Protagonista na economia brasileira, Petrobras é alvo do mito de que estaria quebrada financeiramente. À mesa do painel, Paulo César Lima, Francis Bogossian, Pedro Celestino, Cláudio Lima e Felipe Coutinho.
Foto: Fernando Alvim
Empresa brasileira no rol das mais valiosas em ações, uma das líderes mundiais no setor de petróleo e gás e símbolo do nacionalismo que impulsionou a industrialização do Brasil nos anos 1950, a Petrobras tem reconhecido protagonismo na economia brasileira. Nos últimos anos, no entanto, tem sido alvo de narrativas que distorcem sua real situação financeira, que permanece saudável mesmo diante de casos de corrupção. Para discutir o mito de que a empresa está “quebrada” e, portanto, deveria privatizar suas subsidiárias, o Clube de Engenharia e a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) realizaram, em 5 de junho, o painel “O mito da Petrobras quebrada, política de preços e suas consequências para o Brasil”. Foram convidados para o evento Cláudio Oliveira, economista aposentado da Petrobras; Felipe Coutinho, presidente da AEPET; e Paulo César Ribeiro Lima, doutor em Engenharia Mecânica, ex-pesquisador líder do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), da Petrobras, e atual consultor legislativo para o setor de petróleo e gás na Câmara dos Deputados.
“Queremos discutir a farsa do desmonte da Petrobras e as consequências nefastas da política que vem sendo implementada na empresa para fazer com que ela deixe de cumprir o papel histórico que tem desde que foi criada, na década de 1950: o papel de garantir ao país e à sociedade o suprimento de combustíveis e petroquímicos, a segurança, para que possa haver o desenvolvimento em nossa terra”, afirmou Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, na abertura do evento. “Estamos sujeitos a um processo de desmonte que nos remeterá, se não for sustado pela sociedade, ao tempo que esse país importava tudo. Voltaremos à condição colonial, de exportadores de matérias-primas, de óleo bruto e importadores de refinados e de petroquímicos”, alertou. “É preciso defender políticas públicas que assegurem a preservação desse patrimônio que é a Petrobras, em benefício do nosso povo”.
Auditório cheio evidenciou a relevância dos temas tratados no painel.
Foto: Fernando Alvim
Finanças robustas
O economista Cláudio Oliveira, sócio honorário da AEPET, realizou um retrospecto do enquadramento que alguns profissionais da mídia deram sobre Pré-Sal em diferentes reportagens, de início desqualificando a descoberta da Petrobras, depois duvidando da capacidade da petroleira de extrair o óleo nessa camada, e ainda criticando o custo inicial da extração, que naturalmente foi se tornando mais baixo à medida que novas tecnologias eram desenvolvidas. Em 2015, segundo Cláudio, uma desvalorização muito grande do real frente ao dólar levou ao crescimento da dívida da Petrobras, uma vez que 80% desses débitos eram em moeda estrangeira. Esse seria o elemento inicial para gestação do mito de que a estatal estaria “quebrada”. “Disseram que a Petrobras tinha uma dívida impagável, a maior dívida de todas as petroleiras, e que, por isso, ela não teria condições de explorar o Pré-Sal”, disse Cláudio. O enquadramento enviesado continuaria, com a narrativa crescendo e atingindo viés entreguista. “O ano de 2016 terminou e não houve nenhum acordo judicial ou aporte de recursos do Tesouro para a Petrobras. Ao contrário: a Petrobras adiantou 20 bilhões de reais para aliviar o caixa do BNDES, terminou o ano com crédito de 6 bilhões de reais com a Eletrobras e 11 bilhões de dólares para receber em venda de ativos. Além disso, possuía em caixa 22 bilhões de dólares. Que empresa quebrada é essa?”, questiona Oliveira.
Cláudio Oliveira, economista aposentado da Petrobras, trouxe dados que atestam a robustez financeira da estatal.
