graças à política de conteúdo local entre os anos de 2002 e 2014. A engenharia local busca na indústria fornecedora das atividades de petróleo e gás informações de capacidades produtivas, técnicas, dentre outras, além desenvolver novas tecnologias. Tudo isso contribui para que aumentem a demanda de produtos da indústria nacional, os empregos e a renda dos trabalhadores. O investimento feito no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) trouxe contratações e desenvolvimento, por exemplo. E agora o Comperj segue abandonado e com seus trabalhadores desempregados.
Um setor ameaçado é o de saneamento com a Medida Provisória 844, que altera o marco regulatório do saneamento. Esta iniciativa prevê o fim do subsídio cruzado, facilitando a entrada de empresas privadas em municípios rentáveis e deixando os mais pobres desassistidos. A MP acelera a privatização e fere a autonomia dos municípios. Este cenário irá desestruturar o setor de saneamento. De acordo com a Constituição Federal, a titularidade da prestação dos serviços de água e esgoto é dos municípios e, nas Regiões Metropolitanas (RM) a titularidade é compartilhada entre o estado e os municípios integrantes da RM, conforme decisão do Superior Tribunal Federal (STF). A MP ainda prevê que a Agência Nacional das Águas (ANA) será a reguladora, vinculando o repasse de recursos da União, o que representa um grande retrocesso. Além disso, a MP inclui um artigo que pressiona as prefeituras a criarem uma tarifa de lixo. Ou seja, a população mais pobre será a mais prejudicada com as tarifas e a dificuldade de acesso à água tratada e esgotamento sanitário. É importante registrar que somos contra a privatização do setor de saneamento.
Olhar para o futuro nos exige atenção no retrovisor da História. É possível mudar os rumos do nosso país. Em primeiro lugar, precisamos de vontade política e isso significa contar com um governo progressista legitimamente eleito, com uma maioria democrática nas ruas, com os movimentos sociais e populares. Um plano de governo sério precisa priorizar a retomada dos investimentos públicos na Petrobras, que gere emprego e renda em todo o país, movimentando a economia, além de colocar o Brasil em situação de competitividade no mercado internacional. Além disso, será preciso anular, por meio de um referendo revogatório popular, todas as medidas como a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95. A desnacionalização da economia só favorece o rentismo e o capital estrangeiro. Mais do que resistir, precisamos nos inserir nos debates e participar ativamente da política. A distopia não faz parte dos nossos sonhos coletivos.
Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros) e integrante da coordenação do movimento SOS Brasil Soberano. Exerceu o cargo de Subsecretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro. Foi Diretor Nacional de Água e Esgotos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades.