O projeto de lei 2.345/17, que autoriza o uso das ações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) para viabilizar um empréstimo de R$ 3,5 bilhões da União, foi votado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) nesta segunda-feira (20). O projeto é considerado pelos movimentos populares e trabalhadores da empresa de “Privatização da Cedae”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o sindicalista e trabalhador da Cedae Ary Girota destaca as consequências da privatização. Para ele, essa iniciativa é a ponta do iceberg de um projeto de privatização muito maior.
Confira:
Qual é a realidade da Cedae hoje em termos de estrutura/trabalhadores/ativos?
Nós somos uma empresa com 5.900 trabalhadores ativos e aproximadamente 3.500 trabalhadores terceirizados, e atendemos 64 municípios do estado do Rio de Janeiro. A nossa maior arrecadação é na Capital, seguida por São Gonçalo. Tivemos um lucro aproximado de R$ 400 milhões e entregamos dividendos na ordem de R$ 80 milhões em 2016. De 2011 até aqui, já tivemos R$1,5 bilhão de lucro.
Ou seja, somos uma empresa superavitária e não utilizamos nenhum recurso do Tesouro, uma empresa que paga os fornecedores em dia, financiamos nossas obras. Para ampliar, basta o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passar a aprovar financiamentos no lugar de conceder empréstimos a empresas privadas. Necessitamos de mais atenção, no sentido de que as políticas públicas tenham um viés social. A Cedae tem que cumprir esse papel com mais coerência e empenho. É óbvio que isso é de responsabilidade do governo do estado, que interfere nos rumos da empresa. Para se ter uma ideia, parte das obras dos Jogos Olímpicos foi financiada com o dinheiro da Cedae. Somos uma empresa saudável. Ainda não temos ideia de um valor patrimonial da empresa. A sensação que dá é que estamos pedindo um empréstimo de R$ 5 mil e entregando como garantia um carro de R$ 150 mil.
A que se deve essa centralidade na privatização da Cedae?
A centralidade dessa privatização da Cedae, a entrega das ações, ao que tudo indica, vem de um projeto de privatização do saneamento no Brasil. Um projeto do capital rentista, das empreiteiras, que não por acaso, parte delas, compõe a estrutura das empresas privadas como a Carioca Engenharia, a Queiroz Galvão que compõe o grupo Águas do Brasil e estão envolvidas na Lava Jato.
Ou seja, estão perdendo espaços em outros setores e estão migrando para a área de saneamento. Privatizar a Cedae é apenas a ponta do iceberg. Se eles conseguem entregar a Cedae, – que hoje é uma empresa lucrativa com dividendos do estado do Rio de Janeiro, – qualquer empresa estadual será mais fácil de ser entregue. O grande problema disso é a privatização de um bem que é a água. Algo que não deve ser objeto de lucro econômico. Estima-se que se tenha algo por volta de R$ 508 bilhões destinados ao saneamento no Brasil inteiro. As empreiteiras, portanto, estão de olho nesse dinheiro. Elas (as empreiteiras) querem abocanhar esse dinheiro que será fornecido pelo Ministério das Cidades para o saneamento e, além disso, vão continuar a lucrar com a cobrança do serviço.
No cenário mundial, as empresas têm perdido espaço nos outros continentes e nos outros países. Muitas cidades reestatizaram ou remuncipalizaram seus sistemas porque ao longo dos 20 anos o saneamento básico não combina com lucro econômico. Por isso, as cidades estão retomando os seus sistemas. O atendimento a população tem que prevalecer. E quando o objetivo é a busca por lucro o serviço fica prejudicado e quem sofre é a população.
Como isso pode prejudicar os serviços de fornecimento de água e esgotamento?
Na medida que a privatização acontece, a busca pelo lucro vai impedir que as comunidades mais carentes, mais periféricas tenham acesso ao saneamento básico. Nós temos uma prova aqui no RJ, a AP5, que vai de Deodoro até Pedra de Guaratiba, era uma área operada pela Cedae e entregue à prefeitura do Rio em 2009, e a prefeitura por conseguinte entregou à iniciativa privada. No contrato de concessão, esse grupo não tem obrigação de atender nas comunidades mais pobres e periféricas. E isso gera um conflito: a Cedae não opera mais o sistema, mas é a responsável de levar o serviço a essas comunidades.
Por outro lado, nós temos o exemplo de Niterói que há 17 anos foi privatizada e presta um serviço razoável, mas eles não falam, por exemplo, que a empresa não conseguiu acabar com o lançamento de esgotos nos rios da cidade. Até os rios que cortam Icaraí, área nobre da cidade, são valões de esgoto. Muita gente defende a tarifa mais barata cobrada pela empresa em Niterói (R$ 2,70 m3), mas o que eles não contam é que compram por R$ 1,51m3 por uma imposição contratual que obriga a Cedae a entregar a esse valor.
Ou seja, o estado subsidia uma empresa privada. Isso afeta os cofres públicos. A Cedae, uma empresa pública, tem que subsidiar uma empresa privada na cidade de Niterói que lucra com o serviço. No geral, com a privatização, ao passar do tempo, precariza as relações de trabalho, obriga trabalhadores a cumprir duas ou três funções diferenciadas para qual foram contratadas, há uma rotatividade muito grande de trabalhadores, e consequente, falta de memória do que foi realizado, precarização na manutenção e reparos. A busca do lucro vai fazer com que, ao longo do tempo, a qualidade caia e uma das coisas mais graves, a ausência de controle social que está prevista no marco nacional do saneamento (Lei 11445/2007) numa empresa privada esse controle vai ser limitada. Como empresa pública, a população pode e deve opinar sobre a empresa. Estamos perdendo um patrimônio do estado do Rio de Janeiro.
Fonte: Brasil de Fato