Foto: Fernando Alvim
“Um dos principais indicadores que demonstra a saúde financeira de uma empresa é a geração operacional de caixa, isto é, o que sobra depois que a empresa cobre todos os seus custos e despesas. É o que sobra para pagar o serviço da dívida, fazer investimentos, pegar dividendos etc. De 2012 em diante, essa geração operacional de caixa da Petrobras se manteve linear. A corrupção, que dizem que afetou a Petrobras, não afetou a geração operacional de caixa”, afirmou o economista. Este caixa, em 2012, fechou em 27,04 bilhões de dólares, mantendo-se entre 25 e 27 bilhões até o ano passado, quando atingiu 27,11 bilhões de dólares, valor mais alto do período. “Em 2016, a Petrobras teve a maior geração operacional de caixa em comparação com todas as outras grandes petroleiras”, salientou o economista. Outros dados, como retorno financeiro sobre vendas e liquidez corrente, corroboram a saúde financeira da estatal, principalmente se comparada com outras petroleiras.
A política de preços praticada pela Petrobras na gestão de Pedro Parente (2016-2018) não teve efeitos positivos sobre a geração operacional de caixa da petroleira, afirmou Oliveira. Para o economista, a gestão no período se preocupou mais em enxugar as atividades da empresa, preparando vendas de ativos, do que fortalecer a estatal e a exploração do Pré-Sal.
Consequências da política de preços
Felipe Coutinho, presidente da AEPET, afirmou que foi o mito de que a Petrobras estaria quebrada que embasou as mudanças, em outubro de 2016, na política de preços adotada pela empresa, política esta direcionada para os planos de privatização da estatal. “Foi tudo justificado em cima do mito de que ela teria quebrado graças aos subsídios, à corrupção e aos maus investimentos. O que temos feito é desmistificar tanto a quebra quanto dar clareza aos efeitos dos subsídios, da corrupção e dos investimentos, apresentando números à sociedade para que eles sejam discutidos fora da percepção mitológica que é repetida na mídia e que cria um senso comum de claros interesses anti-nacionais”, salientou.
Felipe Coutinho, presidente da AEPET, abordou consequências da política de subsídios sobre combustíveis e as alterações realizadas na gestão Pedro Parente.
Foto: Fernando Alvim
A estratégia de adotar uma política de preços alinhada ao mercado internacional fez com que eles subissem, já que passaram a ser acrescidas parcelas de internalização, de risco e de lucro do importador, explicou Coutinho. Consequentemente, houve a viabilização da importação por concorrentes da Petrobras, levando a estatal a perder mercado e aumentar a ociosidade nas refinarias, que chegaram a operar com apenas 25% da capacidade instalada. No primeiro trimestre deste ano, essa taxa esteve em 28%.
A exportação de petróleo cru disparou, enquanto que a importação de derivados refinados bateu recordes. O diesel, por exemplo, teve sua importação multiplicada em 1,8 vezes desde 2015, sendo que, deste ano até 2017, a importação de combustível vindo dos EUA passou de 41% para 80% do total que chegou ao Brasil. “Essa constatação foi feita pela AEPET e publicada em dezembro de 2017, portanto um alerta antes da crise decorrente da greve dos caminhoneiros. Ganharam os produtores norte-americanos, os traders multinacionais e os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil. Perderam os consumidores brasileiros, a Petrobras, que perdeu mercado, e a União e estados, impactados com a queda na arrecadação. É por isso que batizamos essa política de ‘America First’ ou ‘Os Estados Unidos primeiro'”, disse Coutinho.
