Intensificação e extensão da jornada são marcas das novas relações de trabalho, aponta Pochmann

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Para o economista Márcio Pochmann, esta nova realidade social representa “uma vida de regressão”

“Estamos diante de uma nova sociedade, cujo desconhecimento é generalizado. Vivemos a intensificação e a extensão da jornada de trabalho frente à possibilidade de realização do trabalho imaterial em praticamente qualquer local ou horário. As jornadas laborais aumentam rapidamente, pois não há controles para além do próprio local de trabalho”, analisou o economista Marcio Pochmman, durante a mesa “Proteção Social e do Trabalho”, realizada na manhã do dia 7, segundo dia do 11º Consenge.

O economista alerta para a transformação das rotinas de trabalho: “Os avanços técnico-científicos, como o computador, a internet, o celular, entre outros instrumentos imprimem uma nova dinâmica nas relações laborais. O trabalho volta a assumir a maior parcela do tempo de vida do ser humano, com jornadas que, cada vez mais, não delimitam espaços para ocorrerem”.

O economista avalia que a nova realidade social representa “uma vida de regressão”, uma vez que essa dinâmica resulta em uma carga horária anual próxima daquelas exercidas no século XIX.

Além da extensão das horas de trabalho, as novas tecnologias da informação aliadas a novas formas de gestão da mão de obra promovem, também, a intensificação do exercício da atividade no próprio local de trabalho.

De acordo com o pesquisador, esta forma de organização faz parte de um processo que se iniciou na década de 1980 com a transição de uma sociedade urbano-industrial para a de serviços. Dados de 2016, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e do IBGE, indicam que mais de dois terços (67,7%) da população ocupada trabalhava no setor de serviços.

“O risco para o trabalhador se amplia frente a natureza e a intermitência desse tipo de trabalho, da possibilidade do desemprego, da opressão e da subjetividade da exploração”, afirma Pochmann.
 
País em disputa

O economista alerta que o país está em disputa. “Estamos diante de um golpe significativo. Esses dois últimos anos revelam a intensidade dos conflitos, do acúmulo de forças e do acirramento da luta de classes em nosso país”.

Segundo Pochmann, o Brasil é o produto de uma tensão que vem de fora, dada pelo esgotamento de um modo de produção do capitalismo em função da grave crise que se sucedeu no mundo desde 2008, especialmente nos Estados Unidos.

Nesse cenário, “países que não tiveram a capacidade de remodelar suas forças armadas, seu sistema judicial e politizar a classe trabalhadora não resistirão às pressões econômicas externas”, pontua.
 
Sociedade escravagista/agrária

“Vivemos um momento que, guardada a devida proporção, assemelha-se a algo que brasileiros viveram na década de 1880, uma década marcada por golpes, mas também de avanços, como aquele de termos superado a permanência por quase quatro séculos da escravidão”, analisa Márcio Pochmann.

A década iniciou com um golpe: a introdução da Lei Saraiva, de 1881. A norma retroagiu para menos de 5% da população a participar do processo eleitoral. Apesar da superação da escravidão, a elite do país defendia que o atraso do Brasil em relação aos Estados Unidos era decorrente da enorme presença de negros e miscigenados no país.

“A transição para o capitalismo no século XIX foi um processo conturbado, que marginalizou uma parcela substancial dos brasileiros. Em 1872, 62% dos brasileiros da população eram consideradas não-brancas, segundo o primeiro senso demográfico feito no Brasil. Com o projeto de branqueamento do Brasil, chegamos a 1940, em seu novo senso demográfico, com a população não-branca representando apenas 40% da população”, analisa Pochmann.
Projeto urbano-industrial.         

“Somente na década de 1930, permeada de guerra civil e de dois golpes de Estado, o Brasil conseguiu superar a sociedade agrária pela construção do projeto urbano-industrial, um projeto que não contava, inclusive, com o apoio dos Estados Unidos, mas que nós ousamos construir”, afirma.

Segundo Pochmann, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo entre as décadas de 1930 e de 1970. “Em 50 décadas fizemos o que poucos países fizeram.  Nós fomos o que a China está sendo. Isso foi obra da capacidade de luta, da ação e da resistência dos brasileiros desse período. Não obstante, continuaram existindo os problemas sociais e a ausência de reformas do capitalismo contemporâneo, como as reformas Agrária, Tributária e Social. Isso decorre, justamente, da correlação de forças que vivemos nesse período de 50 anos”, afirma.

Sindicalismo totalizante
Até a década de 1930, o sindicalismo que nós tínhamos era muito guerreiro, era de sindicatos de ofícios”, avalia o economista. Nesse período o sindicalismo desenvolvia uma ação totalizante. Atuava de forma política contra a experiência de democracia que impedia os trabalhadores de participarem do processo eleitoral. Essa era uma época em que a política representava apenas o interesse dos ricos, que eram os que tinham condições de votar e serem votados.

“Era um sindicalismo que atuava sobre um ponto de vista de uma perspectiva social. Eram sindicatos que construíram fundos de ajuda mútua, que buscavam oferecer alguma proteção aos riscos do trabalho”, explica.

A educação também estava na pauta dos sindicatos de ofício. Estas instituições constituíram as escolas de artes e ofícios, que formavam trabalhadores conforme a demanda e o perfil profissional da época. “Era uma estrutura sindical de uma ação totalizante. Atuavam no ponto de vista político, econômico, social, educacional e da previdência”, afirma Pochmann.

Novo sindicalismo
O economista explica que esta etapa do sindicalismo no Brasil foi saturada pela segunda transição de uma sociedade agrária para uma sociedade urbano-industrial. Foi, então, a partir da década de 1930, que se constituiu um novo padrão de organização sindical, que existe até hoje, consolidado nos anos de 1960 com a constituição das grandes empresas no Brasil por meio do plano de metas de Juscelino Kubichek. Esse último período, “permitiu, na verdade, a entrada do capital estrangeiro, que somado ao capital privado nacional e estatal, resultaram na industrialização madura no Brasil com grandes empresas privadas e estatais”, disse.

Através da expansão do Estado, se constituiu a classe trabalhadora da grande empresa, que passa a reivindicar não só a “luta do dia a dia”, pela incorporação do salário, mas, também,  problemas relacionados às condições de trabalho dentro dessas organizações. Em 64, o Golpe Militar asfixiou esse novo sindicalismo, que ressurge na década de 1970 e vigora até os dias de hoje.

“O novo sindicalismo, que vem com a industrialização, atua no ponto de vista da especialização, de uma divisão do trabalho dentro das lutas. É uma estrutura de representação, apenas e tão somente, de quem trabalha em determinados locais e regiões.  É o sindicato de representação por categoria profissional”, caracteriza o pesquisador.