Engenheiro de Alimentos pela Unicamp, Mestre em Food Science pela University of Reading (UK) e Doutor em Ciência de Alimentos pela Unicamp, o professor Marcelo Cristianini que “Precisamos nos comunicar melhor com o consumidor, desvendar mitos e esclarecer a sociedade para que haja um entendimento real sobre as vantagens e desvantagens das tecnologias. Assim, o consumidor poderá, ele mesmo, fazer melhor as próprias escolhas, ser um disseminador das boas práticas e, principalmente, um vigilante das más práticas”.
Acompanhe a entrevista:
Alimentação em Foco: A engenharia de alimentos é uma aliada da nutrição. Como podemos demonstrar esses benefícios?
Marcelo Cristianini: As duas ciências são complementares. Segundo a definição da FAO, a segurança alimentar existe quando “toda pessoa, em todo momento, tem acesso físico e econômico suficientes a alimentos inócuos e nutritivos para satisfazer suas necessidades e preferências alimentares, a fim de levar uma vida saudável e ativa”. Estima-se que a produção de alimentos terá que crescer 60% até 2050 e nós precisamos de alguma maneira processar este alimento todo para diminuir as perdas e fazê-los chegar, de forma segura, em qualquer lugar do planeta. O engenheiro de alimentos é responsável pelo alimento desde que ele é colhido no campo, ou no abate do animal – onde já se iniciam os processos de deterioração que levam a perdas econômicas e nutricionais, além do risco de saúde pública – até a ponta final do processo, que é o consumo. Assim, cabe ao engenheiro de alimentos fornecer alimento seguro, estender a vida útil dos alimentos perecíveis, fornecer alimentos na entressafra de produção, entregar alimentos longe das regiões produtoras, reduzir o tempo de preparo dos alimentos em casa, atender às demandas do consumidor. Uma vez garantidas estas condições, o nutricionista vai ter à sua disposição alimentos seguros para garantir a nutrição adequada da população.
Alimentação em Foco: Há uma tendência entre os consumidores de consideraram alimentos processados menos saudáveis do que os alimentos in natura. Como estabelecer essas diferenças e dar, a cada um, o seu devido valor?
Marcelo Cristianini: Existe esta tendência sim. Isto ao meu ver, é um problema de desinformação. Não podemos esquecer que o simples fato de limpar e sanitizar uma fruta ou hortaliça no campo ou em casa é uma forma de processamento. A segurança dos alimentos aumentou bastante e as perdas diminuíram quando começamos a consumir alimentos minimamente processados, que passaram simplesmente por processos de limpeza e sanitização. Além disso, em muitos casos, o processamento de alimentos aumenta a biodisponibilidade de nutrientes, a solubilidade de fibras, inativa compostos antinutricionais, entre outros benefícios. A ciência tem otimizado os processos existentes e desenvolvido novas tecnologias que têm mantido ao máximo os nutrientes, com sabores próximos aos alimentos in natura. É o caso, por exemplo, da tecnologia de alta pressão isostática, que mantém as características nutricionais e sensoriais dos alimentos in natura, garantindo a segurança dos alimentos e a estocagem por várias semanas.
Alimentação em Foco: O que são os alimentos ultraprocessados?
Marcelo Cristianini: Não existe um consenso sobre a definição de alimentos ultraprocessados. O termo parece ter uma disseminação muito grande na mídia e comunidade que trabalha diretamente com nutrição, mas não é reconhecido dentro da engenharia de alimentos, nem na indústria. No uso cotidiano, o termo acabou virando sinônimo de processos exagerados nos quais os alimentos perdem suas características nutricionais ou sensoriais. As pessoas que se utilizam do termo parecem estar relacionando muito mais o processamento à aceitabilidade nutricional do que a própria disponibilidade/quantidade dos nutrientes no produto final. No congresso mundial realizado pelo IUFoST (The International Union of Food Science and Technology), em 2014, ficou claro que não há nenhuma evidência científica por trás do uso do conceito de alimentos “ultra processados”.
