Por Simone Baía*
Segundo Hannah Arendt, “não são as capacidades do homem, mas é a constelação que ordena em seu mútuo relacionamento o que pode mudar, e muda historicamente”. Tenho ouvido e testemunhado o brado de vários cidadãos de nossa sociedade por mais ética na política, mais honestidade, mais seriedade, mais e mais. No entanto, para quem esse mais?
Vivemos em um mundo em que alguns se dizem apolíticos, porém, a todo o momento, fazem politicagem e buscam vantagem com isso e esquecem que a política – a arte de negociação para compatibilizar interesses – está em todo lugar, na governança em geral do nosso sistema político, nas centrais sindicais, sindicatos, conselhos de classes, associações de bairro e de classes. Aparentemente, essa é realidade: de que a política está em tudo e em todas as formas de organização da sociedade. Alguns fazem o possível para que os demais repudiem, criando assim uma massa que se diz “apolítica” com líderes “apolíticos”.
E esses mesmos líderes apolíticos são “os caras” e “as caras” que, nos momentos decisivos, entre a ética e a retidão, optam pelo famoso “jeitinho brasileiro”. Um exemplo simples é o indivíduo empoderado de seu cargo em qualquer nível, que faz apologia a sua ética e honestidade mas, em outro momento decisivo, o mesmo indivíduo sugere e induz aqueles a ignorarem as regras gerais em prol de uma exceção. Tudo isso sob a justificativa de que se isso não está 100% correto, pode ser ajeitado depois, configurando, não explicitamente, o famoso jeitinho.
Tão preocupante quanto à atuação política dos autodenominados “apolíticos” está a falta de atuação política, ou melhor, a omissão política. Não fazer algo ou se omitir é, na realidade, um ato político. Pois, a “omissão” é, de fato, uma deliberada ação de indivíduos que para não se sentirem (ou não se sentem mesmo?) responsáveis pelos problemas da sociedade, transferem a responsabilidade para aqueles que ocupam os espaços de poder. Este cenário denota claramente que estes sujeitos não se veem, ou preferem não se ver, como parte da coletividade e nem dos problemas sociais, ao menos no que diz respeito à solução política de problemas. Tais indivíduos não conseguem ou não querem ver os espaços de poder como um importante integrante da sociedade, pois no entendimento desses “omissos”, ao responsabilizarem os outros por todas as consequências da má política, elas se eximem da responsabilidade coletiva.
As reflexões levantadas nos levam a uma série de questionamentos: política é para quem? Para quê? Para responder a estas questões, precisamos entender que não existe local de poder ou sistema de gestão, que não se tenha política. Mas, precisamos de política para quê? A resposta é simples: precisamos, sim, de política e fazemos política o tempo todo. O quanto essa política é verdadeiramente voltada para coletividade é o que determina a nossa evolução enquanto sociedade. Então, o que precisamos é de política verdadeira, e não de politicagem, que é a prática de quem se intitula como “apolítico”.
O “fazer política” é um ato necessário em qualquer ordenamento, pois fazer política não é uma ação que está restrita a parlamentares. Política é algo muito mais amplo e necessário, pois se baseia na pluralidade, ou seja, em gerir existência no mesmo lugar das diferenças. Política é buscar a igualdade em direitos, mas principalmente para que todas as pessoas tenham as mesmas obrigações e com as mesmas regras.
A política é elemento de qualquer sistema político, pois sempre que alguém tem o poder de dirigir outras pessoas. Podemos falar que há uma relação política entre as partes, entre o que dirige e os que obedecem. E estes deverão ser capazes de conquistar, manter e exercer o poder para que a totalidade seja beneficiada.
A política é para mim, para vizinhança, colegas, amigos, inimigos. Em resumo, a política é para toda a organização social. Pois, política é a articulação de um conjunto de referenciais e de instrumentos, que tem como objetivo potencializar o que se tem de melhor em termos de organismo. Política representa também o enfrentamento do que está instituído de forma errada, modificando o que foi produzido pelo saber e pela vivência. O que tem ocorrido e se alastrado recentemente é que a boa política vem ficando na invisibilidade ou enfraquecida, pelos indivíduos “apolíticos”, que sempre tentam dissociar a boa política da evolução da nossa sociedade. Isso porque esses indivíduos tiram proveito dessa invisibilidade.
Tudo que foi melhorado ao longo dos anos – as rupturas, a integração – foi resultado do fomento e da potencialização de movimentos que transformaram para melhor o ambiente e a sociedade. Nas lutas cotidianas, nas resistências, na humanização, nos processos de aproximação e busca de uma sociedade mais justa e igualitária sempre esteve a política e para tal é necessária para todos no nível pessoal: eu, tu, ela/ele, nós, vós e elas/eles, essa constelação social.
* Simone Baía é engenheira química e diretora da mulher da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros