Por Jamile Araújo – Brasil de Fato
O dia 13 de maio de 1888 entrou para a história de nosso país como o dia da “abolição da escravatura”. Segundo os registros oficiais, dia em que a bondosa princesa Isabel, teria assinado generosamente a Lei Áurea e posto fim aos mais de 350 anos de escravização, sofrimento, exploração e violação de direitos dos milhões de negros trazidos nos chamados navios negreiros de África. Por outro lado, é sabido que esta não foi uma “obra” bondosa, e muito menos o fim do sofrimento. O Brasil foi o último país americano a abolir a escravidão, mas ao olhar a inserção e a posição do negro na sociedade, é possível questionar os limites dessa abolição.
Em primeiro lugar, a abolição não pode ser vista como uma data e sim como parte de um processo histórico de resistência e luta por liberdade e igualdade. Seja através das inúmeras revoltas populares que aconteceram durante mais de três séculos, da criação dos Quilombos, de conquistas como a Lei do Ventre Livre (1871), Lei do Sexagenário (1885), ou com formas coletivas e/ou individuais de pagamento de alforrias.
Segundo, a abolição, da forma que foi feita, não alterou as péssimas condições de vida do negro, tampouco o inseriu de forma igualitária, na sociedade capitalista que se gestava, a fim de reparar as consequências do passado de escravização. Pelo contrário, sem qualquer tipo de reparação, indenização ou política social, os negros ficaram “a própria sorte” ou “próprio azar”. E em grande parte, sem uma alternativa de trabalho, moradia, saúde e alimentação, ou seja, de sobrevivência. Sendo esse período de construção das bases da sociedade capitalista, racista e patriarcal brasileira, é possível afirmar que ela se deu a partir da exploração do trabalho dos negros nas lavouras, nos engenhos ou nas casas grandes, e da miscigenação forçada através do estupro das mulheres negras e indígenas.
129 anos depois da falsa abolição, embora a classe trabalhadora tenha alcançado conquistas importantes e o Estado brasileiro tenha o reconhecido o racismo como crime, a integração do negro na sociedade de classes ainda é uma tarefa incompleta. As classes dominantes no Brasil, com o objetivo de manter seus privilégios, exploração, lucro e dominação, jamais permitiram a realização das tarefas democráticas, como a Reforma Agrária, Reforma Urbana, Reforma Política, Democratização dos Meios de Comunicação, entre outras. Ela trata de perpetuar mecanismos de dominação do povo, seja através da violência, com o genocídio e encarceramento da população negra, ou através da dominação ideológica, com o mito da democracia racial e as teorias raciais que criaram no imaginário nacional que o Brasil é um paraíso racial, em que os povos e etnias se “misturaram” romântica e cordialmente, e a partir disso, todas e todos teriam direitos, deveres e oportunidades de desenvolvimento iguais. O que não condiz com o movimento da realidade.
Vivemos num país em que a negritude e a pobreza são criminalizadas, e as condições de desenvolvimento, trabalho e vida da população negra são piores que a da população branca. Em pesquisa divulgada recentemente pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) baseada no PNAD/IBGE, um negro ganha, em média, metade da renda de uma pessoa branca. E em 2010, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de uma pessoa negra era 14,4% menor que de uma pessoa branca. O IDH está relacionado com nível de escolaridade, expectativa de vida, renda, e outros fatores.
Por fim, mas sem esgotar o debate, a tarefa que se coloca para esse momento de golpe e retirada dos direitos conquistados pelos trabalhadores nos últimos períodos, é a da unidade do povo em torno luta pela realização da segunda abolição, que tenha em seu conteúdo a luta por um Brasil democrático e soberano. E o 13 de maio, nesse contexto, deve ser um dia de denúncia e luta para acumular forças rumo a realização da verdadeira abolição.
*Comunicadora Popular e militante do Levante Popular da Juventude BA