Alimentação em Foco: Outra grande discussão a respeito dos alimentos processados se dá em relação à quantidade de sódio e açúcar. Sabemos que há acordos da indústria com o Ministério da Saúde para redução (sódio já estabelecido e açúcar em discussão). Os engenheiros também têm buscado alternativas técnicas para produzir alimentos saborosos com menores teores, auxiliando a indústria a cumprir esses acordos, sem a perda do sabor e da consistência, já que o açúcar tem também uma função de dar “volume” nas preparações?
Marcelo Cristianini: Ao meu ver esta questão do alto consumo de sal e açúcar é cultural. Cada cultura tem sua própria identidade em relação ao consumo destes alimentos. Não podemos deixar de mencionar que estes dois ingredientes são, na verdade, coadjuvantes na conservação de alimentos. Na ausência de refrigeração no passado, nossos avós utilizavam-se de açúcar para conservar frutas na forma de geleia e doces, e de sal para conservar carnes. Porém, acredito que ao longo do tempo houve um excesso e começamos a acrescentar açúcar em sucos, leite, cafés, chás etc. O mesmo aconteceu com o sal. Isto não quer dizer que temos que negar que existe um problema de obesidade. Porém, estudos mostram que apenas perto de 25-30%, salvo engano, tanto de sal quanto do açúcar da dieta das pessoas vem dos alimentos processados. O grande aporte destes ingredientes vem da mesa, do consumo diário. A engenharia de alimentos tem trazido soluções para suprir sabor e corpo a produtos doces ou salgados. Hoje a indústria da carne, por exemplo, tem reduzido o teor de sódio perto dos 25% sem prejuízo à conservação e sem que o consumidor perceba alterações sensoriais. O mesmo para o açúcar. A indústria de sucos e refrigerantes tem reduzido os teores em até 25%, ou mesmo substituindo completamente com edulcorantes.
Alimentação em Foco: Os aditivos químicos são outro grande questionamento dos consumidores. Há muitos estudos que envolvem aditivos de origem natural, por exemplo. Você acredita que é uma linha da engenharia de alimentos que deve se desenvolver?
Marcelo Cristianini: Existe muita confusão do que é aditivo/ ingrediente e se são naturais ou não. O fato de um ingrediente ser sintético não significa automaticamente que é perigoso. O fato de ser “natural” não significa que seja seguro. Temos que lembrar que nossa legislação é muito rigorosa com a permissão de uso de aditivos e ingredientes em alimentos e segue de perto a legislação Norte Americana e Europeia. A ciência tem avançado bastante na direção de identificar e extrair compostos (bioativos) de frutas, vegetais e plantas de maneira geral, que atuam como antioxidantes ou antimicrobianos e que já estão sendo produzidos e comercializados como ingredientes pela indústria de alimentos e cosméticos. Outro bom exemplo são os edulcorantes como a stevia, que ganhou uma atenção especial nos últimos anos e que veio substituir muito bem o açúcar de formulações alimentícias.
Alimentação em Foco: Conforme as técnicas de engenharia de alimentos foram avançando e possibilitando o desenvolvimento de novas formas de processamento dos alimentos, muitos mitos foram sendo criados em torno dos alimentos processados. Hoje, há muitas dúvidas que pairam sobre a saudabilidade desses alimentos. Como tranquilizar o consumidor?
Marcelo Cristianini: Creio que com uma melhor comunicação, tanto por parte da indústria quanto da Academia. Estes mitos se espalham muito rapidamente pelas redes sociais e alguns chegam a ser absurdos. Precisamos nos comunicar melhor com o consumidor, desvendar mitos e esclarecer a sociedade para que haja um entendimento real sobre as vantagens e desvantagens das tecnologias, dos ingredientes, etc. Assim, o consumidor poderá, ele mesmo, fazer melhor as próprias escolhas, ser um disseminador das boas práticas e, principalmente, um vigilante das más práticas
Alimentação em Foco: De olho no comportamento do consumidor, que cada vez mais está preocupado com uma alimentação saudável, qual é hoje o maior desafio do profissional da engenharia de alimentos?
Marcelo Cristianini: Do ponto de vista técnico é continuar desenvolvendo tecnologias para atender as demandas dos consumidores por alimentos saudáveis, mantendo as características sensoriais e nutricionais dos produtos in natura. Isto se desdobra em um benefício social, que é garantir a segurança alimentar da população.
Fonte: Site Alimentação em Foco