Segundo o presidente da AEPET, o preço do diesel em relação ao petróleo se eleva quando os preços do petróleo estão mais baixos, e cai quando o petróleo se valoriza. Entre 2011 e 2014, com a política de subsídios da Petrobras, que não transferiu a elevação dos preços internacionais ao mercado interno como forma de conter a inflação, o preço do diesel se aproximou do preço do petróleo. Em 2015 a diferença relativa aumentou, e entre 2016 e 2017, sem os subsídios e com a nova política, tornou-se a maior no período, acima do padrão internacional. Essa elevação do preço relativo do diesel aos produtores e importadores também levou à redução da ocupação do refino no Brasil, gerando ociosidade e viabilizando a importação de derivados, o que tem impactado os resultados operacionais da Petrobras, fato admitido em seus relatórios financeiros.
“Entendemos que uma empresa estatal pode, e deve, ter outros objetivos além de maximizar seus lucros no curto prazo, postura típica das multinacionais privadas controladas por agentes do sistema financeiro. O desenvolvimento e a segurança energética nacionais estão entre os objetivos típicos das estatais do setor. Ainda assim, a AEPET reconheceu excessos e erros na política de preços praticada entre 2011 e 2014”, salientou Coutinho.
“Cabe agora avaliar a quem os subsídios anunciados pelo governo [como forma de contornar a greve dos caminhoneiros] servirão. Os subsídios do Estado aos produtores e importadores para que os consumidores possam pagar pelo diesel viabiliza o negócio dos próprios importadores. Na verdade, essa subvenção, que é apresentada como ao consumidor, é paga com impostos regressivos aos importadores de diesel. Então os subsídios são para quem? Para os consumidores ou para os agentes privados e estrangeiros da cadeia de importação?”, questionou Coutinho. Como alternativa, diz ele, a Petrobras poderia arbitrar preços justos, compatíveis com seus custos e mais baixos ao consumidor, recuperando o mercado perdido e impulsionando o crescimento da cadeia de petróleo e gás. Os consumidores seriam beneficiados com os preços baixos e, se fosse necessário reduzir impostos para os combustíveis, estes poderiam ser compensados com aumento de impostos na exportação de petróleo cru e importação de derivados. “É uma substituição tributária que vai na direção do fortalecimento da economia nacional”, avaliou.
Felipe Coutinho ainda afirmou que a crise, relativa ao preço do diesel, é resultado da antecipação desnecessária de um problema que é inevitável: o fim do petróleo convencional e barato de se produzir. “Cabe, portanto, o alerta de que o problema é incontornável, mesmo que nos livremos desta política no curto prazo”, finalizou ele.
Valores
“O petróleo é um bem da União e, portanto, do povo brasileiro. Se o seu preço sobe, seu dono deveria ser beneficiado. Mas, no Brasil, o dono perde com o aumento dos combustíveis. E isso não faz o menor sentido”. Foi com essa reflexão que Paulo César Ribeiro Lima, doutor em Engenharia Mecânica, ex-pesquisador do Cenpes por 15 anos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados, especializado na área de petróleo e gás, começou sua exposição.
Foto: Fernando Alvim
“O custo de produção do barril de diesel de um campo de Pré-Sal, com participação governamental direta, é de, no máximo, 40 dólares por barril, cerca de 93 centavos por litro. Antes da crise [em decorrência da greve dos caminhoneiros] a Petrobras vendia o litro de diesel por 2,33 reais, ou seja, uma margem de lucro de 150%”, explicou Lima. Esse valor era acima do mercado internacional, com o mesmo visto também no GLP (gás de cozinha) e óleo combustível — o preço da gasolina foi estabilizado nos últimos meses. “Na gestão de Pedro Parente, o consumidor brasileiro pagou pelo diesel, sem tributos, 40% a mais do que pagou o consumidor americano”, afirmou o especialista.
Paulo César Ribeiro Lima também abordou alternativas para a crise dos combustíveis: além de tributar a exportação do petróleo cru e alterar a atual política de preços da Petrobras, revogar o art. 1º da Lei nº 13.586/2017, para tributar a renda das empresas petrolíferas.
Clique aqui para assistir ao painel na íntegra no canal do Clube de Engenharia no Youtube.
FONTE: CLUBE DE ENGENHARIA